Ao estabelecer um teto de até 100% do valor da dívida, as novas regras para os juros do rotativo devem baratear o crédito no Brasil, que chegou a 434,4% ao ano em novembro, conforme levantamento do Banco Central (BC). No entanto, especialistas veem instituições financeiras mais conservadoras e restritivas a partir de agora.
As medidas, que passaram a valer no dia 3 de janeiro de 2024, fixaram um limite para a cobrança das taxas de juros do crédito rotativo e parcelamento, baseando-se na Lei do Desenrola. Elas vão permitir também a portabilidade das dívidas para outros bancos, além de maior transparência nas faturas do cartão a partir de 1º de julho.
De acordo com o coordenador do curso de Economia da Faculdade de Campinas (Facamp), José Augusto Gaspar Ruas, os bancos terão uma chance menor de ganhar dinheiro com o crédito, como estavam habituados a fazer, o que deve torná-los mais conservadores para a concessão de cartões, limites e empréstimos.
“É possível que, por um lado, o crédito fique mais barato. Por outro, os bancos comecem a adotar alguns tipos de controle adicionais. (...) O que se espera, nesse primeiro momento, é que, especialmente, os bancos mais tradicionais devam fazer algum tipo de restrição ao volume (de crédito)”, explicou.
A visão é compartilhada pela professora da plataforma de educação financeira Me Poupe!, Hellen Kato. “O custo do crédito se tornará mais barato para o consumidor, principalmente no curto prazo, mas as instituições financeiras podem se tornar mais seletivas. (...) Uma possibilidade é que as instituições dificultem o acesso ao crédito”, informou.
Uma das incertezas levantadas pelos especialistas é que os bancos poderão tentar restringir o parcelamento sem juros à frente para angariar recursos. Algo que, até então, permanece inalterado pela resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN), o qual deu aval às novas regras do crédito no dia 21 de dezembro de 2023.
A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Ceará (Fecomércio-CE) afirmou ao O POVO que, caso isso ocorra, seria algo negativo para o comércio. “A venda parcelada no cartão é uma ferramenta fundamental para o varejo e seu fim será sentido em vários segmentos”, disse a diretora institucional Claudia Brilhante.
O teto também visa gerar impactos positivos voltados à redução do endividamento, mas a necessidade de lidar com os juros altos persiste, visto que, apesar de menor, o patamar de 100% ainda é elevado e exige cautela, segundo o presidente da Associação Brasileira de Profissionais de Educação Financeira (Abefin), Reinaldo Domingos.
Com as mudanças implementadas, uma dívida de R$ 1000 agora não poderá exceder o seu valor original em juros e encargos, ficando em R$ 2000 no máximo. Antes, este valor poderia variar entre R$ 4000 a R$ 5000.
“(O rotativo) era a categoria de crédito mais cara do país e ainda está alta”, detalhou Reinaldo Domingos. “É menos do que os bancos vinham cobrando antes, mas ainda é um problema, e há uma dificuldade de manobrá-la (taxa)”, acrescentou o economista José Augusto Gaspar Ruas.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) esclareceu ao O POVO que a regulamentação disciplinou pontos cruciais para a aplicação correta da Lei, mas que não vê as causas dos juros elevados do rotativo serem estruturalmente solucionadas.
“Entendemos como temporária a solução atual e, por não resolver a causa-raiz, os juros se manterão ainda em patamar elevado, prejudicando o comércio e aqueles que mais precisam de crédito para consumir”, ratificou.
O que muda com as novas regras?
Ações de bancos devem sofrer pouco impacto na bolsa com novas regras
As ações dos bancos com capital aberto listados na B3 (Brasil, Bolsa e Balcão) devem sofrer um impacto limitado com as novas regras do cartão de crédito, de acordo com analistas do mercado financeiro e análises de bancos de investimentos.
O analista-chefe do TC Matrix, Carlos André Vieira, disse que as ações não devem sofrer impactos notáveis. "Espera-se uma queda mínima nos resultados dos bancos, mas compensada por uma perspectiva de menor inadimplência, o que deve equilibrar a influência desta medida."
Vieira relatou ainda que o Itaú Unibanco, Banco do Brasil, Santander e Bradesco possuem uma exposição total relativamente pequena nas operações de cartões de crédito. "O impacto maior seria em bancos listados de menor porte, que se especializaram em operações com pessoas físicas, como no caso do Banco Pan", citou.
Em análise do Banco Citi, o impacto também deverá ser potencialmente maior nas varejistas que têm segmentos financeiros, isto é, fintechs. "De qualquer forma, acreditamos que uma definição sobre a regulamentação de cartões de crédito elimina uma preocupação importante no setor, abrindo espaço para uma reavaliação adicional".
Carlos Herrera, estrategista-chefe da empresa Condor Insider, voltada à análise de investimentos, pontuou ainda que essa fonte de receita não é muito relevante para os bancos. "O mercado já sabia. Não é notícia nova, e não deve impactar no preço das ações do bancos no curto prazo."
Já a equipe do banco de investimentos Goldman Sachs também reforçou que a medida não deve representar uma mudança estrutural significativa para o setor, "embora o limite nas taxas rotativas possa limitar o apetite de risco dos emissores de cartões, que diminuiu ao longo do último ano devido ao ciclo de crédito atual".
"A longo prazo, acreditamos que o Brasil precisaria migrar para um modelo mais tradicional de concessão de crédito por cartão, com uma maior porcentagem de linhas rotativas e taxas de juros muito mais baixas. No entanto, dada a prevalência de parcelas sem juros, quaisquer mudanças estruturais provavelmente seriam difíceis de implementar", acrescentou Goldman.