Cultura proveniente dos guetos norte-americanos, nos idos dos anos 1970, o hip hop aterrissou em terras brasileiras logo na década seguinte, tendo como primeiro berço o Centro de São Paulo, mais precisamente a Rua 24 de Maio e o Largo São Bento. Arregimentando música (rap), dança (break) e artes visuais (grafite), além da figura do DJ, não foi à toa que essa diversidade de sons, estilos e, sobretudo, um discurso preciso e engajado tenha se transformado em um movimento bem articulado e, de lá, se estendido por todo o País e o mundo. Foi nesse contexto de criativa e crescente ebulição que o editor e roteirista de histórias em quadrinhos Raphael Fernandes, 35, foi devidamente apresentado aos pilares do hip hop.
"A primeira vez que ouvi rap foi em uma lotação clandestina, voltando pra casa da escola, lá em São Mateus, bairro periférico da Zona Leste de São Paulo. Era 1999, estava tocando Paranoia Delirante, do XIS. Fui descobrindo os elementos de forma muito orgânica, como quando meu pai deixou os caras da rua fazerem grafites no muro da nossa casa, que ele achava muito bacana. No entanto, a cultura do movimento hip hop só ficou clara pra mim na época da faculdade, quando fiz História (USP) e entendi melhor a realidade dos negros e menos abastados no Brasil e no mundo", explicita ele, fã confesso de artistas fundamentais do rap nacional, a exemplo de Sabotage (1973-2003) e dos grupos Racionais MCs, RZO e Facção Central.
Ex-editor da MAD, clássica revista especializada em humor, Raphael sempre teve no hip hop uma influência significativa em sua própria trajetória, incluindo a graphic novel Ditadura no Ar - Coração Selvagem (2016). "Quando comecei a produzir o quadrinho Apagão (2015), a principal gangue foi criada para serem deuses do street art, da capoeira e do parkour. Nisso, eles seriam uma mistura de tudo o que eu mais gosto no movimento punk e no hip hop, somados aos praticantes de skate e outros esportes radicais. Nessa época, eu ouvi toneladas de rap nacional. Gosto muito de narrativas urbanas e estou sempre buscando no hip hop inspirações para as minhas HQs", ressalta.
À frente da Editora Draco, voltada à literatura e quadrinhos de gêneros originais, Raphael encontra-se agora em fase de pré-venda de uma coletânea que abarca, sob diversos aspectos, todo esse universo vivenciado e acompanhado por ele da época da escola para cá. Na Quebrada - Quadrinhos de Hip Hop reúne oito histórias (de 20 páginas cada), escritas por profissionais de diversos estados e gerações. Idealizado e organizado pelo próprio Raphael, que também roteiriza uma delas, a obra conta ainda com introdução de Alê Santos, contador de narrativas negras, e comentários do influencer Gil Santos (Load) e do rapper paulistano Rashid.
A edição é robusta e reúne 184 páginas. "Tudo começou em uma série de conversas que estava tendo com o Gil Santos, que tem trabalhado bastante a mistura de quadrinhos e rap em seu canal do YouTube. Inspirado em sua visão dessa união, percebi que era hora de fazer quadrinhos ressaltando tudo o que tem de especial no hip hop e celebrar essa cultura de resistência, orgulho e esperança através das artes", afirma Raphael, adiantando que todo o material é inédito, elaborado especialmente para o projeto. "O resultado ficou muito acima do esperado e nos deixou muito orgulhosos. Demos preferência para autores negros, mulheres e pessoas ligadas ao hip hop", enfatiza.
"Estamos tentados a pensar em um segundo ou terceiro volumes, mas quem sabe não nascem histórias longas das narrativas iniciadas na coletânea?", lança a ideia Raphael.
A coletânea Na Quebrada - Quadrinhos de Hip Hop está em pré-venda no site Catarse, a partir de R$ 35, com direito a recompensas como marcadores de páginas, postais e cartões de descontos para compras no site da editora Draco.
"Na Quebrada - Quadrinhos de Hip Hop"
Editora Draco
184 páginas/ P&B
Formato 17x24cm
Campanha catarse: www.catarse.me/
naquebrada (segue até 11 de abril)
AUTORES
Alessio Esteves, Braziliano, Cirilo S. Lemos, Daniel Canedo, Felipe Cazelli, Felipe Sanz, Giovanni Pedroni, Guabiras, João Pinheiro, Juliana Araújo, Larissa Palmieri, Marc Weslley, Ramon De Leve (rapper), Raphael Fernandes e
Vitor Flynn.