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Acesso à natureza: mais da metade das escolas de Fortaleza não tem área verde no lote
Reportagem

Acesso à natureza: mais da metade das escolas de Fortaleza não tem área verde no lote

Pesquisa mostra ainda que 40,6% das escolas de Fortaleza registram temperaturas até 1º C maiores do que a média da Cidade
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ESPAÇOS verdes garantem sombra e conforto (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal ESPAÇOS verdes garantem sombra e conforto

Brincar de subir em árvore, sujar as mãos na areia, sentir a textura de folhas e galhos são atividades que deixaram de fazer parte do dia a dia de diversas crianças moradoras de grandes cidades.

Espaço propício para desenvolver essas brincadeiras, a maioria das escolas também não supre essa necessidade. Em Fortaleza, mais da metade das escolas, 54%, não tem nenhuma área verde dentro do lote.

Os dados da pesquisa “O acesso ao verde e a resiliência climática nas escolas das capitais brasileiras”, realizada pelo MapBiomas e Instituto Alana, mostra que a Capital é a terceira com menos cobertura vegetal nas unidades educacionais. Fortaleza fica atrás apenas de Salvador (87%), na Bahia, e São Luís (55%), no Maranhão.

A proximidade de áreas verdes nos arredores da escola também é a realidade de uma minoria das instituições da Cidade. Das 773 unidades analisadas na pesquisa em Fortaleza, apenas 2,9% têm parques e praças em uma área de até mil metros do entorno e 2,6% têm esses espaços em até 500 metros de distância das unidades.

Tanto alunos de escolas privadas quanto de públicas são afetados pela falta de cobertura vegetal. Segundo os dados do estudo, 66% das instituições de ensino privadas de Fortaleza (303) não tem áreas verdes e 65% das públicas (209) também não.

Ambientes naturalizados, presença de árvores e arbustos influenciam no conforto térmico de escolas(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Ambientes naturalizados, presença de árvores e arbustos influenciam no conforto térmico de escolas

A pesquisa levou em conta os dados oficiais divulgados pelo Censo Escolar de 2023, que traz informações autodeclaradas de cada escola sobre presença ou ausência de áreas verdes na unidade.

Para complementar, o estudo fez o levantamento das áreas verdes existentes dentro dos limites das escolas de educação infantil e ensino fundamental para todas as capitais, totalizando o mapeamento de 20.635 unidades no Brasil por meio de imagens de satélite. A quantidade de áreas ocupadas por praças e parques foi obtida por meio de dados do Open Street Map.

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Isabel Barros, especialista em crianças e natureza do Instituto Alana, explica que a pesquisa buscou entender como as escolas estavam equipadas para proporcionar o acesso aos espaços abertos e o contato com a natureza.

“Quando a gente começou esse trabalho, a gente fez uma outra pesquisa perguntando pras famílias onde as crianças iam ter essas oportunidades de subir na árvore, de brincar de terra com a água, com folhas, sementes, brincar de comidinha, essas coisas que são tão tradicionais da cultura da infância no Brasil. E as famílias foram muito unânimes em dizer: na escola”, explica.

Para ela, quando a escola não tem áreas verdes disponíveis, nem dentro do lote ou próximo, gera impedimento para que as crianças usufruam dos benefícios de brincar ao ar livre.

“Diversas pesquisas mostram os benefícios para a parte física, em termos de um brincar mais ativo, mais criativo, socialização, brincadeiras mais complexas”, afirma.

Isabel também chama atenção para o reforço de desigualdades sociais na falta de acesso ao verde. “Os impactos tanto das áreas menos vegetadas quanto das áreas mais afetadas pelo calor recaem sobre as escolas que estão em favelas e em áreas próximas de favelas e também escolas que tem a maioria de alunos negros.”

Centro de Educação Infantil Olinda Parente, no bairro Lagoa Redonda, tem pátio naturalizado e integra brincadeiras nas áreas verdes ao aprendizado(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Centro de Educação Infantil Olinda Parente, no bairro Lagoa Redonda, tem pátio naturalizado e integra brincadeiras nas áreas verdes ao aprendizado

Falta de áreas verdes influencia na temperatura das escolas

Os dados também mostram que as escolas com mais área verde têm mais conforto térmico. A natureza é a principal aliada para diminuir a ocorrência das ilhas de calor, que são espaços mais quentes do que as áreas vizinhas devido a ação humana, como impermeabilização do solo e supressão de vegetação.

Pelo menos 40,6% das escolas de Fortaleza registram temperaturas até 1º C maiores do que a média da cidade. Conforme a pesquisa, isso corresponde a 314 unidades.

Entre as escolas analisadas, a mais quente chega a ter 5,52°C a mais do que a média do perímetro urbano em que está inserida.

A maioria das escolas mais quentes (72%) não tem áreas verdes no lote. O relatório também mostra a distribuição geográfica desigual das unidades com maior desconforto térmico: 7 a cada 10 delas estão a até 500 metros de favelas.

Veja mapa com a distribuição das escolas em Fortaleza

O estudo alerta para os impactos duradouros do calor extremo na saúde e desenvolvimento de crianças, incluindo perdas na aprendizagem, baixa qualidade do sono, efeitos negativos na saúde mental e no comportamento.

Conforme um relatório produzido pelo Conselho Científico da Primeira Infância sobre Equidade e Meio Ambiente do Center on the Developing Child da Universidade Harvard, o calor é associado à lentidão da função cognitiva e à redução da capacidade de concentração.

“A gente sabe que o corpo humano tem uma forma de adaptação às temperaturas. Se está muito quente, o corpo começa a suar, aumenta a frequência cardíaca, e vai perdendo calor. As crianças conseguem regular isso, mas às vezes, dependendo da temperatura, é muito mais difícil ela realizar esse controle corporal”, explica a pediatra Lívia Cabral.

A médica afirma que quanto menores, mais difícil é o controle da temperatura corporal. Caso o corpo não consiga se regular, a criança pode sentir fraqueza, dor de cabeça, mal estar, agitação, confusão mental e até desmaios.

Aprender em uma sala de aula quente pode desmotivar, distrair e irritar não só alunos, como também professores. Além disso, o relatório afirma que o desconforto térmico nas escolas pode influenciar até mesmo na frequência escolar.

Como o calor é interpretado pelo cérebro como uma ameaça ao bem-estar do corpo, um complexo sistema de resposta é ativado, causando estresse. O estresse excessivo durante a gravidez e em crianças pequenas pode prejudicar o desenvolvimento de circuitos de regulação de um cérebro em desenvolvimento, segundo a pesquisa americana.

“As escolas que estão em bairros mais vegetados e também possuem vegetação dentro do lote se beneficiam de sombreamento. Isso significa que as crianças podem brincar [na área livre] na hora do recreio. [Para as que não tem] o calor é tão exaustivo, o sol é tão forte, que muitas estão preferindo reduzir o horário de recreio, ou mesmo instituir que seja feito em quadras ou dentro das salas de aula”, diz Isabel.

LEIA: Raros tons de verde: o que resta das áreas ambientais de Fortaleza

Para melhorar o conforto térmico, o prefeito Evandro Leitão prometeu colocar aparelhos de ar-condicionado em 100% das escolas até 2028. Atualmente, apenas 15% das unidades municipais contam com ar-condicionado, conforme a SME.

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 25-02-2025: CEI Olinda Maria Feitosa Parente, Pátio naturalizado para as crianças terem acesso à natureza dentro da escola  na Lagoa Redonda. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL, 25-02-2025: CEI Olinda Maria Feitosa Parente, Pátio naturalizado para as crianças terem acesso à natureza dentro da escola na Lagoa Redonda. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)

Pátios naturalizados como solução

O plantio de árvores e arbustos e a troca do concreto pela grama ou areia dentro das escolas é uma das principais orientações do estudo. “Tudo isso vai contribuir para que as escolas se tornem espaços de mais saúde e resiliência”, afirma Isabel.

Os pátios naturalizados podem ser uma solução para escolas com pouco espaço verde. “São espaços de parquinho mesmo. Em vez da gente colocar um monte de brinquedo de plástico ou de ferro bem pouco desafiantes e interessantes, a gente pensar como a própria natureza pode também oferecer espaços para brincar”, explica.

Em Fortaleza, 53 Centros de Educação Infantil (CEI) contam com pátios naturalizados. A política começou a ser implementada de forma piloto nas creches municipais em 2023 e foi ampliada em 2024. De acordo com a Secretaria Municipal da Educação (SME), é obrigatório que todos os novos CEIs sejam inaugurados com o espaço já construído

No bairro Lagoa Redonda, o CEI Olinda Parente recebeu a instalação do equipamento no segundo semestre de 2024. Apesar de já trabalhar pedagogicamente com a natureza no entorno da instituição, para a coordenadora Edneide Nogueira, o pátio naturalizado deu mais suporte aos professores e proporcionou mais momentos de brincadeira ao ar livre.

A escola já tinha uma política de “desemparedar” os estudantes, não os deixando confinados nas salas durante todo o dia, que foi fortalecida. “A gente sabe que a criatividade da criança vai se desenvolver melhor no brincar livre. E os professores passam por formações para também entenderem a importância desses momentos”, diz.

De forma intencional, os espaços são utilizados para brincar, fazer experimentos com areia, água, corantes naturais, escalar árvores e estruturas de madeira, correr, socializar e explorar.

“A gente já internalizou que esse material é um recurso riquíssimo pedagógico e que permite a criança ter essa criatividade, que é inerente dela, e ter contato com a natureza dessa forma mais genuína, sem nenhuma cobrança. Eles não precisam ter só material de plástico, só brinquedinhos industrializados”, explica a professora Elizangela Rodrigues.

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Dados da pesquisa também mostram que as escolas com mais área verde têm mais conforto térmico. A natureza é a principal aliada para diminuir a ocorrência das ilhas de calor, que são espaços mais quentes do que as áreas vizinhas devido a ação humana, como impermeabilização do solo e supressão de vegetação.

Pelo menos 40,6% das escolas de Fortaleza registram temperaturas de superfície pelo menos 1°C maiores do que a média da cidade. Conforme a pesquisa, isso corresponde a 314 unidades. Entre as unidades analisadas, a escola mais quente chega a ter 5,52°C a mais do que a média do perímetro urbano em que está inserida. 

Entre as escolas analisadas, a mais quente chega a ter 5,52°C a mais do que a média do perímetro urbano em que está inserida.

A maioria das escolas mais quentes (72%) não tem áreas verdes no lote. O relatório também mostra a distribuição geográfica desigual das unidades com maior desconforto térmico: 7 a cada 10 delas estão a até 500 metros de favelas.

O estudo alerta para os impactos duradouros do calor extremo na saúde e desenvolvimento de crianças, incluindo perdas na aprendizagem, baixa qualidade do sono, efeitos negativos na saúde mental e no comportamento.

Conforme um relatório produzido pelo Conselho Científico da Primeira Infância sobre Equidade e Meio Ambiente do Center on the Developing Child da Universidade Harvard, o calor é associado à lentidão da função cognitiva e à redução da capacidade de concentração.

“A gente sabe que o corpo humano tem uma forma de adaptação às temperaturas. Se está muito quente, o corpo começa a suar, aumenta a frequência cardíaca, e vai perdendo calor. As crianças conseguem regular isso, mas às vezes, dependendo da temperatura, é muito mais difícil ela realizar esse controle corporal”, explica a pediatra Lívia Cabral.

A médica afirma que quanto menores, mais difícil é o controle da temperatura corporal. Caso o corpo não consiga se regular, a criança pode sentir fraqueza, dor de cabeça, mal estar, agitação, confusão mental e até desmaios.

Aprender em uma sala de aula quente pode desmotivar, distrair e irritar não só alunos, como também professores. Além disso, o relatório afirma que o desconforto térmico nas escolas pode influenciar até mesmo na frequência escolar.

Como o calor é interpretado pelo cérebro como uma ameaça ao bem-estar do corpo, um complexo sistema de resposta é ativado, causando estresse. O estresse excessivo durante a gravidez e em crianças pequenas pode prejudicar o desenvolvimento de circuitos de regulação de um cérebro em desenvolvimento, segundo a pesquisa americana.

“As escolas que estão em bairros mais vegetados e também possuem vegetação dentro do lote se beneficiam de sombreamento. Isso significa que as crianças podem brincar [na área livre] na hora do recreio. [Para as que não tem] o calor é tão exaustivo, o sol é tão forte, que muitas estão preferindo reduzir o horário de recreio, ou mesmo instituir que seja feito em quadras ou dentro das salas de aula”, diz Isabel.

Para melhorar o conforto térmico, o prefeito Evandro Leitão prometeu colocar aparelhos de ar-condicionado em 100% das escolas até 2028. Atualmente, apenas 15% das unidades municipais contam com ar-condicionado, conforme a SME.

Pátios naturalizados como solução

O plantio de árvores e a troca do concreto pela grama ou areia nas escolas são as principais orientações do estudo. "Isso vai contribuir para que as escolas se tornem espaços de mais saúde e resiliência", afirma Isabel.

Os pátios naturalizados são uma solução para escolas com pouco verde. "São espaços de parquinho mesmo. Em vez da gente colocar brinquedos de plástico ou de ferro bem pouco desafiantes, pensar como a natureza pode oferecer espaços para brincar", explica.

Em Fortaleza, 53 Centros de Educação Infantil (CEI) contam com pátios naturalizados. A política foi implementada de forma piloto nas creches municipais em 2023 e ampliada em 2024.

No bairro Lagoa Redonda, o CEI Olinda Parente recebeu a instalação do equipamento no segundo semestre de 2024. Apesar de já trabalhar com a natureza do entorno, para a coordenadora Edneide Nogueira, o pátio deu mais suporte aos professores e proporcionou mais momentos ao ar livre.

A escola já tinha uma política de "desemparedar" os alunos, não os deixando confinados nas salas durante todo o dia, que foi fortalecida. "A gente sabe que a criatividade da criança vai se desenvolver melhor no brincar livre. E os professores passam por formações para também entenderem a importância desses momentos", diz.

Os espaços são utilizados para brincar, fazer experimentos com areia, água, corantes naturais, escalar árvores e estruturas de madeira, correr e socializar.

"A gente já internalizou que esse material é um recurso riquíssimo e permite a criança ter essa criatividade, que é inerente dela, e ter contato com a natureza de forma mais genuína, sem nenhuma cobrança", explica a professora Elizangela Rodrigues.

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