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Millennials ficam no campo e lideram avanço das cooperativas do agro no Ceará
Reportagem

Millennials ficam no campo e lideram avanço das cooperativas do agro no Ceará

Sob novas lideranças mais inovadoras, modelo cooperativista ganha força no Estado, reduzindo custos da cadeia de produção para os pequenos produtores rurais
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Região da Ibiapaba é destaque com a produção de frutas, legumes e verduras no Ceará (Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Região da Ibiapaba é destaque com a produção de frutas, legumes e verduras no Ceará

Um novo perfil tem se formado no Ceará. As cooperativas cearenses passam por um rejuvenescimento, com o equivalente a 25 organizações tendo até cinco anos de fundação.

Essa concentração é a segunda maior encontrada no Estado. Fica atrás apenas das empresas entre 21 e 40 anos de atuação, com 47 das 129 cooperativas cearenses existentes atualmente. Em seguida vêm as de 6 a 10 anos de existência, contendo 23 companhias.

Os dados sobre o Estado fazem parte do Anuário do Cooperativismo Brasileiro 2025 e evidenciam, juntamente com levantamento do BureauCoop, que a geração Z e os millennials também têm crescido nas lideranças cooperativas. Conforme este segundo estudo, 3,2 milhões de cooperados estão na faixa etária de 18 a 30 anos, no País. 

Segundo João Nicédio Nogueira, presidente do Organização das Cooperativas do Brasil no Ceará (OCB-CE), o setor agropecuário associativista também enxerga esse movimento de jovens produtores rurais, refazendo o perfil médio dos líderes cooperativistas — mais experientes e de idade mais avançada.

Esse impulso das novas lideranças que decidem ficar no Interior, conforme o gestor, tem sido exitoso no objetivo de reduzir o custo na cadeia de produção e acessar mais facilmente inovações nos mercados.

A afirmação sobre o rejuvenescimento feita pelo presidente do Sistema OCB-CE casa com o movimento capturado entre as cooperativas do ramo financeiro.

Para o líder cooperativista, esse processo marca também o agro cearense, especialmente entre os pequenos e médios produtores. “Os jovens têm a cabeça mais aberta e são mais tranquilos em mudar o rumo se algo não funciona.”

Nicédio destaca que o número de cooperativas agro já chegou a 51 (mais dez em relação ao fim de 2024), com “potencial muito grande de aumento”. Ele entende que o segmento tem superado a pecha de descrédito entre os cooperados, de que “não dá certo”, revisando uma imagem desgastada no Ceará.

“Tem melhorado bastante (a imagem) das nossas cooperativas do agro, principalmente as novas, criadas há menos tempo por um grupo de jovens à frente”, pontua.

O modelo associativista é visto como alternativa na microrregião Ibiapaba. O perfil é formado por pequenos e médios proprietários de terras, filhos de famílias produtoras que têm se tornado novas lideranças — hoje millennials, em breve vem a geração Z — que interrompem o ciclo de êxodo rural. Buscaram formações técnicas e graduações e decidiram ficar no campo.

Um desses exemplos vem da Cooperativa Agropecuária dos Agricultores Familiares da Região Norte do Ceará (Coopenort), fundada em 2019 e com sede no município de Carnaubal (Serra da Ibiapaba, a 336 km de Fortaleza).

A instituição tem como diretor-presidente Daniel Souza, que acumula cargo de diretoria desde a fundação, quando tinha 30 anos. 

Ele conta que já rodou o Brasil participando de formações técnicas, cursos e trocas de experiências em gestão de negócios e destaca casos como o de Nayane Medeiros, de 22 anos, coordenadora da produção da cooperativa, que está concluindo graduação em Engenharia Agrônoma e já confirmou que permanecerá em Carnaubal.

Na foto o presidente da Coopenort, Daniel Souza(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Na foto o presidente da Coopenort, Daniel Souza

Sob a liderança de Daniel, a Coopenort disponibiliza aos 54 produtores rurais cooperados uma loja agropecuária, além de viabilizar a otimização da distribuição da produção e mirar a eficácia da logística de entrega, oferecendo assistência técnica própria.

Atualmente, a carteira de clientes ultrapassa 350 empresas, abrangendo dois estados, Ceará e Piauí. Entre eles está a rede de atacarejo Mix Mateus.

O salto veio no faturamento da cooperativa. Em 2020, após o primeiro ano de atuação, foi de R$ 560 mil, para ao fim de 2024 alcançar R$ 12,6 milhões.

Na foto, a técnica agrícola e coordenadora de Produção da Coopenort Nayane Medeiros(Foto: JÚLIO CAESAR)
Foto: JÚLIO CAESAR Na foto, a técnica agrícola e coordenadora de Produção da Coopenort Nayane Medeiros

O mix da Coopenort inclui frutas, legumes, verduras e polpas. Os cultivos são o tomate, o pimentão, a batata-doce, a abóbora, o repolho e o maracujá, além do carro-chefe, a cenoura.

“Temos foco voltado a empresas de alimentação coletiva, como as que confeccionam alimentos para hospitais e presídios. Agora adentramos no mercado varejista”, afirma.

A chegada dos produtos ao varejo ganhou força com o fechamento do acordo de fornecimento com o Grupo Mateus, com seis produtos do catálogo da Coopenort abastecendo oito lojas (sendo cinco em Fortaleza, além de Tianguá, Sobral e Itapipoca), com expectativa de expansão.

No processo de desenvolvimento, também estão estratégias de mercado para agregar valor ao produto, como embalagens e marca própria, o que, segundo Daniel, aprimora o preço de venda entre 50% e 100%.

Para atender a demanda constante dos varejistas, a Coopenort atua com produção planejada a partir da atuação de três profissionais de assistência técnica. A meta é ampliar para ter pelo menos cinco pessoas nesta função nos próximos meses.

“Esses dados de plantio são levados à sede para o planejamento comercial, garantindo que, no momento da colheita, a gente saiba a demanda do cliente e possa efetuar a venda”.

O ramo agropecuário é o que possui o maior número de cooperativas no Ceará. E mais, o Estado é o líder regional em quantidade de organizações do tipo.

No País, Minas Gerais é a unidade da federação onde o agronegócio é mais organizado no associativismo, com 189. Depois vem os estados de São Paulo (102), Rio Grande do Sul (88) e Goiás (86).

As cooperativas agropecuárias movimentaram R$ 438,2 bilhões no Brasil em 2024.

Segundo a Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), o valor é recorde e corresponde ao obtido em negócios por um montante de 1.172 organizações do tipo espalhadas pelo País.

Dados do Anuário do Cooperativismo Brasileiro 2025, apontaram ainda que o Ceará tinha 145.475 membros. O número de cooperativas em operação no Ceará subiu para 129 ao fim do ano passado, quando o Produto Interno Bruto (PIB) do cooperativismo cearense superou R$ 6,8 bilhões, 11,5% acima de 2023. Somente o setor agro gerou R$ 362,7 milhões.

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Outros ramos apresentam resultados melhores, com destaque para o de Saúde e Trabalho, com rendimento superior a R$ 4,9 bilhões, seguido de Trabalho, Produção de Bens e Serviços (R$ 982 milhões) e Crédito (R$ 316 milhões).

O Ceará ainda participa de forma tímida, com menos de 1% desse faturamento. Mas, observando o sucesso em âmbito nacional, um novo movimento se inicia no setor primário local.

Servem de exemplo ao Ceará os estados do Centro-Sul, onde o agro neste modelo de atuação reúne mais de 1 milhão de cooperados, o equivalente a quase 20% dos produtores rurais do País.

O setor é responsável por uma parcela significativa da produção nacional de grãos, como soja e milho, e de proteína animal.

Com números superlativos e cadeia produtiva madura, em que pequenos produtores têm acesso a preços, produtos e inovação a partir dessas organizações, estados como o Rio Grande do Sul e o Paraná têm casos de grande sucesso no cooperativismo agropecuário.

A economia gaúcha foi impactada positivamente em R$ 5,11 bilhões em 2023, correspondente a mais de 15% do PIB local.

O cooperativismo paranaense também merece destaque por ter 12 das 20 maiores cooperativas agrícolas brasileiras. Destas, 11 estão entre as maiores do mundo, segundo o Monitor Cooperativo Mundial.

Em 2023, esses produtores foram responsáveis por 65% do PIB agropecuário do estado.

*O jornalista viajou à Serra da Ibiapaba a convite da Sallto Empresarial

Mais notícias de Economia

PRODUÇÃO DE CARNAUBAL

Segundo dados do Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA) consolidados em plataforma da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Ceará (SDE/Secex Agro), em 2024, Carnaubal produziu 27,5 mil toneladas de produtos agrícolas, sendo 11,2 mil toneladas advindas da agricultura irrigada.

Destes, destaque para a produção de batata-doce, maracujá, tomate e cenoura. O indicador ainda revela que as colheitas de batata-doce e cenoura tiveram grandes variações positivas em relação ao ano anterior, de 45,5% e 16,25%, respectivamente.

MARCO

2025 foi escolhido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Ano Internacional das Cooperativas sob o lema "cooperativas constroem um mundo melhor"

GUARCIABA DO NORTE-CE, BRASIL, 25-10-2025: Silvio Carlos, secretpario executivo do agronegócio do Cerá.
GUARCIABA DO NORTE-CE, BRASIL, 25-10-2025: Silvio Carlos, secretpario executivo do agronegócio do Cerá. ".(Foto: Júlio Caesar/O Povo)

A combinação para elevar o agro do Ceará

O caminho para o desenvolvimento da agricultura em toda região Nordeste deve ser em torno do cooperativismo, o que impulsionará pequenos e médios produtores a futuros mais prósperos.

A avaliação é do secretário executivo do Agronegócio do Governo do Ceará, Silvio Carlos Ribeiro. Ele destaca que esse movimento de união dos pequenos ruralistas é importante e que precisa ser incentivado no Estado.

Para o executivo, outro fator determinante neste processo é a evolução dos pequenos a partir do acesso a novas tecnologias, preços diferenciados na compra de insumos e venda de produtos ao mercado, além de assistência técnica de qualidade, o que pode ser obtido a partir das cooperativas.

"Acredito que é um caminho que a agricultura do Nordeste vai seguir porque o Sudeste e o Sul já têm experiências de sucesso com o cooperativismo. A nossa Região enfrentou vários insucessos e isso ocasionou um pouco de descrédito", afirma.

O grande gargalo a ser superado pelos pequenos é o da comercialização, ressalta Silvio. "Se unir em cooperativa é uma saída, pois há maior capacidade de negociação, de alcançar um supermercado grande".

No Ceará, cadeias que envolvem muitos produtores de pequeno porte poderiam avançar em projetos de cooperação, como a do leite e do camarão, assim como o de hortaliças e frutas, legumes e verduras, aponta Silvio.

 

GUARCIABA DO NORTE-CE, BRASIL, 25-10-2025: Fábio Régis, de Albuquerque, fundador do Sítio Barreiras. .(Foto: Júlio Caesar/O Povo)
GUARCIABA DO NORTE-CE, BRASIL, 25-10-2025: Fábio Régis, de Albuquerque, fundador do Sítio Barreiras. .(Foto: Júlio Caesar/O Povo)

O desafio da eficiência produtiva da plantação até a gôndola

A dinâmica da produção de alimentos inicia no campo com a plantação e segue até as cidades, nos pontos de venda. Dentro desse processo, há uma corrida que envolve custos e que eficiência é a palavra de ordem.

Fábio Régis, sócio fundador do Sítio Barreiras e principal produtor de banana do Ceará, além de plantação de cacau, com atuação em Quixeré (186 km de Fortaleza) e Missão Velha (527 km da Capital), destaca o desafio da ineficiência na cadeia produtiva como fator que cria uma realidade paradoxal: o consumidor estar pagando mais caro do que gostaria e o produtor receber menos do que poderia.

O empresário aponta que essa é uma questão para grandes e pequenas empresas agropecuárias. Afirma ainda que, mesmo com a produção agrícola eficiente e em regime de redução de custos no campo, a qualidade do produto é perdida em etapas subsequentes, como a de transporte, falta de estrutura de climatização ou mau amadurecimento na loja, o que leva a desperdícios.

Por isso, entende que a verticalização da cadeia é solução inevitável e destaca o investimento feito em sua empresa, que atua desde o campo até o ponto de venda, com frota própria.

Fábio enfatiza que "organização é o único caminho" para que as empresas do agro cearense elevem de patamar e aponta o cooperativismo e associativismo como caminhos.

"Precisamos nos organizar para termos mais boas posições (nas prateleiras dos supermercados) porque hoje quem faz a gestão do ponto de venda somos nós. Então, seja como empresa (como fizemos), seja como cooperativa ou grupos de produtores, esse deve ser o caminho: se especializar na gestão da cadeia como um todo", apoia.

Em meio à programação do evento Coalizão Agro Ibiapaba, realizado entre os dias 23 e 24 de outubro no município de Guaraciaba do Norte (a 325,40 km de Fortaleza), reunindo lideranças do agro como Fábio, o cooperativismo também foi um dos pontos debatidos.

Ex-secretário de Agricultura do Ceará e presidente do Coalizão Agro, Carlos Matos, aponta o cooperativismo como "resposta crucial" para os empresários do setor primário cearense.

Para Carlos, a realização de eventos com informações e troca de experiências entre os atores que fazem parte do dia a dia da produção são importantes e o Coalizão Agro busca esse papel condutor.

"Coalizão vem de cooperação, com o governo também fazendo parte com programas intensivos de fomento a uma agropecuária nova, sendo oportunidade para os jovens. Hoje vemos empresários que saíram de grandes empresas e estão formando seus negócios", acrescenta.

 

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