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De coadjuvantes a protagonistas mulheres avançam, mas desigualdades persistem
Reportagem

De coadjuvantes a protagonistas mulheres avançam, mas desigualdades persistem

| LUTA FEMININA | Participação delas na força de trabalho tem sido pujante, mas diferença salarial e participação em cargos de gestão são desafios
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GLÁUCIA Pinheiro gere franquias em Fortaleza (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS GLÁUCIA Pinheiro gere franquias em Fortaleza

 

 

As mulheres têm alcançado protagonismo em cada vez mais espaços nas últimas décadas, resultado que reflete uma luta de séculos no Brasil, especialmente após o movimento disruptivo da Semana de Arte Moderna em 1922. Transformações socioeconômicas permitiram que mulheres deixassem um papel de coadjuvante culturalmente imposto.

Isso porque, com a virada do século XIX para XX, novas formas de pensamento e leis foram ganhando força. Desde então, elas passaram a chefiar famílias, a criar negócios, a assumir cargos de poder e a controlar mais as rédeas de suas vidas. Embora alguns obstáculos persistam, a mobilização constante das brasileiras por avanços também.

A participação feminina na força de trabalho tem sido pujante, com cerca de 44,8 mil brasileiras ocupadas no quarto trimestre de 2024, 1.553 delas no Ceará; ante 43,3 mil e 1.516 mil em igual trimestre de 2023, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

No ano passado, o Estado registrou, ainda, um saldo de 56,2 mil novos empregos formais gerados, com ampliação da participação feminina, a qual saiu de 37,69% em 2023 para 46,28% em 2024, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged), divulgados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Todavia, as mulheres recebiam salários menores do que os homens. O rendimento médio mensal das pessoas ocupadas, com 14 anos ou mais, efetivamente recebido em todos os trabalhos das brasileiras era de R$ 3.004 e das cearenses, R$ 2.074. Os brasileiros ficaram com R$ 3.777 e os cearenses, com R$ 2.328, segundo a Pnad Contínua.

Lia Gomes é secretária das Mulheres do Ceará(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Lia Gomes é secretária das Mulheres do Ceará

A secretária das Mulheres do Ceará, Lia Gomes, reforçou que olhar para as questões financeiras tem sido um dos principais focos da pasta. Houve, ainda, a criação do Selo de Equidade de Gênero e Inclusão no Biênio 2025/2026, o qual incentiva e reconhece organizações que busquem diminuir as desigualdades de gênero no ambiente corporativo.

O próprio Brasil dispõe da Lei da Igualdade Salarial (Nº 14.611/2023) e do Relatório de Transparência Salarial como amparo. Mesmo assim, a diferença salarial e a participação em cargos de gestão são desafios. “É um cenário estrutural. Historicamente, as mulheres foram deixadas de lado, e somente nos últimos anos conseguimos avanços”, disse Lia.

Tanto Lia quanto a cofundadora e líder do núcleo de Fortaleza do Grupo Mulheres do Brasil, Annette de Castro, destacaram que o objetivo é, também, inserir as mulheres em profissões consideradas “masculinas”, fomentando o respeito e a participação delas em diferentes ambientes e quebrando os paradigmas culturais.

Annette ressaltou, no entanto, que as mulheres possuem uma jornada de trabalho diferente, pois, além das funções nas empresas, muitas vezes arcam com um intenso trabalho doméstico não remunerado e não reconhecido ao chegarem em suas casas. No Ceará, elas dedicam 24,4 horas semanais em tais afazeres e os homens, 12,6 horas, segundo o IBGE.

No intuito de alcançar a independência financeira, a empresária Gláucia Pinheiro abriu franquias de uma loja de colchões em 2004.(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS No intuito de alcançar a independência financeira, a empresária Gláucia Pinheiro abriu franquias de uma loja de colchões em 2004.

O ato de desdobrar-se em múltiplas tarefas foi algo que a empresária cearense Gláucia Pinheiro, 53, vivenciou de perto nos últimos 20 anos, gerindo um negócio ao mesmo tempo que educava dois filhos e olhava para a própria educação profissional. No intuito de alcançar a independência financeira, ela abriu franquias de uma loja de colchões em 2004.

Logo surgiu o interesse de se capacitar para tocar a empresa, o que a levou a cursar gestão comercial e fazer uma pós-graduação em marketing. Hoje os filhos já estão “encaminhados”, e ela finaliza uma segunda graduação na área de psicologia, deixando aflorar novos interesses pessoais. Mas, ao lembrar das tantas responsabilidades, detalhou que foi difícil conciliar a família e o trabalho, especialmente em um cargo de gestão.

Gláucia incentiva mulheres a se capacitarem, a não deixarem passar as oportunidades e a terem resiliência com os desafios.(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Gláucia incentiva mulheres a se capacitarem, a não deixarem passar as oportunidades e a terem resiliência com os desafios.

O machismo estrutural se manifestou ao longo do percurso, quando funcionários homens tentaram descredibilizar sua autoridade — o que, segundo Gláucia, ocorreu porque “alguns homens não gostam muito de receber ordens”. No começo da carreira, ela disse ter tido dificuldade, mas que isso não a impedia de desempenhar suas funções.

“Com o tempo — e acho que isso só se adquire com a idade e a experiência — não é qualquer virada de rosto, qualquer fala que vai me intimidar ou que vai me fazer voltar atrás”, afirmou. “E eu sempre incentivo as mulheres a se capacitarem, a não deixarem passar as oportunidades e a terem resiliência com os desafios, porque nos tornam mais fortes”.

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Linha do Tempo: Conquistas da Mulher no Brasil

1827

A Lei Geral, promulgada em 15/10/1827, autorizou o ingresso de meninas nos colégios, embora com currículos reduzidos e focados em tarefas domésticas.

1879

Mulheres conquistaram o direito de acessar o ensino superior no Brasil. Hoje, elas são maioria nas universidades.

1910

Foi criado o primeiro partido político feminino no Brasil, 20 anos após a proclamação da República.

1928

Alzira Soriano tornou-se a primeira mulher a ser eleita prefeita no Brasil, em Lajes (RN), graças a uma lei estadual que permitia o voto feminino.

1932

O voto feminino foi garantido pelo primeiro Código Eleitoral brasileiro, resultado da mobilização de movimentos feministas.

1962

A Lei nº 4.212/1962 deu às mulheres casadas o direito
de trabalhar sem autorização do marido, além de acesso
à herança e guarda dos filhos em caso de separação.

1985

Foi criada a primeira Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher (DEAM) em São Paulo, ampliando a proteção contra a violência doméstica e sexual.

2006

A Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, foi sancionada para combater a violência doméstica e familiar contra a mulher.

2015

A Lei nº 13.142 incluiu o feminicídio no Código Penal Brasileiro, reconhecendo o homicídio motivado por condição de gênero.

2023

A Lei nº 14.611/2023 determinou igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, com sanções mais duras aos empregadores que descumprirem as regras.

Fontes: Governo do Ceará, SESC, BBC e Cenpec

Nova plataforma oferece suporte e serviços às cearenses

O Governo do Ceará lançou, via Secretaria das Mulheres, a ferramenta digital Portal da Mulher (www.portal.mulheres.ce.gov.br), a fim de centralizar informações e serviços essenciais para o grupo feminino. A ideia é facilitar o acesso a diversos recursos por meio do amparo tecnológico. Estão disponíveis informações sobre políticas públicas, dicas de autocuidado e prevenção, bem como iniciativas de autonomia e dados de redes de acolhimento.

Há um questionário para auxiliar as mulheres a descobrirem se estão sendo vítimas de violência física, emocional, sexual, psicológica ou financeira. Uma inteligência artificial, denominada MarIA, também fornece orientações e responde dúvidas.

No Brasil, a Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180 atendeu 691,4 mil ligações em 2024, um aumento de 21,6% em comparação a 2023. Ao considerar todas as formas de atendimento, o número chegou a 750,6 mil ou uma média de 2 mil por dia.

Com coordenação do Ministério das Mulheres, o serviço público e gratuito orienta sobre os direitos femininos e sobre os serviços da Rede de Atendimento à Mulher em situação de violência no País. Os atendimentos via WhatsApp, lançados em abril de 2023, foram de 14.572 em 2024 - cerca de 1.214 por mês -, ante 6.689 no ano anterior ou 743 por mês, uma alta de 63,4%. Todos os atendimentos funcionam 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, vê o aumento no número de atendimentos como reflexo de maior confiança da população.

No objetivo de fortalecer a Central, a pasta governamental formalizou acordos de cooperação técnica (ACT) com 11 estados brasileiros, incluindo o Ceará. A ideia é melhorar o fluxo de encaminhamentos a serem prestados nos atendimentos.

Cerca de 132 mil denúncias foram feitas por meio da Central em 2024, um avanço de 15,2% em relação ao ano anterior. Do total, 83,6 mil foram feitas pela própria vítima, 48,3 mil por terceiros e 156 pelo agressor. Os registros com declaração de raça ou cor mostraram que as mulheres pretas ou pardas representavam a maior parte das denúncias, com 52,8% ou 69,7 mil casos; as mulheres brancas, 48,7 mil denúncias; amarelas, 779 e indígenas, 620. As mulheres de 40 a 44 anos estavam entre as mais atingidas pelas denúncias, com 18,5 mil no ano passado. Em seguida, encontravam-se as de 35 a 39 anos (17,5 mil denúncias) e as de 30 a 34 anos (17,3 mil denúncias).

Sebrae incentiva e fortalece cultura empreendedora entre mulheres

O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no Ceará (Sebrae Ceará) tem desenvolvido ações para estimular o empreendedorismo feminino. Com o programa Sebrae Delas, a instituição tem trabalhado para qualificar as empreendedoras.

Segundo a gerente da unidade de cultura empreendedora do Sebrae Ceará, Mônica Arruda, há um aumento na busca por qualificação, a fim de transformar negócios "iniciados por necessidade" em verdadeiras oportunidades de crescimento econômico. O Sebrae contabilizou 396,8 mil mulheres donas de negócio no Ceará. O último levantamento sobre o tema, referente ao quarto trimestre de 2023, mostrou que o número representa 35,17% do total de negócios no Estado, 64,83% deles com homens.

No Ceará, a fatia feminina nos negócios reflete a média nacional, em torno de 30%, embora as mulheres representem cerca de 51% da população. "Muitas vezes, a mulher lidera o negócio, mas a empresa não está registrada em nome dela, o que interfere nas estatísticas".

Iniciativas como programas de incentivo têm estimulado a presença feminina em setores antes dominados por homens. "Elas apresentam características reconhecidas na liderança, como capacidade de planejamento e habilidade para lidar com diversas tarefas ao mesmo tempo", disse. As perspectivas para o empreendedorismo feminino, segundo Mônica, dependem de ações conjuntas entre governo, empresas e instituições de apoio. "O ideal é que, no futuro, não seja mais necessário haver diferenciação, e qualquer negócio possa crescer independentemente de quem o comanda".

Empreendedoras ampliam acesso ao crédito no Ceará

As mulheres contrataram R$ 3,4 bilhões em crédito no Banco do Nordeste nos últimos cinco anos no Ceará, sem considerar o programa de microcrédito CrediAmigo. De 2019 a 2024, o avanço foi de 624%, saindo de R$ 194,4 milhões em 42,4 mil operações para R$ 1,4 bilhão em 232,4 mil operações. O crédito feminino, a nível nacional, saiu de R$ 1,6 bilhão em 2019 para R$ 8,8 bilhões em 2024, ao considerar todas as áreas de atuação do BNB, exceto o CrediAmigo. Foram 288,2 mil operações no ano que antecedeu a pandemia e 977 mil no ano passado.

Ao considerar somente o CrediAmigo, o BNB registrou R$ 2,2 bilhões desembolsados para mulheres no Estado em 2024, em 867,1 mil operações. Este montante estadual permaneceu estável nos últimos cinco anos, com R$ 2,2 bilhões em 2019, em 1,1 milhão de operações. Em todas as áreas atendidas pelo banco no País, todavia, os desembolsos do CrediAmigo para mulheres foram de R$ 6,8 bilhões em 2019, com 3 milhões de operações, para R$ 8 bilhões em 2024, com 2,6 milhões de operações.

Já o programa estadual de crédito para pequenos negócios Ceará Credi também alcançou R$ 107,5 milhões em contratos firmados nos últimos anos no Estado. Cerca de R$ 80,6 milhões foram contratados por 36.558 mulheres (75%) e 54% delas chefiavam famílias, conforme dados de janeiro de 2023 a 5 de março de 2025, da Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará (Adece).

Os números mostram o avanço das mulheres assumindo a liderança dos lares, na visão da superintendente do BNB no Ceará, Eliane Brasil. O empreendedorismo tem surgido, assim, como suporte em diversas áreas, incluindo a agricultura. Uma das principais linhas de crédito da entidade, o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), deve contar com uma linha específica para as mulheres em breve, prevista para 2025, segundo Eliane.

A diretora de economia popular e solidária da Adece, Silvana Parente, destacou que o próprio Ceará Credi realizou uma distinção voltada ao grupo feminino:

o Ceará Credi Mulher, em parceria com a Secretaria das Mulheres do Estado. O objetivo é fornecer um tratamento prioritário quando elas buscam o crédito, como a própria prioridade na fila de atendimento. As condições para a contratação são as mesmas, mas o tempo de espera busca ser menor, conforme Silvana. Os montantes financiados por elas são usados geralmente em negócios das áreas de alimentação, vestuário e beleza, além do artesanato. A demanda foi fortalecida, além disso, pela realização de reuniões semanais em diferentes municípios.

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