Fortaleza abriga mais de 560 logradouros públicos — entre praças, áreas verdes e polos de lazer —, segundo a Prefeitura. Esses espaços compõem a paisagem urbana da Cidade, mas também carregam histórias e a identidade coletiva dos moradores.
Apesar da importância desses espaços, muitos deles, em especial históricos pontos localizados no Centro, encontram-se em estado de degradação.
É nesse contexto que surge o Programa de Adoção de Praças e Áreas Verdes. Criado em 2013, formaliza parcerias com empresas e cidadãos para garantir a manutenção diária desses espaços. Pessoas físicas ou jurídicas podem adotá-los, com direito a divulgar sua marca e/ou realizar ações sociais no local.
A Prefeitura de Fortaleza explicou que, nos primeiros meses de 2025, começou a dialogar com empresários para firmar parcerias que reforcem a conservação e os cuidados com os espaços públicos da Cidade.
A meta é revitalizar o Programa de Adoção de Espaços Públicos, ampliando sua atuação para além de praças e áreas verdes, com a inclusão de outros tipos de locais. Essa proposta de expansão ainda está sendo negociada e estruturada.
“Por exemplo, o viaduto da Dom Luís foi adotado. A ideia é que outros empresários também possam adotar equipamentos públicos, como a Praça Portugal e outros locais com potencial. É claro que isso depende de recursos e de conversas de convencimento — ninguém é obrigado a adotar uma praça, então é uma construção”, comenta o coordenador especial de Apoio à Governança das Regionais, Osmar Baquit.
Até 2023, 490 logradouros haviam sido adotados em Fortaleza, conforme a plataforma Fortaleza em Mapas, sendo 19 no Centro. No entanto, conforme verificado pelo O POVO, os dados estão desatualizados, já que alguns locais listados não estão mais sob os cuidados.
A Coordenadoria Especial de Apoio à Governança das Regionais (Cegor) explica que dados mais recentes do programa ainda estão sendo organizados, pois as Regionais seguem em processo de mapeamento dos espaços públicos.
Somente a Regional 12, que abrange a área central de Fortaleza, concentra 33 praças, entre elas algumas das mais emblemáticas da Capital, como a Praça do Ferreira e a Praça dos Leões.
Segundo Adson Rodrigo, mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC), as praças centrais de Fortaleza são marcos fundamentais da história urbana da Cidade. "Elas guardam camadas de significados históricos, sociais e afetivos. Foram palco de manifestações políticas, festas religiosas, encontros populares e movimentos culturais", explica.
Para ele, as praças simbolizam a Cidade como espaço de convivência, pluralidade e cidadania. Mas o historiador ressalta que sua ocupação mudou com o tempo: o crescimento urbano desordenado, a migração do comércio e a falta de políticas públicas de manutenção e cultura esvaziaram esses locais.
“Sem ações consistentes de zeladoria, programação cultural e segurança, esses espaços se tornam menos atrativos. As praças deixaram de fazer parte do cotidiano de muitos fortalezenses e a sociedade muitas vezes naturaliza essa perda”, afirma.
A arquiteta Rochelle Almeida, mestre em História e Historiografia da arquitetura pela UFC, aponta outros fatores para a deterioração da região: “O Centro é movimentado durante o horário comercial. Essa dinâmica traz desafios como poluição, uso intenso em certos horários e abandono em outros. À noite, a região se torna mais vulnerável a vandalismo e aos efeitos do tempo”, comenta.
A especialista acredita no potencial do Programa de Adoção de Praças para revitalizar as áreas, mas faz ponderações.
“O programa de adoção atua como uma forma de envolver a comunidade — moradores, empresários — num esforço de manutenção. Mas temos que lembrar que a responsabilidade maior continua sendo do poder público, como é o caso das reformas. É como se a prefeitura fizesse a faxina, mas quem cuida da casa é a vizinhança”, explica.
Um ponto sensível na adoção de espaços públicos é o uso da publicidade. O programa permite que empresas adotantes exibam suas marcas, desde que sigam os critérios definidos no termo de parceria com o Município.
Para a arquiteta Rochelle Almeida, essa contrapartida é legítima, mas é essencial que haja fiscalização para evitar que a publicidade descaracterize o espaço ou o transforme, mesmo que indiretamente, em propriedade privada.
“A adoção de espaços têm potencial positivo, mas precisam ser conduzidas com atenção, para que o benefício seja mútuo e não apenas uma vitrine de marketing para determinada empresa. É essencial não esquecer que essa praça continua sendo de todos”, declara.
Qualquer pessoa ou empresa pode adotar um espaço público em Fortaleza, apresentando a documentação e uma proposta de melhorias na Secretaria Regional correspondente. A proposta deve seguir os critérios legais conforme checklist disponível no site da Prefeitura. Informações estão disponíveis nas centrais de acolhimento das Regionais, de segunda a sexta, das 8h às 16h30.
Regionais priorizam manutenção e zeladoria
Em nota, as Secretarias Regionais (SER) informam que estão levantando os espaços públicos sob sua responsabilidade para identificar e priorizar ações de manutenção, conservação e zeladoria. No Centro, já foram mapeados 43 logradouros. O diagnóstico inclui reparos estruturais e serviços contínuos, como capinação, poda e limpeza.
"Já foram acionados os procedimentos administrativos necessários para dar encaminhamento às melhorias, que serão executadas conforme cronograma e disponibilidade de recursos técnicos e operacionais. As prioridades são definidas com base nos levantamentos técnicos e nas demandas recebidas pela população", disse a pasta.
A população pode contribuir com a conservação da Cidade registrando solicitações pelo canal 156 ou presencialmente nas Centrais de Acolhimento das Secretarias Regionais.
Em relação à população em situação de rua, a Secretaria dos Direitos Humanos (SDHDS) declarou que a rede de apoio se concentra, em sua maioria, no Centro. Na região, há duas Pousadas Sociais, dois espaços de Higiene Cidadã, um Centro de Referência Especializado, um Centro de Convivência, um Refeitório Social, além da distribuição de refeições e atendimento médico com os Consultórios na Rua.
São realizadas, ainda, buscas ativas pelo Serviço de Abordagem Social nas praças e logradouros públicos para identificação e encaminhamento das necessidades de pessoas em situação de rua.
Praça do Ferreira
Um dos pontos mais tradicionais do Centro, a Praça do Ferreira enfrenta bancos pichados e descascados, canteiros tomados pelo mato, falhas na iluminação pública e o crescente número de pessoas em situação de rua.
"Esses bancos precisam ser trocados por modelos mais modernos. As madeiras estão podres. Além disso, o piso está cheio de buracos. Toda hora alguém cai, principalmente idosos", relata Mauro Botelho, comerciante que atua na praça há dois anos.
Assis Cavalcante, presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Fortaleza, explica que atualmente a Praça do Ferreira não é adotada por nenhuma pessoa física ou empresa.
"Ninguém quer ter seu nome associado a uma praça descuidada. Por exemplo, por mais que a pessoa queira adotar, não vai conseguir tirar os moradores de rua dali, porque isso é responsabilidade do poder público", comenta.
Ele explica que a CDL repassou à Prefeitura projetos para revitalização do espaço, incluindo nova iluminação, readequação do piso — mantendo a pedra portuguesa, mas com nova técnica de assentamento — e aumento da área útil da praça.
"O município ficou responsável de realizar a obra, mas a gestão terminou e a obra não foi feita. Aí veio a gestão atual e, em reunião na CDL, se comprometeu a fazer a reforma até junho", explica o representante dos lojistas.
Segundo ele, o projeto prevê que a Praça também será ampliada e se estenderá até o canteiro central da avenida Floriano Peixoto. A via continuará nos dois sentidos, mas com espaço reduzido, suficiente para dois carros. A nova área deve contar com dois banheiros, cuja manutenção ficará sob responsabilidade dos concessionários dos quiosques.
Praça Coração de Jesus
A Praça Coração de Jesus chama atenção pela imponência do templo religioso, mas o entorno revela abandono. Próximo ao terminal de ônibus, há acúmulo de lixo e barracos de pessoas em situação de rua. Do outro lado, na rua Jaime Benévolo, os canteiros estão tomados por mato, lixo e iluminação quebrada.
Revitalizada em 2022, a praça teve o terminal de ônibus reformado e concentrado na rua Solon Pinheiro. As antigas estruturas metálicas da Jaime Benévolo foram restauradas com a proposta de criar um corredor cultural, com espaços de convivência, gastronomia e arte.
Segundo a líder comunitária Maria Dalva Barbosa Monteiro, 64, o projeto não atingiu seu objetivo. Antes da reforma, linhas de ônibus paravam na rua Jaime Benévolo, o que gerava movimento para o comércio.
Dalva, então proprietária de uma banca de revistas no local, chegou a adotar a praça, cuidando dos canteiros. Com as mudanças de gestões municipais, Dalva deixou de cuidar do espaço. "Não tem como se sustentar, porque não tem movimento. E todo mês a gente paga o aluguel dos quiosques para a Prefeitura", relata.
Para tentar gerar alguma renda, ela se reinventou. "Eu e alguns colegas criamos uma Feira do Empreendedorismo aqui. Vendemos comidas, artesanato, produtos manuais. É modesto, mas foi a forma que encontramos de tentar atrair pessoas para cá."
Ela defende a volta da circulação de transportes no local. "Uma opção seria que Topics ou alguns micro-ônibus passassem por aqui, para trazer mais circulação."
Moradora do Centro, também critica a conservação do espaço. "Aqui é malcuidado. Falta iluminação e segurança. Tem até uma universidade perto, mas ninguém vem por medo."
Apesar disso, ainda deseja retomar os cuidados com a praça. "Do outro lado tem um poço, mas está parado por falta de motor. Queríamos que a Prefeitura colocasse. Se tiver água e plantas, a gente cuida. Até a mangueira para regar a gente compra em vaquinha."
Praça Clóvis Beviláqua
A praça Clóvis Beviláqua, também chamada de praça da Bandeira, é uma das mais degradadas do Centro. O local apresenta mato alto que avança sobre os canteiros e sobre o antigo campinho de futebol, cujos alambrados estão quebrados.
Em vários pontos, o lixo se acumula, e os parquinhos infantis inutilizados devido à falta de manutenção. Os monumentos estão pichados e descascados. O piso de pedras portuguesas também está se soltando, e a iluminação precária, somada à vegetação densa, contribui para a sensação de insegurança no local.
Comerciante há mais de duas décadas da área, Marcos Menezes lamenta o cenário. "As pessoas não andam mais aqui para aproveitar a praça. Tem iluminação, mas de noite as árvores tampam a luz. Até a câmera de segurança fica encoberta. É um risco até pros comércios. A gente já conhece o pessoal que mora na praça, eles respeitam, mas é perigoso do mesmo jeito."
Praça da Lagoinha
Recém reformada, a Praça da Lagoinha está, aparentemente, em boa situação. Contudo, já começa a apresentar lixo acumulado em alguns trechos, muito decorrente das consecutivas feiras que ocorrem no perímetro. Sem fiscalização ou manutenção, comerciantes temem que o local fique semelhante ao que era antes da reforma.
Praça dos Leões
O equipamento está em bom estado. A principal diferença em relação aos demais é que ela foi adotado pela empresa C. Rolim, o que contribui para uma conservação visivelmente superior. A principal ressalva fica por conta dos bancos e das placas, que apresentam desgaste e pichações.