Os Estados Unidos tem o Brasil no alvo e a munição é uma taxação de 50% para todos os produtos brasileiros que cheguem ao seu mercado. A barreira é a mais dura do mundo para os parceiros comerciais dos EUA. O impacto da medida ao Ceará, que, com mais de US$ 650 milhões em negócios, tem nos EUA seu principal destino em exportações, é equivalente a 1% do Produto Interno Bruto (PIB).
O cenário se confirmaria em caso de não haver compradores para os produtos que seriam exportados aos americanos. Sob esse risco, empresários avaliam que não existe outra solução além de negociar. O entendimento é de que não há tempo hábil para desviar exportações para outros países parceiros, muito menos abrir novos mercados. O consumo no mercado nacional seria solução, mas representaria um brusco impacto econômico.
Apesar da evolução de 46% da quantidade de parceiros comerciais com os quais o Ceará tem relações, saltando de 96 para 141 países entre 2000 e 2024, ao estar sob a mira dos EUA, empresários brasileiros têm visto em mesas de negociações ao redor do mundo uma espécie de compasso de espera. Ninguém fecha acordo com o Brasil até a situação com os americanos se resolver.
Então, caso Trump confirme a taxação, os produtos brasileiros ficariam represados e outros mercados teriam vantagem para adquirir a produção sob preços mais baixos.
Em 2024, os dados da balança comercial brasileira apontam que os EUA representaram 45% da pauta exportadora do Ceará, com destaque para o minério de ferro, que representou 37% do total vendido.
Esse montante muito se deve às exportações da ArcelorMittal Pecém, que tem capacidade de produção de 3 milhões de toneladas de aço, com aproximadamente 2/3 disso sendo exportado. E os EUA são destino para 80% do que é vendido ao Exterior.
Cinthya Assis, diretora comercial da Usibras, indústria com sede em Aquiraz que é uma das maiores processadoras de castanhas de caju do mundo, revela que cinco contêineres que sairiam com destino aos EUA retornaram para a sede, pois chegariam ao país em 5 de agosto.
Ela conta que o aumento da tarifa para 50% praticamente inviabiliza a operação, já que seu principal concorrente, o Vietnã, recebeu taxação de 20%. Diz ainda que os compradores não quiseram renegociar contratos após a sobretaxa de 10%, muito menos agora.
"Nosso segundo maior mercado é a América Latina. E o que está acontecendo é que não estão querendo comprar. Porque os outros países que estão com 20% — como o Vietnã — estão começando a baixar os preços, buscando novos mercados. Então, a América Latina está esperando, achando que os preços vão cair ainda mais", revela.
Josilmar Cordenonsi, economista, doutor em Administração e professor da Mackenzie, aponta que os EUA se utilizam das tarifas "como canivete suíço": serve para tudo. E, mais recentemente, as questões geopolíticas se tornaram protagonistas. Além de Brasil, Rússia foi outra nação que recebeu ameaças de sanções por conta da continuidade da guerra contra Ucrânia.
Para o professor, até a negociação proposta pelos brasileiros se torna difícil nesse contexto. "Causa uma certa complexidade na hora de negociar. Porque, numa negociação comercial normal, há uma certa lógica de troca de ofertas, "eu reduzo a tarifa nesse produto, você aumenta aqui ou diminui lá". É uma barganha. Mas como ponderar isso em relação ao julgamento de Bolsonaro?", pontua.
O impacto das medidas é grandioso também pelo fato de que o cenário era considerado improvável em qualquer planejamento para 2025, dado o caráter inusitado que o provocou, misturando elementos econômicos, políticos e jurídicos. Ainda assim, a secretária de Relações Internacionais do Ceará, Roseane Medeiros, avalia que, pelo histórico, o presidente Trump coloca uma alta régua esperando que os países venham negociar até se chegar a um entendimento.
"Esperamos que isso ocorra também com o Brasil. Para nós, não interessa, de maneira nenhuma, um embate direto. Logicamente, temos que manter nossa soberania, mas não temos como comprar essa briga - não temos armas suficientes para isso".
Roseane ainda destaca que a situação gera uma lição: "não se pode depender demais de um só país".
Edson Kawabata, sócio-diretor de novos negócios da Peers Consulting + Technology, consultoria especializada em negócios e tecnologia, aponta que a imposição de tarifas da forma como está posta é insustentável.
"Considerando o histórico de relacionamentos, acordos e transações envolvendo os dois países, mas o ponto de equilíbrio a curto prazo ainda é incerto, daí a prioridade e urgência na busca por definições mais ponderadas e acordos que estabilizem a ordem nas relações entre Brasil e EUA, com maior racionalidade técnica e respeito institucional".
Vicente Férrer, diretor do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE), a tendência é de que os países encontrem uma solução negociada, "porque é prejuízo para ambos" em caso de confirmação das taxas.
Ele destaca que, desde a pandemia, o volume exportado pelo Ceará caiu praticamente 50% e, sem os EUA, o impacto seria horrendo. "Calçados, fruticultura, pescados, pedras ornamentais, aço, são todas cadeias importantes que dependem dos EUA."
Comitê liderado por Alckmin reúne ministros, agro, indústrias e até empresas dos EUA
O governo brasileiro vem recebendo uma série de contribuições para negociar com o governo dos Estados Unidos, visando reverter a tarifa de 50%. Mas, a pedida é que, caso as negociações falhem na derrubada da taxa, a resposta ocorra sem retaliação inicial.
Liderado pelo vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, o chamado Comitê Interministerial de Negociação e Contramedidas Econômicas e Comerciais vem recebendo colaborações de diversos setores econômicos, como da indústria, agronegócio e até mesmo de representantes de empresas sediadas nos EUA que possuem operação no País.
Dentre os tais, nomes da Amazon, Coca-Cola, GM, Caterpillar e MedTech. Alckmin destaca que as empresas são contrárias à sobretaxa.
Por parte do Ceará, o governador Elmano de Freitas se reuniu com empresários locais e ligou para Alckmin com o objetivo de incluir seus pleitos no âmbito do comitê.
A sobretaxa já impacta a produção nacional que seria destinada aos Estados Unidos. Como a maior parte do transporte é realizada por via marítima, algumas cargas, como de alimentos, já foram suspensas.
Para os consumidores locais, o movimento de preços deve ser inverso, com alimentos que seriam exportados sendo ofertados no mercado nacional, em boa parte. O secretário executivo da Associação Cearense de Supermercados (Acesu), Antônio Sales, destaca que no "há possibilidade de redução de preços dos alimentos no curtíssimo prazo".
No entanto, a situação não deve ser duradoura, pois a tendência é que os produtores reestruturem a produção, com risco de retomada do nível de preços ou mesmo de aumento futuro, diz.
Nos Estados Unidos, o efeito deve ser o contrário. Bruno Corano, economista da Corano Capital, que possui base no país, destaca que o imaginário das empresas e da população estão mudando, com adiantamento de demandas para estoques e antecipação de compras por parte dos clientes.
Para ele, já há a percepção de que os impactados pelas tarifas são os residentes dos EUA e não os países taxados. "Americano não está acostumado a viver com inflação, já foi muito traumático na época da pandemia. O efeito das taxas é retardado, mas quando vierem as tarifas maiores e forem repassados os custos, afetará certamente os preços".
Trump bate na mesa contra parceiros, mas pressão local pode pesar
Estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), apontou que o impacto do tarifaço pode chegar a 0,16% do PIB brasileiro. Já para os EUA o impacto deve ser mais de duas vezes maior, com a imposição de taxas para todas as nações desde abril, a queda pode chegar a 0,37%.
Para o economista Alcântara Macedo, Trump tem ousado ao impor um endurecimento nas relações e comunicar a revisão do déficit comercial do país, de US$ 71 bilhões em 12 meses até maio.
"Os Estados Unidos caminham para um colapso de déficit comercial com o mundo", avalia Alcântara, apontando ainda ser difícil resolver a questão até o fim do mês, principalmente ao misturar com questões geopolíticas.
Para os EUA, a questão se torna ainda mais complexa, pois envolve a previsibilidade de mercados inteiros que já possuíam uma calibragem de tarifas baseadas numa relação completar, aponta o vice-presidente do Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), Haroldo da Silva.
Nessa relação, setores como o de aviação brasileiro importam componentes dos EUA e vendem o produto final sob tarifas reduzidas ou zeradas, por exemplo. Haroldo diz que, em caso de dependência, a imposição de taxas altas é danosa, por isso espera que haja reação dos próprios empresários.
"Quando essa inflação chegar ao bolso do consumidor americano, as próprias forças internas vão pressionar Trump".
Em meio às tensões promovidas pelos EUA aos parceiros comerciais, o governo do Canadá voltou a sinalizar interesse de aproximação com o Mercosul, que une as principais economias da América do Sul sob liderança do Brasil.
A afirmação foi feita pelo ministro do Comércio Exterior canadense, Maninder Sidhu, em meio à imposição de tarifa de 35% sobre os produtos do país com destino aos EUA. Atualmente, 68% das vendas canadenses ao Exterior vão ao país vizinho.
Outro que nessa semana se pronunciou sobre a urgência em buscar alternativas aos EUA foi o principal negociador da União Europeia, Maros Sefcovic, falando sobre um "novo senso de urgência", indicando que mercados impactados pelas tarifas, como a UE, Canadá e Japão, podem buscar formas de redesenhar seus contatos globais no comércio.
O perfil dos principais destinos das exportações cearenses
O Ceará fechou o 1º semestre do ano exportando para um total de 138 países, oito a mais do que o igual período de 2024. Ao fim de 2024, eram 141 países.
Responde pelo equivalente a 51,9% do comércio internacional cearense.
Tem ampliado sua posição como destino relevante de bens industriais e energéticos, com crescimento de 303% o volume de exportações geral.
País notabilizado como hub logístico europeu para produtos perecíveis e tropicais bem conectado com o Ceará, o que permitiu avanço de 43,5% nos negócios.
A exportação para o mercado italiano evoluiu 77,2% no 1º semestre, principalmente por conta de alta demanda nos segmentos de base mineral e moda.
Exportações para o mercado chinês evoluiu 36,6% neste ano, principalmente por conta de matérias-primas e produtos naturais.
A parceria comercial vem sendo expandida e diversificada, com alta de 89,1% no volume comercializado pelo Ceará neste 1º semestre.
Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços – MDIC. Dados: Comex Stat. Elaboração: CIN/FIEC