Vitória do cearense "Canto dos Ossos" em Tiradentes celebra a coletividade na produção cinematográfica
João Gabriel Tréz é repórter de cultura do O POVO e filiado à Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine). É presidente do júri do Troféu Samburá, concedido pelo Vida&Arte e Fundação Demócrito Rocha no Cine Ceará. Em 2019, participou do Júri da Crítica do 13° For Rainbow.
Vitória do cearense "Canto dos Ossos" em Tiradentes celebra a coletividade na produção cinematográfica
Filme cearense "Canto dos Ossos", dirigido por Petrus de Bairros e Jorge Polo, se consagra vencedor da Mostra Aurora na 23ª edição do evento mineiro
Um filme de terror cearense filmado ao longo de quase três anos em Canindé, Fortaleza e Búzios, feito com recursos próprios e marcado por uma qualidade agregadora foi escolhido no sábado, 1º, o melhor longa da Mostra Aurora, a principal competitiva da 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes. "Canto dos Ossos", dirigido por Petrus de Bairros e Jorge Polo, recebeu o Troféu Barroco por decisão de um júri formado pelo professor da UFJR, pesquisador e crítico Bernardo Oliveira; a professora da UFRJ, performer e pesquisadora Cíntia Guedes; a professora da UFMG e pesquisadora Claudia Mesquita; o crítico e escritor Luiz Soares Jr; e a professora da PUC-Rio Patricia Machado. O longa segue as trajetórias de desencontros de Diego e Naiana (Maricota e Rosalina Tamiza), duas amigas monstras, ao longo das décadas.
"O filme surge muito de querer chamar pessoas", afirmou Petrus em entrevista ao O POVO publicada em 22 de janeiro, antes do início da Mostra de Tiradentes, no dia 24 de janeiro. Por meio desse ímpeto gregário, "Canto dos Ossos" foi construído coletivamente por elenco e equipe numerosos. É como resumiu a atriz Noá Bonoba na mesma entrevista: "Todas as funções tinham mobilidade criadora". Num ano em que o evento foi norteado pela temática "A imaginação como potência", a justificativa escrita pelo júri ressalta que a obra "aposta na imaginação como potência gestada coletivamente", acolhendo "seu caráter disjuntivo". "Um filme pode nos dizer coisas pela metade, pode errar ou exagerar e, no entanto, pode, à sua maneira, revelar epifanias que nos oferecem o intempestivo cristal de um segmento de tempo, de gesto, de susto privilegiado", segue o texto.
Em entrevista concedida já na segunda, 3, com a noite do sábado ainda fresca, Petrus ajudou a refletir sobre a escolha. "O filme não só tem esses personagens monstros, mas tem uma forma monstruosa, um olhar monstro que guiou. A coletividade se encontrou com a estética no sentido do fragmento, da gente formar um coletivo que não produz uma coisa única, mas aponta para realidades diferentes. Existem lugares que essa coletividade pode habitar", considerou. Como o crítico Juliano Gomes precisamente resumiu em postagem no Facebook, Canto dos Ossos mostra "imaginação e coletividade de modo a não produzir individualidade, individualismo, mas outros modelos de vida, de olhar, outros critérios afinal".
Que se lembre, também, que a vitória de "Canto dos Ossos" em Tiradentes chega dez anos depois do também cearense "Estrada Para Ythaca", de Guto Parente, Ricardo Pretti, Pedro Diógenes e Luiz Pretti, conquistar a Aurora na 13ª edição do evento. "Foi um momento paradigmático para Tiradentes porque foi a consolidação da mostra Aurora, de uma ideia de geração, da Alumbramento (coletivo realizador do longa) e de, digamos assim, ganho de espaço e musculatura do novo cinema cearense", frisou, em matéria publicada no dia 20 de janeiro no Vida&Arte, o coordenador curatorial e curador de longas da mostra Francis Vogner dos Reis.
O diálogo entre as conquistas se dá não somente num nível de comparação ou aproximação entre modos de produção das obras - cada modo, cada filme e cada prêmio, afinal, liga-se a cada contexto e a cada coletividade criada e criadora -, mas pelo fato de que ambas as experiências se somam ao percurso de bem-vindos extrapolamentos dos ditames impostos, seja em forma ou conteúdo, que encontra vazão no cinema cearense recente. Nos últimos anos, tem se estabelecido, como afirma a justificativa do júri, uma "nova ecologia das imagens", possível por novos corpos e olhares. Entre exemplos citáveis, está não somente o filme de Jorge, Petrus, Noá, Maricota, Rosalina e tantas outras, mas também a explosão que foi "Cabeça de Nêgo", de Déo Cardoso, também selecionado para a Mostra Aurora em 2020, e "Tremor Iê", que participou da mostra em 2019 e, assinado por Lívia de Paiva e Elena Meirelles, traz consigo uma coletividade criadora interligada à de Canto dos Ossos. A cada "ganho de musculatura", o cinema cearense constitui-se não como um corpo só, indistinto e indissociável, mas como um conjunto de possibilidades, criações e alargamentos.
Confira o trailer
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