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Presidente Kennedy: de bairro operário a promessa da ‘nova elite' urbana
Reportagem

Presidente Kennedy: de bairro operário a promessa da ‘nova elite' urbana

O bairro respira como ferida e renascimento: um território onde passado e presente disputam o mesmo chão
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capa - presidente kennedy (Foto: Reprodução/ arquivo pessoal de Fernando Antonio Lima Cruz)
Foto: Reprodução/ arquivo pessoal de Fernando Antonio Lima Cruz capa - presidente kennedy

As cidades pulsam como um organismo vivo em permanente metamorfose. No noroeste de Fortaleza, um bairro espelha esse movimento. Do antigo Monte Picuí ao atual Presidente Kennedy, a história é escrita pelas marcas da transformação.

Nas entranhas da movimentada avenida Sargento Hermínio Sampaio, entre os quase cinco quilômetros percorridos, as paisagens ao redor escancaram uma desigualdade urbana acentuada pelo processo de alteração demográfica da região.

Ao todo, 22.685 habitantes dividem 1,71 quilômetros quadrados de território, conforme dados do Instituto de Pesquisa e Planejamento de Fortaleza (Ipplan). Uma densidade populacional que revela, em cada esquina, as contradições do espaço em evolução.

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Caminho

Ingrid defende que compreender as desigualdades internas é fundamental para que ações de infraestrutura, habitação e serviços sejam mais eficazes e cheguem às áreas que
mais precisam

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL,16-09-2025: Visita ao Bairro Presidente Kennedy sobre as construções de prédios e condomínios novos em volta a natureza. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL,16-09-2025: Visita ao Bairro Presidente Kennedy sobre as construções de prédios e condomínios novos em volta a natureza. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)

Debater a cidade é sempre retornar ao Plano Diretor

Para a arquiteta Laura Rios, colunista do O POVO , é importante notar que a guinada na qualidade de vida no bairro veio, não devido aos empreendimentos privados, mas aos investimentos em requalificação. "Quando falamos em habitação, não se trata apenas do direito de ter uma casa. É também o direito de ter transporte público, saneamento, escola e hospital por perto. Morar em um local valorizado significa, inevitavelmente, cuidar também do entorno."

Por isso, quando um bairro recebe um parque para convivência e atividades físicas, quando as avenidas ganham sinalização e ciclofaixas, e quando escolas, hospitais e serviços de qualidade são inaugurados, a região tende a se desenvolver com rapidez.

No cenário observado no Presidente Kennedy, em que uma área recebe mais investimentos e se desenvolve mais rápido, é responsabilidade do Poder Público proteger a população de baixa renda. O desafio é garantir que esses moradores permaneçam e usufruam da qualificação que chega ao território.

Laura explica que a principal ferramenta para conter a especulação e evitar expulsões é a criação das Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis). Previstas nos planos diretores (como o de Fortaleza), elas devem refletir equilíbrio entre os interesses do mercado — que busca a máxima valorização — e do poder público — visando proteção social.

O urbanismo deve levar qualidade de vida a toda a cidade, garantindo parques, serviços e escolas sem expulsar a população original. No entanto, a lógica de atua apenas onde há valorização ou potencial de elitização, reforçando padrões de segregação que marcam o espaço urbano.

Espaço em transformação escancara desigualdades

Ao pensarmos em um bairro, é natural imaginarmos uma realidade homogênea. Tendemos a ver bairros ricos como espaços de riqueza e bairros pobres como espaços de pobreza. Na prática, um mesmo bairro pode abrigar diferentes realidades socioeconômicas. É o que demonstra Ingrid Gomes da Silva, doutoranda em Geografia pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), em seu estudo "As múltiplas faces da diferença: difusão das desigualdades socioespaciais no bairro Presidente Kennedy."

"É possível perceber que coexistem áreas com alta concentração de renda e infraestrutura moderna, ao lado de porções marcadas por vulnerabilidade social e carência de serviços básicos", comenta. Ela explica que as mudanças na região trouxeram avanços, mas também abriram espaço para novas desigualdades. O bairro se tornou um retrato vivo de como o crescimento das cidades, guiado pelo capital, reforça diferenças, cria barreiras e deixa muita gente de fora.

Para entender esse processo, Ingrid debruçou-se, ao longo de oito anos (entre 2010 e 2017), sobre dados de renda e desenvolvimento da região. Na pesquisa, ela mapeia os principais sinais dessas distorções: desde a renda mensal das famílias até a má distribuição da infraestrutura, passando pelas diferenças no zoneamento urbano e até pela quantidade de moradores por domicílio.

A doutoranda explica que a divisão oficial do Plano Diretor estabelece apenas duas grandes zonas — a ZOP 1 e a ZRU 1 —, mas essa classificação é muito ampla e não reflete, em totalidade, as diferenças internas do bairro. "Na prática, ela homogeneíza áreas que apresentam realidades socioeconômicas e urbanísticas bastante distintas. Essa limitação pode dificultar a formulação de políticas públicas, já que intervenções planejadas de modo uniforme acabam não respondendo às necessidades específicas de cada porção do território", completa.

Um espaço urbano em valorização imobiliária

Patriolino Dias de Sousa, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon-CE), diz que expulsões são uma preocupação legítima, mas o que vem sendo observado é "uma dinâmica mais de integração do que de expulsão". "Muitos moradores locais têm aproveitado a valorização para investir ou melhorar seu padrão habitacional. O setor da construção civil defende que o crescimento seja inclusivo, com projetos que atendam diferentes faixas de renda, de modo a preservar a diversidade social do bairro", comenta.

Ele avalia que o Presidente Kennedy está se tornando um novo polo de crescimento e verticalização na Cidade e os investimentos e o aumento expressivo no volume de empreendimentos lançados, especialmente voltados à habitação, tornam o bairro uma das regiões mais promissoras de Fortaleza.

A localização estratégica, a proximidade com áreas centrais e bem conectadas pela malha viária, são atrativos importantes, explica Patriolino. "Somam-se a isso os avanços na infraestrutura urbana, a valorização imobiliária crescente e a alta demanda por moradia de qualidade, sobretudo da classe média", complementa.

Fernando Amorim, diretor regional da incorporação da construtora Moura Dubeux, uma das principais investidoras na região, comenta que a escolha do bairro está diretamente ligada à capacidade de transformação.

Ele analisa que, com a chegada de novos empreendimentos e investimentos em infraestrutura, o bairro passou a ser considerado um dos principais vetores de desenvolvimento.

FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL,16-09-2025: Rita de Cassia fala sobre o Bairro Presidente Kennedy sobre as construções de prédios e condomínios novos em volta a natureza. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)
FORTALEZA, CEARÁ, BRASIL,16-09-2025: Rita de Cassia fala sobre o Bairro Presidente Kennedy sobre as construções de prédios e condomínios novos em volta a natureza. (Foto: Samuel Setubal/ O Povo)

O fim das fábricas e os anos de especulação

A Esplanada Confecções do Nordeste (Esplanord), do Grupo Deib Otoch, fechou as portas após uma cisão do grupo que atualmente atua em outras áreas, como imobiliária e financeira. Já a Tomaz Pompeu, como explica o morador Aguinaldo José, decretou falência e desocupou os empregados da vila. Residente do bairro Presidente Kennedy durante 35 anos, a coordenadora pedagógica Rita de Cássia Costa trabalha em um colégio particular da região. Ela relata que, por volta dos anos 2004, a fábrica do Grupo Vicunha fechou as portas, e nada funcionou no terreno durante quase 20 anos.

Após esse período o terreno foi vendido e hoje está sendo ocupado por diferentes empreendimentos. Os do Grupo Deib Otoch e Tomaz Pompeu ficaram desocupados até 2014, quando foram adquiridos pelo Grupo JCPM, dos shoppings RioMar.

Em uma visita ao bairro com a equipe do O POVO, Rita conta que poucas casas do antigo conjunto permaneceram. Com o tempo, o bairro foi sendo expandido. Investimentos, como a do Parque Liner Raquel de Queiroz, elevaram a qualidade de vida. Para Rita, a transformação do parque em um espaço de convivência trouxe vida para a população. Ela apenas teme que a população mais vulnerável acabe sendo "empurrada" para as margens.

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