Nos últimos anos, tornou-se muito mais simples para investidores de maior porte ter um fundo para chamar de seu. Seja pessoa física ou jurídica, as ferramentas tecnológicas de gestão financeira reduziram sobremaneira os custos da operação e os fundos fechados ou exclusivos ganharam espaço.
No recorte de 2018 e o primeiro quadrimestre de 2023, o número de fundos com esse perfil saltou 81%, segundo levantamento realizado pela Nelogica/Comdinheiro.
Os dados revelam que em 2018 existiam 3 mil fundos exclusivos no Brasil. Ao fim de abril deste ano o número chegou a 5,5 mil. Agora, esse tipo de investimento, que se tornou queridinho dos super-ricos, está na mira do governo.
Fundos exclusivos funcionam com o diferencial de que não há abertura para entrada de cotistas indiscriminadamente, mas são criados sob medida para um investidor individual (ou um grupo pequeno, como familiares) ou empresa.
O que tornou esse tipo de fundo tão atraente para esses grandes investidores é o fato de que não incide o "come-cotas", tributo federal que antecipa a cobrança do Imposto de Renda, que é uma cobrança de praxe nos fundos abertos.
Conforme as regras do "come-cotas", a cada R$ 100 mil investidos em um fundo aberto, por exemplo, há obrigação de tributo de 20% dos ganhos nos de curto prazo e 15% nos de longo prazo.
+ Entenda a MP assinada por Lula para taxar os super-ricos
A medida provisória (MP) 1.184/2023, que equipara as regras tributárias entre fundos fechados à legislação já vigente para fundos abertos veio junto do projeto de lei que altera a tributação sobre aplicações financeiras no Exterior (PL 4.173/2023), chamadas de fundos offshores. Esses recursos serão fontes de recursos para a compensação do aumento do salário mínimo e da isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até dois salários mínimos.
Para o diretor de estudos tributários da Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), Juracy Soares, é notável a regressividade do sistema tributário brasileiro, que pesa sobre os mais pobres e vai aliviando conforme aumenta a riqueza do contribuinte.
Ele explica que a medida tomada pelo governo não afeta todos os investidores, somente uma parcela diminuta e que esse movimento não se trata de uma taxação de grandes fortunas, sistema esse que nunca deu certo nas experiências internacionais já observadas.
Além da taxação desses investimentos, Juracy defende a taxação de propriedades físicas. "O capital se move com o click de mouse. O modelo que se projeta para alcançar os "super-ricos" detentores de grandes propriedades seria melhorar a questão da taxação sobre a propriedade de imóveis".
De acordo com o Ministério da Fazenda, somente com a perda de arrecadação proveniente das mudanças no IR, somam-se R$ 3,2 bilhões nos últimos sete meses de 2023, R$ 5,88 bilhões em 2024 e R$ 6,27 bilhões em 2025. Então, em quase 3 anos, o buraco nos cofres seria de R$ 15,35 bilhões.
Nesse contexto, a equipe econômica do governo estima que somente a MP de tributação dos fundos fechados deve garantir uma arrecadação de R$ 13,28 bilhões em 2024. O montante, aliado às demais medidas desenhadas pela Fazenda para aumento de arrecadação (como a taxação de apostas) tem objetivo de zerar o déficit primário nas contas públicas e arrecadar R$ 24 bilhões entre 2023 e 2026.
Sobre a taxação, o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, disse que a intenção do governo é corrigir distorções do sistema tributário. E, neste momento, chegou a hora de cobrar imposto de pessoas com renda altíssima.
Para o chefe da Receita, o governo precisa cortar gastos, mas deve fazê-lo com gastos tributários e não em despesas com políticas sociais. "Falar em corte de gastos linearmente chega a ser cruel em um país com tanta desigualdade social".
"Vamos cortar o gasto tributário, as distorções e brechas que fazem que algumas pessoas sejam mais que outras no Brasil", pontuou durante fala no Fórum Internacional Tributário.
De acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) nos primeiros sete meses do ano, os fundos exclusivos ou fechados registraram uma captação líquida positiva de R$ 13,7 bilhões.
No dado que analisa uma possível "fuga" de ativos dos fundos dos super-ricos no período, o que se viu foi um aumento das captações e crescimento dos fundos.
Esses recursos resgatados pelos gestores representam aproximadamente 10% dos R$ 125 bilhões que foram retirados dos diversos tipos de fundos no período.
Juntando o patrimônio de todas essas carteiras que são destinadas à gestão de fundos de famílias ricas chega-se a R$ 966,2 bilhões em julho. Esse montante é 10,6% na comparação com o valor observado em dezembro de 2022. Ainda segundo a Anbima, isso acontece a partir da valorização dos ativos.
O resultado demonstra uma importante recuperação para esse segmento. Os dados de todo 2022 revelam que esses fundos tiveram uma subtração de R$ 21,9 bilhões.
Na esteira das mudanças propostas pela equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda) está a revisão da tributação dos fundos imobiliários (FIIs) e fundos imobiliários do agronegócio (Fiagros).
Atualmente, a base para que os FIIs e Fiagros sejam isentos de Imposto de Renda é quando possuem mais de 50 cotistas. A partir da MP, há a previsão de subir essa quantidade de 50 para 500 cotistas.
Outra previsão que consta na MP em relação aos fundos imobiliários é a continuidade das regras em que as cotas devem ser negociadas em Bolsa de Valores e nenhum investidor pode ter mais do que 10% das cotas.
Outro detalhe importante: Nada muda para o cotista de fundos imobiliários que realizam aportes e compram cotas de outros FIIs.
Aumento de impostos é sempre visto como medida impopular para qualquer governo. E, em certos casos, gera reações. No contexto da taxação de fundos exclusivos e offshores, a batalha inicia no Congresso Nacional.
A proposta histórica da agenda petista de aumentar os impostos para os mais ricos como forma de fortalecer agendas que beneficiem os mais pobres, pode não convencer o parlamento e os deputados e senadores optarem por mudanças no texto da MP e do projeto de lei.
Na avaliação do advogado e contador membro do Conselho Regional de Contabilidade do Ceará (CRC-CE), Flávio Menezes, o Congresso é também formado por parlamentares que representam os interesses dessa parcela da população impactada. Por isso, acredita em alguma resistência.
"O que se deve defender é que as regras sejam muito bem estruturadas para não perder o efeito desejado pela lei, que é exatamente um reordenamento do sistema tributário", avalia.
Passado o momento de discussões no Congresso e, com uma, por agora, virtual, aprovação, outro tipo de "drible" deve ser tentado, continua o contador: A transferência de recursos para ativos não tributados.
Nesta lista de investimentos existem, por exemplo, os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e do Agronegócio (CRAs), Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) e Imobiliário (LCIs).
Flávio acrescenta que esse esforço de tornar os impostos mais bem distribuídos no Brasil tem corrido de forma promissora, principalmente em relação à tramitação da reforma tributária. Ele pontua ainda que o próximo passo seria taxar lucros e dividendos.
"A grande discussão é exatamente sobre a questão da maior justiça tributária na distribuição da carga tributária. No Brasil, ao contrário do que a OCDE prega, tem uma tributação mais exaustiva sobre o consumo, o que prejudica quem ganha menos".
E completa: "A tributação dos mais ricos vem no sentido de tentar equilibrar um pouco mais de acordo com a capacidade contributiva de cada contribuinte".
A taxação dos fundos offshore tem o potencial de gerar questionamento na Justiça e a "força" arrecadatória das propostas pode se esvair. Essa é a avaliação do Instituto Millenium, que expediu análise sobre a questão após a confirmação das propostas.
Tanto a MP quanto o projeto de lei devem passar por discussões no Congresso Nacional e a expectativa do governo Lula é de aprovação para que as duas medidas contribuam para que o objetivo da Fazenda de zerar o déficit público em 2024 aconteça.
O ponto em questão, analisado pelo Instituto Millenium é que as propostas não têm previsão de efeito sobre os rendimentos passados.
"Do ponto de vista legal, novos impostos não alcançam fatos passados. Com isso, a taxação de rendimentos auferidos no passado, tanto na medida provisória quanto no projeto de lei em análise, podem ser retirados da proposta ainda no Congresso ou serem questionados judicialmente. Em ambos os cenários, ter-se-ia uma receita fiscal menor do que a estimada".
De acordo com a nota, não há consenso sobre a possibilidade de tributação dos rendimentos acumulados antes da aprovação da lei. Nesse sentido, o mecanismo pode gerar questionamentos judiciais, com possibilidade de reversão.
O Instituto Millenium afirma ainda que possíveis reestruturações nas carteiras de investimento, sobretudo as estrangeiras, podem acabar por reduzir a arrecadação com o remanejamento de ativos para investimentos de menor tributação.
grupo seleto
Um estudo da LCA Consultores revela que, de um total de 97,57 milhões de trabalhadores ocupados no Brasil, apenas 588,6 mil ganhavam mais de 20 salários mínimos (R$ 24,4 mil). Isso representa 0,6% da população ocupada. Destes, 75% são homens e 77% são brancos
Taxação de offshores pode gerar questionamentos judiciais
A taxação dos fundos offshore tem o potencial de gerar questionamento na Justiça e a "força" arrecadatória das propostas pode se esvair. Essa é a avaliação do Instituto Millenium, que expediu análise sobre a questão após a confirmação das propostas.
Tanto a MP quanto o projeto de lei devem passar por discussões no Congresso Nacional e a expectativa do governo Lula é de aprovação para que as duas medidas contribuam para o objetivo da Fazenda de zerar o déficit público em 2024.
O ponto em questão, analisado pelo Instituto Millenium, é que as propostas não têm previsão de efeito sobre os rendimentos passados.
"Do ponto de vista legal, novos impostos não alcançam fatos passados. Com isso, a taxação de rendimentos auferidos no passado, tanto na medida provisória quanto no projeto de lei em análise, podem ser retirados da proposta ainda no Congresso ou serem questionados judicialmente. Em ambos os cenários, ter-se-ia uma receita fiscal menor do que a estimada".
De acordo com a nota, não há consenso sobre a possibilidade de tributação dos rendimentos acumulados antes da aprovação da lei. Nesse sentido, o mecanismo pode gerar questionamentos judiciais, com possibilidade de reversão.
O Instituto Millenium afirma ainda que possíveis reestruturações nas carteiras de investimento, sobretudo, as estrangeiras, podem acabar por reduzir a arrecadação com o remanejamento de ativos para investimentos de menor tributação.
Os super-ricos podem traçar estratégias para fugir da taxação?
Aumento de impostos é sempre visto como medida impopular para qualquer governo. E, em certos casos, gera reações. No contexto da taxação de fundos exclusivos e offshores, a batalha inicia no Congresso Nacional.
A proposta histórica da agenda petista de aumentar os impostos para os mais ricos como forma de fortalecer agendas que beneficiem os mais pobres, pode não convencer o parlamento, fazendo com que deputados e senadores optem por mudanças no texto da MP e do projeto de lei.
Na avaliação do advogado e contador membro do Conselho Regional de Contabilidade do Ceará (CRC-CE), Flávio Menezes, o Congresso é também formado por parlamentares que representam os interesses dessa parcela da população impactada. Por isso, acredita em alguma resistência.
"O que se deve defender é que as regras sejam muito bem estruturadas para não perder o efeito desejado pela lei, que é exatamente um reordenamento do sistema tributário", avalia.
Em sendo confirmada a aprovação no Congresso, outro tipo de "drible" preocupa o contador: a transferência de recursos para ativos não tributados.
Nesta lista existem, por exemplo, os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e do Agronegócio (CRAs), Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) e Imobiliário (LCIs).Flávio acrescenta que esse esforço de tornar os impostos mais bem distribuídos no Brasil tem ocorrido de forma promissora, principalmente, em relação à reforma tributária. Ele pontua que o próximo passo seria taxar lucros e dividendos.
"A grande discussão é exatamente sobre a questão de dar maior justiça tributária na distribuição da carga de impostos. No Brasil, ao contrário do que a OCDE prega, tem uma tributação mais exaustiva sobre o consumo, o que prejudica quem ganha menos".
E completa: "A tributação dos mais ricos vem no sentido de tentar equilibrar um pouco mais de acordo com a capacidade contributiva de cada contribuinte".
Como funcionam os fundos offshore?
São fundos de investimentos cujo gestor ou gestão ocorre no Brasil, mas os ativos estão alocados no Exterior. Aqui, os investidores preferem mercados onde os impostos são menores, como Suíça, Ilhas Cayman e Luxemburgo. O que os diferencia de outros tipos de investimentos de brasileiros fora do País é que esses fundos possuem altas taxas de administração e são restritos aos investidores de alta renda. O aporte inicial para fundos offshores é de, pelo menos, US$ 1 milhão.
COMO FICA A TAXAÇÃO?
O projeto tem potencial de arrecadar R$ 3,59 bilhões em 2024 e R$ 6,75 bilhões, em 2025. Na mesma medida ainda está previsto a possibilidade de regularização de ativos, em que o governo dá a possibilidade que brasileiros atualizem o valor de seus bens e direitos no Exterior, informados na declaração anual de ajuste do IR, pagando alíquota menor.
> Rendimentos até R$ 6 mil são isentos
> Rendimentos entre R$ 6 mil e > R$ 50 mil seriam tributados em 15%
> Rendimentos acima de
R$ 50 mil em 22,5%
Fonte: Governo Federal/ Anbima/ B3