Mesmo antes de terminar oficialmente, a COP30 chegou ao último dia em Belém nesta sexta-feira, 21, marcada pela incerteza. O acordo final ainda não foi publicado, e o rascunho revelado na madrugada do dia 21 desagradou a maioria dos participantes, que veem no documento sinais de retrocesso. O novo, está previsto para ser divulgado neste sábado, 22.
As delegações apontam falta de ambição e ausência de compromissos claros, sobretudo no tema mais sensível desta edição, a transição global dos combustíveis fósseis. Os principais exemplos são o carvão mineral, o petróleo, e seus derivados, como gasolina e diesel, e o gás natural.
Quatro pontos centrais continuam travando o consenso. O primeiro é a definição de como os países desenvolvidos devem financiar ações climáticas nos países em desenvolvimento. O segundo trata do estabelecimento de metas mais rígidas para conter o aquecimento global; o terceiro refere-se às restrições unilaterais ao comércio por critérios ambientais, como novas barreiras tarifárias. E o último cobra maior transparência nos relatórios de emissões de gases de efeito estufa.
O documento preliminar da Decisão do Mutirão reconhece a urgência de acelerar a transição para economias de baixo carbono e aponta a necessidade de ampliar o financiamento climático para países em desenvolvimento, especialmente os mais vulneráveis.
Incêndio atinge Pavilhão dos Países da COP30 no penúltimo dia de evento | LEIA MAIS
O texto também reforça a importância de melhorar os mecanismos de monitoramento e reporte, com mais transparência nos dados sobre emissões e adaptação. Embora avance na proposta de fortalecer a base científica das decisões, marca desta edição da COP, que pela primeira vez contou com um Pavilhão da Ciência, o texto ainda enfrenta impasses profundos.
Além da falta de definição sobre combustíveis fósseis, permanece aberta a discussão sobre quem deve financiar, e em que escala, a transição global, o que tem gerado frustração entre negociadores, cientistas e organizações da sociedade civil. A pressão aumenta diante de incêndios extremos, recordes de temperatura e eventos climáticos severos que se multiplicam no Brasil e no mundo.
Mais de 30 países pressionaram a presidência da COP30 ao declarar que não apoiarão um texto final que não inclua um roteiro claro para a transição global rumo ao abandono dos combustíveis fósseis. Entre eles estão delegações da Europa, América Latina, Ásia e ilhas do Pacífico, muitos deles entre os mais atuantes na defesa de uma transição energética mais acelerada.
Na tarde dessa sexta-feira, o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, fez um novo apelo para destravar as negociações. Ele voltou a destacar o impacto das catástrofes climáticas e seus efeitos econômicos e sociais, alertando que a falta de consenso favorece “aqueles que duvidam” dos resultados e da relevância do processo multilateral.
Ele ressaltou: “Se não reforçarmos o Acordo de Paris, todos vão perder. E nós vamos mostrar para aqueles que duvidam que a cooperação é o melhor caminho para o clima. Esses vão ficar absolutamente contentes se não conseguirmos alcançar um acordo. Então, nós devemos chegar a um acordo".
O professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Hugo Fernandes, que acompanhou de perto as negociações em Belém, pontua que “seria ilusório dizer que a gente sai dessa COP com a realidade alinhada com a expectativa prévia. Negociações travadas, propostas de texto final longe do que a gente precisa, isso sem contar alguns problemas estruturais”, observa.
Porém, ele pondera e afirma que seria leviano achar que não há avanços. “Há muitos. Indicadores de adaptação foram apresentados, vários acordos bilaterais realizados, financiamento de grandes projetos aportados. Costumo dizer que a COP nunca é um evento final, é somente uma foto de uma linha contínua de negociações”, disse.
Já a presidente da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil Secção Ceará, Beatriz Azevedo, que já esteve em outras COPs e eventos climáticos ao redor do mundo, avalia que a saída do mapa do caminho da transição para longe dos combustíveis fósseis do Mutirão, reduz a ambição dos acordos finais da COP.
“Pode haver uma expectativa remota de que possa voltar para o texto final na plenária. De toda forma, foi positivo que esse mapa tenha sido pautado dentro da COP, mantendo viva a decisão da COP28 de uma transição para longe dos fósseis”, explica.
Para ela, ainda assim o encontro fica marcado como uma COP da implementação pela quantidade de compromissos firmados. “Como a Declaração de Belém sobre Descarbonização Industrial, dentre outros, assim como os debates sobre a Agenda de Ação e o envolvimento de atores não estatais, como sociedade civil, bancos multilaterais, estados e municípios”, defende.
Sem zerar fósseis até 2040, mundo caminha para ecocídio, diz Carlos Nobre
Na tarde do último dia oficial da COP30, sexta-feira, 21, O POVO conversou com exclusividade com Carlos Nobre, climatologista, meteorologista e co-criador do Pavilhão de Ciência Planetária, primeiro nas histórias das Confederações.
O encontro aconteceu após o painel que ele apresentou na Casa da Ciência, localizada no Museu Paraense Emílio Goeldi, no bairro de Nazaré, na capital paraense. Lugar extremamente verde e arborizado no coração de Belém.
Ele comenta sobre a COP no Brasil, alerta sobre o colapso no clima se o uso dos combustíveis fósseis continuar, a experiência inédita dos cientistas nesse encontro mundial do clima e a possibilidade de estar em outras edições oficiais com a Ciência.
O POVO — Qual o balanço que o senhor faz da COP30? Quais foram os resultados mais transformadores e quais mostram que ainda estamos longe do ritmo necessário para enfrentar a emergência climática?
Carlos Nobre — Até hoje pela manhã, quando os países divulgaram o rascunho do documento final do Mutirão Global, eu vi um aspecto extremamente positivo e outro extremamente preocupante. O ponto positivo é que esta foi a primeira COP, entre as 30 já realizadas, em que todos os países concordaram em zerar o desmatamento, principalmente o das florestas tropicais, e em acelerar a regeneração dos biomas até 2030.
Isso é muito importante, porque o desmatamento representou, por décadas, até 12% das emissões globais de gases de efeito estufa. E restaurar florestas não só remove CO₂ da atmosfera, como protege a biodiversidade e reduz riscos de epidemias e pandemias.
O POVO - E o preocupante?
Carlos - Diz respeito ao tema dos combustíveis fósseis. No Pavilhão da Ciência Planetária, produzimos diversas declarações que entregamos aos negociadores, ao presidente da COP, à secretária executiva e às delegações, afirmando que, para impedir que a temperatura ultrapasse muito os 1,7°C, precisamos interromper rapidamente o uso de combustíveis fósseis. A ciência indica que o ideal seria parar totalmente o uso até 2040, e, no máximo, até 2045.
No primeiro rascunho publicado, essa declaração simplesmente não aparecia. Trinta países reagiram e disseram que o texto precisa incluir uma redução muito rápida e a eliminação completa dos combustíveis fósseis. Se conseguirmos zerar até 2040, mesmo ultrapassando 1,5°C nos próximos cinco a dez anos, a temperatura não passa de 1,7°C e começaria a cair novamente antes de 2070, podendo retornar a 1,5°C até o final do século.
O POVO — Quais países aparecem fortemente contra essa meta?
Carlos — Alguns dos maiores produtores mundiais de combustíveis fósseis. China, Índia, Rússia e Arábia Saudita, por exemplo, são grandes produtores de petróleo. Mas vale notar que a Noruega, também produtora de petróleo, não se posicionou contra e a União Europeia apoiou totalmente a linha de reduzir e zerar rapidamente o uso de combustíveis fósseis. Portanto, a resistência vem de um grupo menor, mas muito influente.
O POVO - Qual outra decisão considera importante?
Carlos - A de manter vivo o compromisso de 1,5°C. O Acordo de Paris estabeleceu 1,5°C. A COP26, em Glasgow, reafirmou. Agora, estamos tentando saber se “Belém 1.5” será possível como mandato da COP30. Isso só ocorrerá se o texto trouxer claramente a eliminação acelerada dos combustíveis fósseis. Se o mundo só zerar por volta de 2050, ultrapassaremos 2°C.
O POVO — Qual é a consequência de o mundo não assumir essa eliminação rápida dos combustíveis fósseis?
Carlos - A consequência é o que chamamos de ecocídio, um suicídio ecológico. Se chegarmos a 2°C por volta de 2050, vamos extinguir todos os recifes de corais, possivelmente antes do fim do século. Vamos ultrapassar o ponto de não retorno da Amazônia, podendo perder até 70% da floresta em 30 a 50 anos.
O derretimento das grandes massas de gelo da Groenlândia e da Antártica Ocidental vai acelerar drasticamente o aumento do nível do mar. Também derreteremos o solo congelado do Permafrost na Sibéria, no norte do Canadá e do Alasca, liberando mais de 200 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa, principalmente metano, que é entre 28 e 30 vezes mais potente do que o CO₂ no aquecimento global.
Com todos esses fatores combinados, poderemos chegar ao ano 2100 com 3 a 4°C de aquecimento global. É, literalmente, um ecocídio planetário.
O POVO — O primeiro Pavilhão de Ciência Planetária foi considerado um marco nesta COP. Em que medida essa iniciativa reposiciona o papel da ciência nas negociações climáticas e como pode influenciar as próximas conferências?
Carlos Nobre — Foi a primeira vez, em 30 COPs, que se criou um Pavilhão de Ciência Planetária. A boa notícia é que o embaixador André Corrêa do Lago e a secretária-executiva, Ana Toni, aceitaram plenamente nossa proposta de levar o pavilhão também para a COP31, na Turquia. E existe até a possibilidade de torná-lo permanente nas conferências futuras.
Não se trata de uma liderança exclusiva do Brasil, o pavilhão reúne cientistas do mundo inteiro, mas ele só nasceu porque o presidente da COP pediu e articulou politicamente para que acontecesse. Estou muito otimista de que o pavilhão continuará existindo e, com sorte, se consolidará como um espaço permanente da ciência nas COPs.
O POVO - Como o senhor e toda a comitiva da ciência deixa Belém? Saem mais preocupados, mas ainda com alguma esperança?
Carlos Nobre - Olha, claro que hoje, sendo o último dia, tudo depende do relatório final. Se o texto realmente trouxer aquilo que mais de 30 países já afirmaram que é indispensável, zerar os combustíveis fósseis, e, além disso, apresentar uma proposta concreta de financiamento, então esta pode se tornar a COP mais importante da história.
O presidente Lula disse isso claramente quando se encontrou com nós, com o Observatório do Clima, uma liderança quilombola, uma liderança indígena brasileira e outra da África do Sul. Ele afirmou que esta tem que ser a COP mais importante e reforçou a urgência de reduzir rapidamente o uso de combustíveis fósseis. Se isso entrar no texto final, será um marco. Mas agora é esperar para ver o que acontece.
O POVO - A participação dos povos indígenas teve avanços importantes nesta COP…
Carlos Nobre - Sem dúvida. Esta foi a COP com o maior número de indígenas e de povos tradicionais que eu já vi numa conferência climática. Houve também uma presença expressiva de comunidades quilombolas e outras populações locais, especialmente da Amazônia. E, graças ao nosso país democrático, eles puderam se manifestar.
O presidente Lula anunciou o maior número de demarcações já feitas em seu governo e, quando conversamos com ele, adiantou que em breve anunciará cerca de 30 novas demarcações de territórios quilombolas. Isso torna esta COP muito relevante nesse sentido.
Carlos Nobre é um climatologista, meteorologista e cientista do Sistema Terrestre brasileiro. Atualmente é o co-presidente do Painel Científico da Amazônia, professor de estudos avançados da Universidade de São Paulo (USP) e co-criador do Pavilhão de Ciência Planetária da COP30.
Formou-se em Engenharia Eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em 1974, e obteve o título de doutor em Meteorologia pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos EUA, em 1983. Iniciou sua carreira profissional em 1976 no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), em Manaus, Brasil, como assistente de pesquisa.
Foi pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) por mais de 30 anos, onde ajudou a estabelecer um moderno centro de pesquisa em previsão do tempo e do clima (CPTEC-INPE), do qual foi diretor de 1991 a 2003, entre outras atividades.
Visitantes em Belém na COP30
CDados parciais -
Belém
>9.936 estrangeiros estiveram no Pará
6.779 deles por via aérea e outros 3.157 por via fluvial
>O Aeroporto Internacional de Belém teve entre 1º e 15 de novembro 198.728 passageiros, crescimento médio de 24% em relação ao mesmo período de 2024.
Blue Zone
>42.153 mil participantes
>65.844 mil credenciados
>195 países presentes
Fonte: Dados entre 10 e 20/11/2025 até a interrupção das atividades pelo incêndio sem vítimas - Ministério do Turismo
Próximas COPs
>A Turquia sediará a COP31, no próximo ano, enquanto a Austrália liderará as negociações entre os governos, segundo um acordo de compromisso que está sendo elaborado em conversas em Belém
do Pará.
Fonte: Primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese
>Já a COP32 será realizada na Etiópia, em 2027, na capital Adis Abeba. O país está localizado no Chifre da África, na porção leste do continente.