Sem avanço nas negociações entre Estados Unidos e Brasil, a taxação de 50% aplicada aos produtos brasileiros entra em vigor a partir de hoje. Apesar de avisar que colocará em execução um plano de contingência para mitigar os efeitos na economia nacional, o Governo Federal ainda não oficializou quais seriam essas medidas.
A expectativa dos setores é de que o pacote de socorro contemple tanto medidas de curto prazo como aquisição de alimentos perecíveis, ampliação de crédito e medidas de proteção aos empregos, mas que também que se possa avançar, no médio e longo prazo, na abertura e estruturação de novos mercados.
Um total de 694 produtos ficou de fora da Ordem Executiva assinada semana passada pelo presidente dos EUA, Donald Trump. Entre as exceções estão produtos como suco e polpa de laranja, combustíveis, minérios, fertilizantes e aeronaves civis. No entanto, café, frutas e carnes, itens importantes da pauta de exportação brasileira, seguem taxados.
Ainda assim, o impacto tarifário será significativo, sobretudo, nas regiões mais pobres do país, como o Norte e o Nordeste, conforme apontou estudo elaborado pelo pesquisador Flávio Ataliba, coordenador do Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste do FGV IBRE.
Isso se dá por se tratarem de produtos intensivos em mão de obra e baixo valor agregado. "Isso acontece especialmente em cadeias com menor capacidade de absorção interna e forte concentração em pequenos produtores e cooperativa", afirma no trabalho.
No artigo, o pesquisador ressalta a importância de se observar essas assimetrias que também influenciam na capacidade de resposta de cada ente. Por isso, defende que a política de socorro precisa ser ancorada em três eixos: cooperação federativa para o desenho de políticas de promoção comercial regionalizadas; reforço à inteligência comercial subnacional; e qualificação e diversificação das cadeias produtivas regionais, "com investimentos em infraestrutura, inovação e acesso a certificações internacionais".
No Nordeste, o Ceará é a que tem a situação mais preocupante em razão do maior grau de dependência do mercado americano e também porque os principais itens da pauta de exportação devem ter a alíquota elevada a partir de hoje.
Enquanto as medidas de socorro não saem, os pequenos produtores cearenses seguem apreensivos e já sofrem por antecipação os efeitos do tarifaço. É o caso, por exemplo, dos catadores e produtores de coco da pequena cidade de Paraipaba, no litoral leste cearense. Após o anúncio da ordem executiva pela Casa Branca na última semana, o componente foi responsável pela renegociação do valor do litro da água de coco com as indústrias, que caiu de R$ 1,80 para R$ 1,60.
Ontem, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), reiterou que todas as medidas cabíveis serão tomadas, inclusive recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC). Ele falou sobre o assunto na abertura da 5ª Reunião Plenária do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS), o "Conselhão", no Palácio Itamaraty.
Também enfatizou que não há justificativas para medidas unilaterais por parte dos EUA contra o Brasil e que as alegações sobre o Pix, a regulamentação das redes sociais e o desmatamento são descabidas. "O Brasil nunca saiu da mesa do diálogo. A única explicação que eu tenho é que interesses políticos, especialmente políticos eleitorais, não podem contaminar relações comerciais", disse.
O presidente destacou que o Brasil não pode depender de um único país e reiterou que está cansado de ser tratado como pertencente ao Terceiro Mundo. E repetiu que irá avançar em negociações comerciais com Emirados Árabes, México e Canadá durante sua presidência rotativa do Mercosul, que vai até o final deste ano.
Mais cedo, no início dos trabalhos do Conselhão, Lula já havia afirmado que o Brasil merece respeito e criticou a postura de Trump, de anunciar novas taxações contra o País. "O presidente norte-americano não tinha direito de anunciar taxações como anunciou ao Brasil", disse.
Sobre a investigação comercial aberta pelos Estados Unidos contra o Brasil, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou que o governo federal pretende enviar uma resposta sobre ainda neste mês.
"Sobre a investida da Seção 301 da Lei de Comércio norte-americana, que questiona o nosso Pix e outras práticas brasileiras absolutamente legítimas, gostaria de informar que o Itamaraty está coordenando a preparação da resposta a ser apresentada pelo governo brasileiro no próximo dia 18 de agosto." (Com agências)
A construção de laços e o que amedronta os EUA
Enquanto os Estados Unidos avançam elevando tarifas pelo mundo como condição de acesso ao seu mercado, o Brasil segue cada vez mais estreitando laços com a China e outros parceiros comerciais.
"Eu não vou abrir mão de achar que a gente precisa procurar construir uma moeda alternativa para que a gente possa negociar com os outros países. Eu não preciso ficar subordinado ao dólar", reafirmou o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), domingo, 3 de agosto, durante o 17º Encontro Nacional do PT, em Brasília.
Apesar de os EUA não citarem diretamente a substituição do dólar no comércio global como motivo para taxação do Brasil, analistas apontam que essa proposta em discussão nos Brics, cujos países fundadores são Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, está por trás da ação de Donald Trump de taxar os produtos brasileiros em 10% e, alguns deles ainda receberem uma alíquota extra de 40%.
Vale lembrar que, no mês passado, durante a Cúpula dos Brics, no Rio de Janeiro (RJ), Trump fez críticas ao bloco e prometeu retaliar países que substituam o dólar no comércio.
Apesar disso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, descartou que um possível incômodo com os Brics esteja por trás da decisão de Trump.
"Se isso fosse verdade, a Índia, a China e a África do Sul teriam sido taxados em 50%", citou Haddad, salientando que mencionava as nações fundadoras do grupo, mas que outros países recentemente entraram para o condomínio.
Haddad afirmou ainda que o Brasil continuará com sua política multilateral e de abertura de mercados.
O economista cearense, Ricardo Coimbra, explica que não seria criada uma nova moeda, mas sim um padrão de conversão, que funcionaria como se fosse uma média móvel de todas as moedas próprias dos países que formam o bloco. "É um mecanismo de conversão da média móvel das oscilações de câmbio entre essas moedas", disse o economista.
Em palestra promovida, nesta semana, em Fortaleza, na Academia Cearense de Economia, o economista Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento e Social (BNDES), alertou para o fato de o Brasil ter um grau de exposição à China muito elevado, superior ao dos EUA.
Ele destacou que o Brasil exporta bens de baixo valor agregado para a China, cuja colocação de produtos em outras nações é dez vezes mais flexível que a brasileira.
Rabello advertiu que essa dependência deixa o País vulnerável a eventuais problemas, como, por exemplo, a descoberta de contaminação em produtos nacionais, como ocorreu recentemente com a suspeita de gripe aviária, resultando em um desequilíbrio significativo. Na avaliação dele, o governo não parece considerar essa vulnerabilidade.
Paulo Rabello analisou a economia dos EUA como tendo um déficit fiscal monstruoso, acima de 6% do PIB, e um déficit externo (gêmeo), "reflexo do excesso de gastos internos".
E criticou a decisão de Trump de impor tarifas como estritamente política, sem justificativa econômica e violando uma lei de 1977 destinada a emergências nacionais. Ele observou que as decisões de Trump estão sub judice e podem ser revertidas. Segundo Paulo Rabello, a crise provocada pelo "tarifaço" tem solução e pode estar mais próxima do que se imagina.
Ele sugeriu uma reforma tributária implementada em 2027 para rodar completamente em 2028. Para melhorar a situação financeira do País, propôs discutir a maneira como os gastos sociais são aplicados, focando em investimentos fixos (portos, estradas) em detrimento de gastos com auxílios sociais que não têm efeito reprodutivo.
Quais medidas estão sendo pleiteadas no Ceará?
No Ceará, o plano de socorro estadual às empresas também não foi formalizado. Mas, dentre as medidas verbalizadas pelo governador Elmano de Freitas (PT), para aliviar os efeitos na economia local, está a compra dos produtos tipo exportação para programas sociais, tais como o Ceará Sem Fome, merenda escolar e para o Programa de Aquisição de Alimentos.
A ação, no entanto, aguarda criação de lei federal e estadual. A sugestão foi levada ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Relatos de empresários que estão participando da mesa de negociação também dão conta que o Governo Estadual também busca a liberação de R$ 1 bilhão em créditos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), referentes à Lei Kandir, que isenta as exportações de produtos primários e semielaborados do tributo.
Como a empresa que exporta é isenta do imposto e, quando compra mercadorias em que o ICMS está incluso, surge um saldo do tributo. A ideia é buscar esses repasses, que são negociados anualmente, mas não são liberados, muitas vezes, com as devidas correções financeiras.
Outros possíveis caminhos são o de recorrer ao Fundo de Desenvolvimento Industrial (FDI) do Ceará e ao adiantamento sobre Contrato de Câmbio (ACC). No caso do ACC, trata-se de uma modalidade de financiamento da fase de produção, ou pré-embarque, que permite que as empresas exportadoras obtenham recursos financeiros antecipadamente com base em um contrato de câmbio.
Outras saídas seriam o Drawback, que é o incentivo fiscal dado a companhias sobre a aquisição de insumos utilizados na produção de bens a serem exportados, e o Reintegra, benefício fiscal que tem a finalidade de retornar, de forma integral ou parcial, o resíduo tributário remanescente na cadeia de produção de produtos exportados. Isso possibilita que as empresas tenham de volta valores pagos em tributos como PIS e Cofins.
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Presidente do Consórcio Nordeste, o governador do Piauí, Rafael Fonteles (PT), afirmou ontem que tratou com o presidente Lula sobre o impacto do tarifaço dos EUA para as empresas exportadoras da região. A estratégia, apontou, envolverá oferta de crédito, incentivos e compras governamentais