Não há, em Fortaleza, atualmente, política pública direcionada para o resgate e acolhimento de animais abandonados nas ruas, sejam cães ou gatos. A Capital tem pelo menos 40,8 mil animais nas ruas, sujeitos a maus-tratos e doenças. O número é de levantamento da Coordenadoria Especial de Proteção e Bem-Estar Animal (Coepa).
Os trabalhos de assistência pública à proteção e bem-estar animal e controle das zoonoses são concentrados na Coepa e no Centro de Controle de Zoonoses (CCZ). As principais ações do poder público para solucionar o cenário de abandono são baseadas na tentativa do controle populacional dos bichos, com castrações, vacinação e atendimentos a casos suspeitos de zoonoses, além da assistência a organização não governamentais (ONGs) de proteção animal, como o Abrigo São Lázaro.
De acordo com a Coepa, em 2021, foram repassados, por meio da Prefeitura de Fortaleza, R$ 300 mil para o Abrigo São Lázaro, organização responsável por cuidar de 1.200 animais. O repasse foi dividido em parcelas. “A política pública é de apoiar os abrigos de animais que fazem esse trabalho. Quando você dá esse incentivo você atua em várias formas”, disse o titular da Coepa, Marcel Girão.
A coordenadoria informou que para ter esse controle populacional dos bichos realiza as ações, principalmente, nos VetMóveis, veículo de assistência a animais que oferta vacinação, exames, consultas e castrações. A Pasta, inaugurada em 2018, aponta que, em quase cinco anos, foram realizadas 48.397 castrações em cães e gatos resgatados das ruas por protetores independentes.
Conforme Marcel, a conscientização da população é o principal gargalo para combater o abandono dos animais e evitar a situação de rua, gerando impactos na saúde pública.
“A população, em boa parte, abandona os animais nas ruas e surgem novos (bichos) que vão procriar, gerando novos animais nessa situação. Quando não se tem o processo de conscientização por parte da população, fica difícil para qualquer poder público ter uma condição ideal”, explica.
A falta de assistência pública para resgate e acolhimento dos animais em situação de abandono no Brasil pode ser comprovada em dados. A pesquisa Animais em Condição de Vulnerabilidade (ACV), do Instituto Pet Brasil (IPB), revela que a população animal em situação de vulnerabilidade registrou um crescimento de 125% no País. De 2018 para 2020, os animais nessa condição aumentaram de 3,9 milhões para 8,8 milhões no Brasil.
A estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que cerca de 30 milhões de cães e gatos vivam em situação de abandono no País. A prática do abandono é considerada crime, conforme a Lei Federal 9.605/98, e definida pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) como maus-tratos aos animais. A pena é reclusão de 2 a 5 anos, com multa e proibição da guarda, quando se tratar de cão ou gato.
Esse cenário de abandono pode ocasionar poluição ambiental, contaminação, acidentes de trânsito, crueldade e agressões e, principalmente, doenças iminentes à saúde pública. A médica veterinária Sâmia Roriz, especialista em clínica e cirurgia de cães e gatos, analisa que é necessário encarar o problema como saúde pública e cobrar políticas voltadas para o resgate e acolhimento.
“O ideal é que os animais fossem recolhidos para o Centro de Zoonose para serem feitos exames gerais neles, e, ao constatar um problema, o serviço público encaminhasse para os órgãos responsáveis, como a Clínica Jacó, VetMóveis, assim como uma conscientização da população em levar os animais aos centros”, comenta Sâmia.
O Centro de Controle de Zoonose (CCZ) de Fortaleza, no entanto, informa que segue recomendação do Ministério da Saúde, a qual proíbe o recolhimento dos bichos, com exceção de três situações que coloquem risco à saúde pública: estado terminal, doença infectocontagiosa e animal extremamente feroz, que não convive em sociedade e nem com outros animais. Todas as situações devem ter comprovação técnica, laudo sanitário e atestado de um médico veterinário para ser recolhido do local.
Segundo o gerente da Célula de Vigilância Ambiental da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza (SMS), Atualpa Soares, eles são levados para ficar em observação, sendo analisada a evolução da saúde do animal para estado positivo ou negativo para uma doença, ou para eutanásia, em caso de comprovada justificativa. Após a constatação saudável, ele pode ser "devolvido ao ambiente de origem ou encaminhado para algum abrigo". “A função do CCZ é avaliar animais de risco à saúde humana”, explica Atualpa.
Ainda segundo o gerente da Célula de Vigilância Ambiental da SMS, se não for constatada tecnicamente a necessidade da retirada do animal da rua, ele é deixado no local. As ações, por sua vez, só acontecem a partir de demandas, seja da população ou do poder público. “São demandas espontâneas que a gente pega e vai atender”, disse.
O recolhimento dos animais nos critérios do Ministério da Saúde é feito apenas nos casos de estado terminal, doença infectocontagiosa e animal extremamente feroz. O manejo dos bichos, de acordo com a Prefeitura de Fortaleza, é feito por meio de uma “carrocinha” — veículo que realiza o transporte dos animais, assim como demais serviços do CCZ. As solicitações para a retirada dos bichos, nas situações descritas, devem ser feitas por meio de contato com o Centro, localizado na rua Betel, 2980, no bairro Dendê, pelo número (85) 3131 7847.
De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, neste ano, não houve solicitação da população para retirada de animais de rua que se adequassem nos critérios estabelecidos pelo Ministério da Saúde. A pasta informou que, de janeiro a setembro deste ano, 137 animais foram levados por tutores ao CCZ para o procedimento de eutanásia, com justificativa. Outros dez animais deram entrada no CCZ para observação, e todos eles foram devolvidos aos tutores.
Uma medida praticada antigamente na Capital, destinada, inicialmente, ao controle da raiva urbana, era a chamada "carrocinha". Em 1952, a antiga Secretaria de Serviços Urbanos e Abastecimento comunicava o surgimento do veículo e das atividades, que duraram cerca de 60 anos e também abrangeram o controle dos animais nas ruas.
Com a criação do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), em 1986, a Capital incorporou a carrocinha ao Centro com objetivo de manejar o número de animais em estado de abandono. As atividades, no entanto, foram extintas em 2014 após criação de uma portaria do Ministério da Saúde que definiu novas ações e os serviços dos CCZ no País, excluindo o recolhimento dos animais das ruas.
A médica veterinária Sâmia Roriz explica como era o sistema dos carros. “A carrocinha saía e ia recolhendo os animais de rua utilizando sistema de contenção. Alguns animais eram mais facilmente contidos e colocados no veículo, outros eram mais difíceis”, lembra. Ainda segundo a veterinária, esse tipo de coleta não tinha o apoio da população porque não existia um esclarecimento do porquê do serviço voltado à retirada dos animais das ruas.
“As carrocinhas passavam nos bairros no dia específico, e os animais que estivessem na rua eram apreendidos e levados para o Centro, onde ficavam acondicionados. No casos de eutanásia, os animais ficavam sem comer devido às anestesias para que, durante o procedimento, eles não vomitassem ou se engasgassem”, explica a veterinária.
- 1952
Implantação da "Carrocinha" pela Prefeitura de Fortaleza, instituída pela Secretaria de Serviços Urbanos e Abastecimento.
- 1986
A carrocinha é suspensa em Fortaleza, e os casos de raiva humana aumentam na Capital. O Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) é criado.
- 1988
Lei Municipal 6.294, de 1988, passa a regulamentar a coleta de animais que vivem nas ruas (revogada em 2005).
- 2005
A ex-prefeita Luizianne Lins assina a Lei Municipal que regula o serviço de captura de animais que vivem nas ruas, revogando a lei de 1988.
- 2014
O Ministério da Saúde publica portaria que delimita as funções dos Centros de Controles de Zoonoses (CCZ)
- 2021
Sancionada Lei 14.228/21, que proíbe os Centros de Controles de Zoonoses (CCZ) realizarem eutanásia de animais saudáveis
Fontes: O POVO.DOC, Câmara Municipal de Fortaleza, Câmara dos Deputados e Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa).
Diante da falta de políticas efetivas para o resgate e o recolhimento dos animais em situação de abandono nas ruas de Fortaleza, uma das orientações é a cobrança das ações do poder público diante dos casos. É o que analisa a presidenta da Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais (CDDA) da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/CE), Geórgia Carioca Melo.
“É acompanhar a aplicação das leis a cada uma das instituições. Muitas vezes, é necessário manter contato direto com a Delegacia Especializada de Crimes Ambientais, o Ministério Público, a promotoria de crimes ambientais e com a Agência de Fiscalização do município. Para cada um dos problemas que surgem das denúncias, a gente vai ter um trabalho coletivo para o bem-estar animal”, informa Geórgia.
Atualmente, tramita na Câmara Municipal de Fortaleza, desde o ano passado, um projeto de lei da Prefeitura para a criação da Política Municipal de Proteção e Bem-Estar Animal. O projeto prevê a criação do Programa Bolsa Protetor. A medida é direcionada para tutores que cuidam, voluntariamente, de animais que foram abandonados. O valor do auxílio ainda não foi definido.
No âmbito estadual, foi criada a Secretaria da Proteção Animal (Sepa) em julho deste ano, por meio do governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT). A pasta, chefiada pelo secretário Célio Studart, tem a responsabilidade pelo desenvolvimento e a implementação de políticas públicas efetivas e sustentáveis para os animais e o meio ambiente no Estado.
Questionada pelo O POVO sobre se há uma política pública vigente voltada para o recolhimento de animais doentes nas ruas do Estado, a Sepa informou, em nota, que “quer promover o fortalecimento da assistência médico-veterinária no Ceará.”
Segundo a pasta, há uma pretensão em executar políticas de controle populacional de animais na Capital e no Interior, criar e coordenar projetos assistenciais aos protetores de animais, desenvolver ações e políticas de monitoramento e prevenção de maus-tratos contra animais, onde inclui a criação e a coordenação de projetos educacionais de conscientização ambiental.
A Sepa informou que, atualmente, há duas leis sancionadas relacionadas ao trabalho da pasta no Estado. A primeira está associada à gratuidade dos serviços do Hospital Veterinário da Universidade Estadual do Ceará (Uece) para pessoas cadastradas em programas sociais ou cadastradas como protetores de animais.
A segunda regulamentação é para credenciamento de clínicas para a prestação de serviços de médico-veterinários, como consultas, castrações e demais procedimentos de assistência animal. A secretaria pontuou que a principal política pública será a castração. O procedimento “será viabilizado por meio dos futuros editais para credenciamento de clínicas veterinárias e implantação de serviço móvel”.
No último dia 11, o governador Elmano de Freitas confirmou o envio do Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2024 para a Assembleia Legislativa do Ceará (Alece). A gestão estima um orçamento de R$ 37,3 bilhões para o ano que vem. A recém-criada pasta da Proteção Animal tem montante previsto em R$ 10 milhões.
Outros dois projetos de lei do Executivo também tramitam na Alece. Um deles autoriza a abertura de crédito especial de R$ 900 mil no orçamento do Estado para viabilizar o funcionamento da recém-criada Sepa.
Os recursos são destinado para aquisição de material permanente, manutenção de serviços administrativos e de tecnologia da informação, folha de pagamento e ações de promoção do bem-estar de animais domésticos, por meio de parcerias e apoio a entidades que trabalham com atendimento a cães e gatos. (Colaborou Guilherme Siqueira)
Em casos da presença ou desconfiança de alguma situação de violência, abandono ou irregularidade em relação aos animais, é necessário realizar denúncia:
Polícia Militar
Telefone: 190
Batalhão de Polícia de Meio Ambiente (BPMA)
Telefones: (85) 3101 3545 / (85) 3101 3577
Endereço: Av. Raul Barbosa, 6801 - Aerolândia
Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA)
Telefone: (85) 3247 2630
Endereço: Rua Professor Guilhon, 606 - Aeroporto
Horário de atendimento: Das 8 às 17 horas
Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace)
Telefones: (85) 0800 275 22 33 / (85) 3254 3083 / (85) 3101 5580 / (85) 3101 5562
Endereço: Rua Jaime Benévolo, 1400 - Fátima
Horário de atendimento: Das 8 às 17 horas
Atualizado às 10h40min da terça-feira, 7 de novembro