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Em seis meses, Hospital Albert Sabin notificou 102 novos casos de câncer infantojuvenil
Reportagem

Em seis meses, Hospital Albert Sabin notificou 102 novos casos de câncer infantojuvenil

Especialistas reforçam que o diagnóstico precoce dos tumores em crianças e adolescentes pode elevar taxas de cura para até 80%
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MORADORES de Jijoca de Jericoacoara, Carlos Danyel, de 9 anos, e Eliane de Sousa Araújo, vêm à Fortaleza para realizar o tratamento (Foto: DANIEL GALBER/ESPECIAL PARA O POVO)
Foto: DANIEL GALBER/ESPECIAL PARA O POVO MORADORES de Jijoca de Jericoacoara, Carlos Danyel, de 9 anos, e Eliane de Sousa Araújo, vêm à Fortaleza para realizar o tratamento

Referência no tratamento de câncer infantojuvenil no Ceará, o Hospital Infantil Albert Sabin (Hias), da Secretaria da Saúde (Sesa) do Estado, notificou 102 novos casos de tumores em crianças e adolescentes, entre 0 e 19 anos, de janeiro a junho deste ano. Os dados são referentes ao número de atendimentos realizados na rede pública estadual de saúde.

Dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca) estimam que o Brasil deve registrar 7.930 novos casos de câncer em crianças e adolescentes, por ano, entre 2023 e 2025. A incidência de novos casos no triênio deve ser maior entre crianças e adolescentes do sexo masculino, com 4.230 novos diagnósticos. Na mesma faixa etária devem ser registrados 3.700 novos casos entre pessoas do sexo feminino.

Oncologista e hematologista pediátrico do Centro Pediátrico do Câncer / Hospital Infantil Albert Sabin (Hias), Arthur Moraes explica que ainda não há uma explicação definitiva para o câncer infantojuvenil acometer mais meninos.

“A gente sabe que é uma predisposição biológica. Alguns estudos mostram que os meninos têm um risco um pouco maior para alguns tipos de câncer, como leucemias e linfomas, em relação às meninas. Questões hormonais e diferenças genéticas podem influenciar essa maior incidência”, explica.

Apesar de ter conhecimento de outros casos de câncer na família, a dona de casa Marta Maria, de 45 anos, conta que o diagnóstico de  no filho, o estudante Miguel Arcanjo, de 13 anos, pegou todos de surpresa.

Ela conta que percebeu que algo estava errado quando o filho começou a se queixar de dores no joelho. "A gente descobriu porque ele pulou da arquibancada da escola e deslocou a patela. Até então, o diagnóstico era deslocamento da patela. Em seguida, começou a aumentar e doía muito. Foi quando o médico encaminhou a gente para o Albert Sabin e foi diagnosticado osteossarcoma", relembra.

Segundo o Ministério da Saúde (MS), o osteossarcoma acomete principalmente a região do joelho, na porção distal do fêmur e proximal da tíbia.

Os sintomas, que podem aparecer entre semanas e meses antes do diagnóstico, incluem: dor, inchaço, diminuição do movimento da articulação envolvida, fratura do osso (menos comum). Algumas vezes os sintomas iniciais são relacionados a algum tipo de trauma, retardando o diagnóstico, como foi o caso de Miguel. 

Após o resultado dos exames, a rotina da família mudou completamente. O uso de máscaras se tornou constante da vida dos que rodeiam Miguel. "A gente sempre deixa um álcool, uma máscara descartável. Ele não sai muito. Como está com as defesas baixas, eu não aceito, não recebo visita se alguém tiver doente ou com defesa baixa", detalha a dona de casa. 

Para Miguel, os principais impactos da doença foram na sua alimentação e no convívio social, já que precisou sair da escola para continuar o tratamento. O adolescente confessa ter saudades de comer pizza e carne de hambúrguer, alimentos que não estão inclusos na sua nova dieta.

Apesar dos desafios e do tempo prolongado do tratamento, mãe e filho celebram que a criança vem respondendo bem ao processo. Com o futuro à vista, Miguel já faz planos para ingressar em uma carreira. Amante de plantas e animais, ele garante que já escolheu a profissão dos sonhos: biólogo.  

"É difícil. No começo, você fica perdido, mas com a ajuda do Senhor e do hospital, você vai conseguir", encoraja Miguel. Às famílias que enfrentam situações semelhantes, Marta Maria também deixa uma mensagem: "Quando a gente descobre o diagnóstico, acho que realmente é um baque. A gente fica sem chão, se perguntando o porquê. Mas aqui a gente tem um acolhimento muito grande com todos os profissionais (...) Muita fé em Deus e muito pensamento positivo que vai dar tudo certo. A partir daquele momento, faça o que os médicos pedem", orienta.

 

Leucemias são 32% dos casos de câncer infantojuvenil

Dados do relatório epidemiológico do Hias, relativo ao 1º semestre de 2025, apontam que 32% dos diagnósticos de câncer infantojuvenil estão relacionados a leucemias. Seguidos de tumores das partes moles (10%), tumores gonadais (5%), tumores ósseos (5%) e tumores renais (4%). Outros tipos de câncer somam 14% das notificações.

O oncologista Arthur Moraes explica que a grande incidência desses tumores em crianças está relacionada à origem embrionária da doença. Por isso, costumam ser mais frequentes nos primeiros anos de vida.

"Apesar da gente saber que existem alguns casos de câncer que estão relacionados à hereditariedade, ou seja, passar para os seus descendentes, isso é um número bem reduzido. Isso está ligado a questões genéticas mesmo, uma vez que você pode passar um gene associado à formação ou desenvolvimento de determinado tipo de câncer", detalha.

Entretanto, o oncologista reforça que a maioria dos casos não está relacionado a esses genes, e sim a erros durante o desenvolvimento embrionário. "Então, no futuro, essa criança em que aconteceu algum erro no desenvolvimento embrionário, algum erro celular, pode levar ao desenvolvimento de uma neoplasia".

Por se tratarem de erros celulares, Moraes explica que a prevenção acaba não sendo uma alternativa viável para impedir o aparecimento da doença. Entretanto, ele reforça a importância do diagnóstico precoce e do acompanhamento médico após o fim do tratamento.

"A gente estima que para cada câncer em criança, diagnosticado de 0 a 19 anos, 150 casos são diagnosticados em adulto. Então, a gente pode considerar que ele é bem mais raro, mas é a principal causa de mortalidade em crianças (...) A gente precisa garantir a adesão ao tratamento e que o trabalho não termine aí. Esse paciente precisa ser acompanhado durante anos para ver os efeitos tardios da doença e, principalmente, do tratamento", ressalta.

E é para o acompanhamento pós-tratamento que Ana Rakelly, de 17 anos, e sua mãe, a dona de casa Jéssica Joventina da Silva, 35, visitam o Hias uma vez por mês. Moradores do município de Campos Sales, a cerca de 6h40min de viagem de Fortaleza, as duas contam que, durante o tratamento de Rakelly, precisaram ficar dois anos vivendo na Capital.

Rakelly foi diagnosticada com leucemia aos 10 anos. Sua mãe conta que o primeiro sintoma foi inchaço nas mãos e nos pés. Inicialmente, as duas foram encaminhadas para um hospital na cidade do Crato, a 538, 53km de Fortaleza. Lá, ambas receberam a informação de que a jovem estava com anemia, mas que ela não poderia ir para casa.

Conforme o Ministério da Saúde, os principais sintomas de leucemias decorrem do acúmulo de células defeituosas na medula óssea, prejudicando ou impedindo a produção das células sanguíneas normais. A diminuição dos glóbulos vermelhos ocasiona anemia, cujos sintomas incluem: fadiga, falta de ar, palpitação, dor de cabeça, entre outros.

Além disso, a redução dos glóbulos brancos provoca baixa da imunidade, deixando o organismo mais vulnerável a infecções, muitas vezes graves ou recorrentes. A diminuição das plaquetas ocasiona sangramentos, sendo os mais comuns das gengivas e pelo nariz e manchas roxas (equimoses) e pontos roxos (petéquias) na pele.

O paciente pode apresentar gânglios linfáticos inchados, mas sem dor, principalmente na região do pescoço e das axilas; febre ou suores noturnos; perda de peso sem motivo aparente; desconforto abdominal (provocado pelo inchaço do baço ou fígado); dores nos ossos e nas articulações. Afetando o Sistema Nervoso Central (SNC), os sintomas podem incluir dores de cabeça, náuseas, vômitos, visão dupla e desorientação.

Após a recomendação médica, Rakelly e Joventina foram encaminhadas para Fortaleza. A estadia de ambas na cidade foi garantida pelo acolhimento no Lar Amigos de Jesus.

"Hoje, o tratamento do câncer infantil no Ceará, na rede pública, é basicamente centralizado. Isso se deve principalmente a poucos serviços no Interior que tratam crianças e adolescentes com câncer. A gente tem um habilitado em Barbalha, mas com algumas limitações. E acabam pacientes de todo o Estado peregrinando para Fortaleza para fazer esse tratamento", explica oncologista Arthur Moraes.

Visando garantir apoio às famílias durante o tratamento onco-hematológico, o programa Amigo Peter Pan, da Associação Peter Pan, garante acesso a recursos fundamentais, como transporte, medicamentos, muletas, cadeiras de rodas e apoio a viagens para procedimentos essenciais, como transplante de medula óssea e outros tratamentos fora do estado.

Agradecendo a todo o apoio que tiveram durante e depois do tratamento, Rakelly e Joventina celebram os sete anos de cura da menina, especialmente o retorno às aulas.

Tratamento da doença é centralizado

O relatório epidemiológico do Hias aponta que, no primeiro semestre de 2025, os municípios cearenses com maior incidência de casos de câncer em crianças e adolescentes foram Fortaleza (35%), Quixadá (5%), Maracanaú (4%), Caucaia (3%) e Ubajara (3%). Outras 48 cidades registraram 50% das notificações, cada uma somando menos de 2% dos casos.

Superintendente de Atenção Integral da Associação Peter Pan, Sandra Salgado ressalta que o atendimento ambulatorial na unidade de saúde não precisa de agendamento e não possui fila de espera.

"A gente costuma dizer que o ambulatório é de portas abertas, diferente das outras especialidades, por exemplo, um neuro, uma dermatologista. Nós não temos fila, não precisa de agendamento (...) Tendo essa desconfiança, o médico basta fazer um encaminhamento e a criança vir para Fortaleza. Não precisa mandar exames, não precisa nada, porque tudo isso é feito aqui", ressalta.

Para superar os desafios da centralização do serviço, a superintendente destaca a ampliação de capacitações de profissionais de todo o Estado, fundamental para garantir o diagnóstico precoce da doença e aumentar as chances de cura da doença.

Iniciativas de promoção à saúde e bem-estar promovem adesão ao tratamento

Durante o tratamento, tanto o bem-estar emocional do paciente quanto da família são importantes. Psicólogo hospitalar da Associação Peter Pan, Patrick Camelo destaca que a perda de contato com pessoas e lugares antes frequentados pelos pacientes e seus familiares, que geravam socialização e apoio emocional, ocasionam reações consideradas esperadas.

"Acontece muito da criança ficar mais irritada, ficar mais deprimida; muitas vezes até por não entender o que está acontecendo, o motivo de está há tanto tempo no hospital (...) A psicologia vem muito também nesse sentido, para permitir que essa criança expresse como ela se sente, através da brincadeira, através do desenho, através das formas de expressão que ela conseguir, de acordo com a idade dela", reforça.

O psicólogo destaca também que o acolhimento dos sentimentos da criança e do adolescente refletem na adesão ao tratamento. "Já que se esse paciente consegue se expressar melhor e entender melhor o porquê dele estar aqui, ele consegue se engajar muito mais no tratamento, consegue participar de forma muito mais ativa e até, dependendo da idade, participar de forma mais presente mesmo desse tratamento, já que ele tá com essa parte bem cuidada. Ele consegue, de certa maneira, vivenciar isso melhor, quando ele consegue se expressar de forma mais adequada e ter esse espaço para isso acontecer", pontua.

Por envolver pacientes em idade pediátrica, o cuidado com a família é essencial, em especial com as mães, que acabam ainda capitaneando a maior parte dos cuidados familiares.

"São as principais cuidadoras, que estão aqui sempre presentes, então elas sofrem bastante quando descobrem esse diagnóstico. É meio que um rompimento de uma vida normal, que era uma vida planejada, da criança ter um próximo passo de ir para a escola, de ir para as festinhas com os amigos. Quando ela se depara com isso, de não ter mais essa rotina como era antes, a gente vem muito nesse sentido de tentar ressignificar esse momento, como um momento também que, apesar de ser muito desafiador, mas também é um momento de possibilidade de cura", explica.

Assim como para os pacientes, a validação dos sentimentos dos responsáveis pelos cuidados também impacta em como a família vai reagir ao tratamento.

"Não tem um jeito certo de reagir. O que existem são reações que são esperadas, que podem ser sentidas, e que devem ser validadas por toda a equipe, não só pela equipe da psicologia (...) No sentido de tentar ajudar até essa mãe, muitas vezes, a pedir ajuda, a se cuidar também, a entender os limites e a entender que, apesar de ela ser uma mãe, ela não é uma super-heroína, mas que ela pode pedir ajuda, que ela tem o direito de se sentir triste, que ela tem o direito de, às vezes, desabar e ter um espaço para ela ser acolhida", ressalta.

Principais sintomas de câncer infantojuvenil

Leucemias

> Cansaço

> Fraqueza

> Sangramento

> Febre

> Perda de peso

Tumores do

sistema nervoso

central (SNC)

> Irritação

> Moleza

> Dores de cabeça constantes

> Vômitos ao acordar ou durante o sono

> Convulsões

> Alterações de comportamento, do jeito de andar e de falar

Tumor de Wilms

> Crescimento da barriga e pela presença de uma massa palpada nessa região

> Sangue na urina

> Pressão alta

> Dor local

> Perda de peso

> Diarreia

> Palidez progressiva

Tumores ósseos

> A pele ao redor pode ficar avermelhada e conforme o desenvolvimento do tumor, nota> se também um inchaço no local

> Dificuldade de andar

> Limitação de movimentos

Linfomas

> Aumento de tamanho dos linfonodos

> Falta de ar ou tosse

> Febre

> Perda de peso

> Sudorese

> Fadiga

> Volume abdominal

Retinoblastoma

> Mudanças anormais no olho, como aumento de tamanho e "olho de gato" (mancha branca e brilhosa na bolinha do olho que aparece principalmente em fotografias)

> Dor de cabeça

> Vômitos

Neuroblastoma

> Dores abdominais

> Alteração do hábito intestinal

> Inchaço nas pernas

> Olhos estufados

> Olheiras

> Febre

Rabdomiosarcoma

(RMS)

> Massa indolor, com crescimento progressivo, sem história de trauma, aderidos na musculatura, medindo mais do que 2cm

> Proptose ocular (tumor orbitário)

> Obstrução nasal, podendo ocorrer secreção com sangue (localização nasofaringe/rinofaringe)

> Obstrução do conduto auditivo médio com eliminação de pólipos ou secreção com sangue (tumor do ouvido médio)

> Dificuldade para urinar e/ou sangue na urina (tumor de bexiga ou próstata)

> Aumento do volume da bolsa escrotal/testicular ou secreção vaginal com sangramento


Fonte:
Ministério da Saúde

Rapidez no diagnóstico causa surpresa na família

A rapidez do diagnóstico de leucemia em Carlos Danyel, de 9 anos, surpreendeu sua mãe, a dona de casa Eliane de Sousa Araújo, 41. Os sintomas começaram com uma crise de garganta persistente, que não passava mesmo após visitas aos hospitais. Ela conta que, em uma unidade particular, a criança precisou realizar
uma bioanálise.

Após o resultado, os dois, moradores de Jijoca de Jericoacoara, a 282,91 km de Fortaleza, foram encaminhados a um hospital em Sobral. Lá, Danyel realizou um mielograma.

"Lá, eles me deram resultado, foi muito rápido. A gente foi para lá no dia 4 de março do ano passado, quando foi no dia 8 a gente já teve o resultado. E no dia 8 a gente já foi encaminhado para cá. Foi muito rápido. Aí eles falaram que era leucemia", relembra.

E finaliza: "A gente passou três meses aqui no início sem ir em casa, mas agora, graças a Deus, está começando a voltar ao normal. Ele já está estudando. Voltou pro colégio. Eu só tenho a agradecer a Deus, porque a gente está vencendo essa luta".

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