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Como pequenas empreendedoras alavancam negócios com inteligência artificial
Reportagem

Como pequenas empreendedoras alavancam negócios com inteligência artificial

|Inovação| A tecnologia transformou o modo de consumir e, com isso, o modo de vender. A inteligência artificial se tornou aliada
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FORTALEZA-CE, BRASIL, 27-05-2025: Empreendedorismo e uso de IA. Na foto, a ceo da loja KM 77.  (Foto: Fernanda Barros/ O Povo) (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS FORTALEZA-CE, BRASIL, 27-05-2025: Empreendedorismo e uso de IA. Na foto, a ceo da loja KM 77. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

Ferramentas de inteligência artificial, antes restritas a grandes empresas, hoje ajudam microempreendedores a gerenciar melhor seu tempo, atrair clientes e profissionalizar suas operações. Essa passou a ser uma realidade de muitos empreendedores que buscam se manter atualizados em um mercado hiperconectado, como os lojistas do Centro Fashion, em Fortaleza.

O local, que registra uma circulação média de 400 mil pessoas por mês, tem 78% de suas lojas geridas por mulheres empreendedoras. O POVO conversou com três delas que já incorporaram a inteligência artificial em seu dia a dia.  

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Deysi Silva é responsável pela Dinoo Kids
Deysi Silva é responsável pela Dinoo Kids

Da venda de roupas infantis em missão de acolhimento e propósito familiar

Deisy Silva, fundadora da Dinoo Kids, ao lado do marido, Túlio Ramos, criou uma marca que não busca apenas vestir crianças, mas oferecer às famílias uma experiência. Antes de empreender, Deisy atuava como vendedora de pacotes turísticos. Passou a frequentar feiras populares, como o Buraco da Gia, observando o movimento dos consumidores e os desafios enfrentados pelos feirantes.

Foi ali que enxergaram uma lacuna: o segmento infantil, que era pouco explorado. Com produtos no chão e uma escrivaninha improvisada como balcão, deram os primeiros passos e realizaram as primeiras vendas.

Durante quatro anos no Buraco da Gia, a marca cresceu, mas enfrentou um momento de estagnação. O ambiente competitivo, focado em preço e pouca diferenciação, destoava do propósito que Deisy queria construir. Ela decidiu recomeçar e apostou em uma nova fase ao fazer uma mudança para o Centro Fashion.

A maternidade de Deisy, com o nascimento do filho Noah, fortaleceu ainda mais essa visão de criar um lugar onde mães pudessem amamentar com tranquilidade e crianças, inclusive com deficiência, fossem bem-vindas para brincar, explorar e se expressar.

Com o tempo, a marca passou a focar exclusivamente em roupas para meninos. Diante disso, Deysi conta que a proposta passou a ser oferecer peças confortáveis, resistentes e atemporais, pensadas para crianças que vivem a infância com intensidade.

A modernização do negócio também foi estratégica. Ativa nas redes sociais, a marca incorporou inteligência artificial e sistemas de CRM para otimizar o marketing, as vendas e a produção, sem abrir mão do atendimento humanizado que a diferencia.

Deisy passou então a reposicionar a Dinoo Kids como um "lugar que cria memórias felizes". Assim nasceu a "Turma do Dinoo", com personagens como Croc, Deco e Noah (em homenagem ao filho), brinquedos em formato de dinossauros pensados para transmitir valores como amizade, respeito e igualdade. A ideia é, futuramente, produzir vídeos com os personagens nas redes sociais, levando mensagens de amor, cuidado e proteção para as crianças. O próximo passo da marca já começou, após Deisy e Túlio formatam um modelo de franquia com a proposta de levar o conceito da Dinoo Kids para outros bairros de Fortaleza.

FORTALEZA-CE, BRASIL, 27-05-2025: Empreendedorismo e uso de IA. Na foto, a ceo da loja KM 77.  (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)
FORTALEZA-CE, BRASIL, 27-05-2025: Empreendedorismo e uso de IA. Na foto, a ceo da loja KM 77. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

A dor virou moda com propósito

Kalyne Moura traz em sua marca, a KM77, a preocupação em vestir "mulheres com corpos fortes de verdade". Sua infância foi atravessada por episódios de violência doméstica, revelando um tratamento desigual que recebia da mãe. Foi apenas na adolescência, após ser notada por um diretor escolar, que ela conseguiu romper o silêncio. 

Ainda muito jovem, teve sua primeira filha e mergulhou em um relacionamento abusivo. "Ele me maltratou muito", conta. Durante quase duas décadas, viveu "desestruturada", entre crises e tentativas de reconstrução.

Seu primeiro grande salto veio aos 17 anos, quando Kalyne encontrou no trabalho uma rota de fuga e de afirmação. Abordou um empresário na porta de uma loja no Centro de Fortaleza e perguntou como poderia trabalhar ali. O homem recomendou que ela fizesse um curso de vendas e que, se concluísse com a melhor nota da turma, teria a vaga garantia. E foi exatamente o que aconteceu.

Em pouco tempo, passou por áreas como contabilidade, administração e vendas. Em uma dessas experiências, identificou um desvio financeiro grave em uma empresa e, ao alertar o dono, foi promovida diretamente à gerência financeira. As próximas experiências de Kalyne foram em empresas de informática até chegar à uma fábrica de roupa feminina, quando pensou investir em um negócio próprio. Hoje, Atuando no atacado e no varejo, Kalyne diz priorizar contratar mulheres gordas e que oferece possibilidades de trocas às revendedoras que não conseguem vender.

A necessidade de mais maturidade digital

A pesquisa sobre a Maturidade Digital dos Pequenos Negócios, disponível na plataforma DataSebrae, revela dados importantes. Embora os avanços dos pequenos empreendedores sejam notáveis em diversas frentes, o levantamento mostra que ainda há um longo caminho a percorrer. Em uma escala de 0 a 80 pontos, a média nacional é de apenas 35 pontos, sendo que a maior parte das empresas se concentra entre 20 e 50 pontos. O Ceará aparece apenas com 33,2 pontos, ficando entre os estados com menor maturidade digital.

Essa lacuna é especialmente preocupante quando considerado o peso que os pequenos negócios têm na economia brasileira: eles representam 26,5% do PIB nacional e mais de 50% dos empregos formais no País. Para Ricardo Cappelli, presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), os dados mostram que é urgente acelerar a digitalização. "Fica claro que é preciso apoiar a transformação digital dessas empresas, a fim de assegurar a sua inserção nessa nova realidade econômica", afirma.

Realizado pela ABDI e pela Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o estudo revela, deste modo, que inúmeros desafios precisam ser enfrentados e superados a fim de manter os negócios competitivos e longevos.

Marco Bedê, coordenador da pesquisa Maturidade Digital pelo Sebrae aponta que "os pequenos negócios avançaram bastante", a partir do momento em que o acesso à internet de alta velocidade sobretudo após a pandemia de Covid-19.

FORTALEZA-CE, BRASIL, 27-05-2025: Empreendedorismo e uso de IA. Na foto, Andrea Lima, ceo da loja Mascherina.  (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)
FORTALEZA-CE, BRASIL, 27-05-2025: Empreendedorismo e uso de IA. Na foto, Andrea Lima, ceo da loja Mascherina. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

Dos desafios à autoestima e moda inclusiva

Andrea Lima transformou dores profundas em motivação para criar a Mascherina. Mais do que empreendedora, Andrea é mãe solo, ex-costureira de madrugada, aprendiz incansável e referência para outras mulheres que, como ela, encontram na moda um caminho de libertação. Criada por avós e tios, Andrea enfrentou desafios desde a infância. Aos 20 anos, foi abandonada pelo marido e tornou-se responsável sozinha por dois filhos pequenos: Vitória, hoje com 22 anos e estudante de Psicologia na UFC, e João Vitor, 21, aluno de Educação Física na Unifor.

Ela ingressou no mercado de trabalho formal como recepcionista no Grupo de Comunicação O POVO. O trabalho de 6 horas por dia lhe permitia cuidar das duas crianças pequenas, sendo que uma delas, Vitória, nasceu com uma deficiência física e necessitava de um tratamento doloroso através de cirurgias.

Foi então que Andrea descobriu seu talento para vendas e decidiu sair do O POVO. Ela assumiu uma empresa de mão de obras, que fechou, e depois se tornou vendedora de balcão em uma loja de shopping, que foi quando seu salário ficou significativamente menor. À época, também conheceu José Valci, com quem se casou.

Com o apoio do marido, passou a frequentar feiras e a bater de porta em porta vendendo roupas. Essa rotina intensa durou três anos. O marido, ao ver um anúncio de venda de um box no Centro Fashion, sugeriu que ela abrisse ali um ponto. No início, ela apostou todas as suas economias na venda de lingeries de alta qualidade. No entanto, os produtos não tiveram boa aceitação, pois o valor não condizia com o público.

Com a chegada da pandemia de Covid-19, o comércio fechou. A partir daí, veio a ideia audaciosa de fabricar as próprias peças. O retorno ao Centro Fashion foi triunfante. No primeiro dia, quase todo o estoque foi vendido. Hoje, comanda duas lojas físicas, conta com milhares de seguidoras nas redes sociais e emprega direta e indiretamente pelo menos dez pessoas.

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