Principal produtor de castanha-de-caju e com maior área plantada com cajueiros no Brasil, além de maior exportador nacional, o Ceará nunca deixou o caju ficar esquecido. Mas o Carnaval de 2024 promete colocar a fruta como símbolo nacional, na boca do povo, por meio de rimas e receitas.
Com o enredo "Pede caju que dou... Pé de caju que dá!", a escola de samba Mocidade Independente, do Rio de Janeiro, levará o caju aos holofotes de alcance internacional. O carnavalesco Marcus Ferreira irá contar na Sapucaí tudo sobre a fruta do cajueiro, com suas histórias, curiosidades e lendas.
O samba-enredo da agremiação, que tem entre os compositores Marcelo Adnet, está ganhando cada vez mais força no período que antecede o desfile, sendo um dos mais ouvidos nos canais oficiais do Carnaval carioca e crescendo nas paradas dos streamings musicais.
No Spotify, por exemplo, foi número um no Rio de Janeiro na última semana do ano e agora está na lista das músicas mais virais do Brasil.
A grandeza do caju para o cearense vai além do viral pré-carnavalesco. Aqui, a cajucultura é sinônimo de cultura e também de negócios.
No ano passado, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o valor de produção foi de R$ 389 milhões, praticamente dois terços do montante nacional (R$ 588,9 milhões).
Das 147 toneladas de castanha de caju produzidas no Brasil, 96,3 toneladas foram oriundas do Ceará.
Esse caju é o que abastece o mercado local, nas feiras como o Mercado Central, em Fortaleza, que é ponto de parada obrigatória para turistas que visitam a Cidade.
Conforme a administração do Mercado Central, atualmente 30% dos quase 600 permissionários que atuam no equipamento trabalham comercializando produtos derivados do caju. A variedade se estende desde as tradicionais castanhas de caju, até doces, cachaças e a famosa cajuína.
O produto também rompe fronteiras estaduais, por meio das vendas digitais por encomenda, feita pelos próprios vendedores do Mercado Central - que também possui venda digital por meio de seu site.
As fronteiras internacionais também já foram rompidas. O Ceará já foi o maior exportador de castanha de caju do mundo. Atualmente, a colocação cearense no mercado internacional é tímida. Em 2023, o montante exportado foi de US$ 61,97 milhões, num processo contínuo de queda desde 2021.
Hoje, a exportação de castanha de caju decresceu mais de 30% em relação ao período pré-pandemia. O nosso principal parceiro comprador das amêndoas do caju são os Estados Unidos, no entanto, o montante exportado de US$ 22 milhões já foi representativo ao ponto de ocupar 20% do mercado estadunidense. Hoje não chega a 10% disso.
Para o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado do Ceará (Faec), Amilcar Silveira, em meio ao acirramento da concorrência no mercado internacional, a falta de apoio ao produtor tem sido desafiadora.
O nível de produtividade está estagnado, os custos em alta e falta assistência técnica para capacitar esses produtores, que em sua ampla maioria são pequenos, destaca Amilcar. Na sua avaliação, a cajucultura deveria ser alvo de uma grande política pública de incentivo, já que é uma cultura nobre na fruticultura e de amêndoas.
Dentre as possibilidades, o presidente da Faec destaca as pesquisas feitas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), como o cajueiro anão-precoce, que apesar de menor do que o cajueiro gigante, é mais produtivo.
No entanto, apesar da distribuição anual de mudas de caju anão-precoce por parte do Governo do Ceará, maior parte da produção ainda ocorre no modelo antigo.
"O caju já foi o grande negócio do agro no Ceará no passado. Já chegamos a exportar US$ 200 milhões em castanhas de caju e já tivemos mais de 20 indústrias de beneficiamento, sendo que hoje só temos quatro ou cinco", ressalta Amilcar.
Para o futuro próximo, espera o sucesso de uma pesquisa que quer introduzir o caju como suco base na indústria de bebidas. Nas formulações atuais, o suco de maçã é o preferido, mas a Embrapa Agroindústria Tropical, com sede em Fortaleza, enxerga o potencial do suco de caju.
Vitor Hugo, engenheiro agrônomo e consultor no setor de cajucultura, afirma que o setor vive um momento de estagnação no seu poder exportador e já observa a entrada de castanhas estrangeiras em seu mercado.
Ele conta que há um movimento em que as indústrias de processamento recebem matéria prima de fora para atender o mercado nacional. Por isso, defende que existam mecanismos de proteção da agroindústria nacional.
"Infelizmente, a castanha de caju e os seus produtores não têm sido tratados como prioridade. Há um processo de certa invisibilidade perante os formuladores de políticas públicas", acrescenta.
Vitor conta que o atual preço da castanha de caju paga ao produtor está em baixa, sendo cotada entre R$ 4 e R$ 4,50. Sendo que o valor ideal para o atual momento seria algo próximo a R$ 6.
Isso tem feito com que muitos produtores segurem a produção obtida na última safra à espera de melhores preços.
O braço da Embrapa Agroindústria Tropical que pensa em inovações para a cajucultura tem uma série de novidades a serem lançadas ao mercado nos próximos meses. O que deve vir primeiro é a nova "atualização" do melhoramento genético do cajueiro anão-precoce.
Após a entrega da versão de 2022, mais adequada à região do Semiárido, mas com adaptabilidade a regiões de maior altitude com clima ameno no Nordeste, a nova variedade visa atender um novo território: o Litoral Oeste do Ceará.
Segundo a chefe adjunta de Transferência Tecnológica da Embrapa Agroindústria Tropical, Aline Teixeira, há uma evolução de mais de 40 anos nesta tecnologia, desde o lançamento do primeiro clone, o CP 76, de 1983.
Desde então foram lançados 13 clones. Ela conta que o processo de adaptação do mercado às novidades ainda é aquém do esperado, com a predominância do cajueiro gigante, mas que à época de seca entre 2012 e 2017 houve aceleração na transição.
Isso ocorreu a partir da maior resistência do cajueiro anão-precoce às condições adversas do clima, enquanto os cajueiros antigos morriam.
Questionada sobre o avanço de países africanos, como a Costa do Marfim, na liderança mundial das exportações, destaca que não há nenhuma diferenciação ou vantagem técnica em comparação à tecnologia disponível aqui.
No que se refere ao futuro, o desenvolvimento de inovações que permitam o uso integral do fruto é o objetivo. Nesse contexto se inclui o uso do caju como suco base para indústria de bebidas.
A expectativa é de que em até dois anos seja possível ofertar ao mercado essa solução, que permite utilizar 100% do fruto de maneira sustentável economicamente.
Aline explica que, atualmente, seguindo o modelo tradicional de produção, há um custo para produzir 100% de caju - em que 10% é castanha e 90% é pedúnculo - mas em que o mais rentável é lucrar em cima de 10%.
"No modelo tradicional, 90% viraria ração animal. Queremos migrar desse modelo com o aproveitamento integral, como na industrialização através do suco base, além da produção de polpa e refrigerante", pontua.
No uso como suco base, o caju seria industrializado de forma a ser desodorizado e também perderia seu sabor, podendo ser misturado com outros sucos. A perspectiva é de que esse movimento possa gerar maior rentabilidade ao produtor, que além da castanha poderia explorar o pedúnculo.
A Embrapa ainda pleiteia parcerias para que esse tipo de projeto avance. Exemplo disso são parcerias com empresas de alimentos interessadas no uso da fibra de caju para transformá-la em produtos veganos.
Dentre as experiências bem-sucedidas estão a produção de hambúrguer de caju e já há iniciativas afins de produzir empanados de caju, por exemplo.
O Caju Anão pode medir de 2 a 4 metros e ser superprodutivo e muito precoce, pode começar a produzir frutas logo no primeiro ano após o plantio. Lançado pela Embrapa em 2002, o BRS 226 é recomendado para plantio comercial de sequeiro no Semiárido.
Com 26 anos de Mercado Central na venda de produtos regionais, com destaque para a variedade relacionada ao caju, Antônio Brito, 74, é um dos mais experientes nesta seara. Ele conta que o período da pandemia foi desafiador, mas que representou um marco no negócio.
Brito destaca que atender turistas de outros estados e países era do trato diário no Mercado, mas desde o período de isolamento social passou a trabalhar com televendas e atendimento por Whatsapp. Isso permitiu com que seus produtos atravessassem fronteiras.
"O Whatsapp é um novo formato muito importante. Passamos o dia ligado nos pedidos e existem pedidos que enviamos para outros estados. Hoje a relação das vendas é 50-50, tenho clientes que já conhecem o produto e só enviam mensagem", conta.
Quando Francisco Kleybs começou no negócio de venda de castanha de caju existia um rei neste negócio: o empresário Jaime Aquino (1924-2015). O fundador da Cione e considerado um verdadeiro ícone no negócio da cajucultura foi o primeiro fornecedor de Kleybs.
Atualmente com 43 anos de mercado, conta que no que se refere à castanha de caju existem diferenciações importantes a serem mencionadas. Castanha de caju "não é tudo igual".
"Existem 23 tipos, a maioria para exportação. Para o nosso comércio, o que interessa são três tipos: Inteira, quebrada e em pedaços."
Dando uma série de detalhes e segredos a partir dos conhecimentos acumulados, destaca que castanha de caju boa é aquela sem sal. Assim como é saboroso comer castanha mergulhada no mel de caju.
Dos 61 anos de idade de Eudes Viana, 37 deles são dedicados ao trabalho no varejo vendendo derivados do caju. Ele destaca que a variedade é tão grande que é possível ter toda uma alimentação à base de caju.
Entrada, prato principal e sobremesa. Da mais conhecida castanha de caju, passando pela cajuína, hambúrguer e sopa de caju, até chegar aos doces e rapadura.
"Existem alguns restaurantes aqui em Fortaleza que aproveitam todo o caju, que é um alimento de múltiplos usos", destaca.
Questionado sobre a aceitação da cajuína entre os visitantes do Mercado Central. "O carro-chefe é a castanha de caju, mas as pessoas também procuram muito cajuína".
A marca São Geraldo completou 62 anos de mercado oferecendo aos amantes de caju uma opção diferenciada de refrigerante.
A empresa já alcança 11 estados brasileiros, extrapolando sua região de origem e conquistando novos mercados.
Segundo cálculo da empresa, um total de 66.657.739 de litros de São Geraldo já foram comercializados nos anos de atuação.
O Grupo São Geraldo tem sede na cidade de Juazeiro do Norte, no Cariri cearense. Seu principal produto, o refrigerante de caju, tem o ingrediente extraído da própria fruta.
Atualmente, quatro parceiros locais produzem e fornecem suco de caju para a industrialização do refrigerante.
A marca São Geraldo começou na década de 1950, numa pequena fábrica de bebidas alcóolicas que produzia vinhos à base de frutas, como jurubeba, jenipapo e caju.
O destino da marca começou a mudar quando José Amâncio de Souza se tornou proprietário dois anos depois.
Após anos de trabalho, na década de 1970 foi lançado o refrigerante de caju São Geraldo. Atualmente, o parque industrial tem mais de 30 mil metros quadrados e emprega em torno de 400 pessoas na operação, além de milhares indiretamente.