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Lira Neto conta história de judeus sefarditas em novo livro
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Lira Neto conta história de judeus sefarditas em novo livro

Escritor cearense Lira Neto prepara novo livro que reconstitui a história dos judeus sefarditas perseguidos pela Inquisição e suas relações com o Brasil. A obra também debate a questão dos refugiados no mundo
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Placa de identificação do cemitério mais antigo de Nova York (Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Placa de identificação do cemitério mais antigo de Nova York

Uma narrativa feita de intrigas, traições, delações, guerras e esperanças. Ao mesmo tempo, uma imersão etnográfica pelos vestígios históricos da comunidade judaica pelo mundo. Nos próximos meses, o escritor cearense Lira Neto publicará um novo livro, ainda sem título, que narra a história dos judeus sefarditas - isto é, os descendentes de judeus originários de Portugal e Espanha. Perseguidos pela Inquisição na Península Ibérica, eles refugiaram-se em Amsterdã e, de lá, vieram para o Brasil durante a ocupação holandesa, no século XVII. Com a obra, o autor busca reconstruir a trajetória coletiva do povo judeu e atualiza o debate sobre as imigrações e sua ligação com as raízes históricas da intolerância.

Há dois anos morando em Portugal, Lira Neto aproveitou a ocasião para retomar e aprofundar uma antiga pesquisa que o levou ao encontro com a história de Portugal, Espanha, Holanda, EUA e Brasil e com a sua própria ascendência. "O tema, de fato, persegue-me há algum tempo. Há uns 15 anos, alimentei o projeto de biografar Maurício de Nassau. Porém, outras pesquisas e outros livros acabaram por me desviar do propósito original. Deixei aquela ideia de lado. Segui em frente, mas, logo depois, quando tive a curiosidade de investigar minhas origens familiares, descobri antepassados de sangue sefardita. Por mero diletantismo, comecei a juntar algum material a respeito", conta o jornalista cearense sobre os momentos iniciais da pesquisa.

"A partir daquele momento, percebi que era possível juntar as várias pontas do mesmo novelo. O desejo transformou-se em algo mais concreto durante uma viagem a Nova York, quando deparei-me com o cemitério mais antigo da cidade, no qual as lápides exibem uma série de nomes e sobrenomes de judeus ibéricos", recorda. A partir desse momento, o autor começou a reunir bibliografia e documentos para conhecer os pormenores de uma história que, embora bastante difundida, ainda é formada por muitas lacunas. "Quando percebi, estava completamente envolvido no assunto", pontua.

A proximidade com relação aos cenários da primeira parte do livro - que se passa em Portugal e nos Países Baixos - permitiu ao autor um processo de imersão ainda maior no universo temático da investigação. Durante todo o processo de pesquisa, que se intensificou nos dois últimos anos, Lira passou a mergulhar em arquivos europeus em busca de fontes primárias. O fundo documental sobre a Inquisição, na Torre do Tombo, em Lisboa, e o acervo da comunidade sefardita no Stadsarchief, o arquivo municipal de Amsterdã, foram fundamentais para aprofundar algumas questões e ajudar a conferir colorido à narrativa.

Portugal e Espanha têm procurado cultivar e perpetuar a história dos judeus sefarditas, dada a sua importância para a formação do caldo multiétnico que deu origem ao povo ibérico. Por isso, para traçar perfis históricos de inquisidores, judeus queimados em fogueiras, mercadores, piratas, corsários, impressores ou senhores de engenho, ele percorreu as antigas judiarias (bairros exclusivamente judeus), visitou caminhos, perambulou a esmo por vielas e becos recheados de histórias nesses países. "Li a literatura da época, procurei conhecer os cronistas do período. Uma amiga historiadora, colega no doutorado em História na Universidade do Porto, exímia em paleografia, ajudou-me a decifrar garranchos em documentos do início da Idade Moderna. Tenho conversado com especialistas, trocado ideias, mantido interlocução permanente com estudiosos do tema", completa.

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O jogo de escalas entre a "grande" e a "pequena" história, traço marcante da obra de Lira, também dá o tom de seu mais recente livro, ainda sem título. Como pesquisador e jornalista, ele busca confrontar e contemplar as "vozes variadas e opostas" em torno de um mesmo episódio. "Interessa-me, também, provocar no leitor aquilo que Roland Barthes definiu como "efeito do real", isto é, recriar atmosferas, reconstruir cenários, suscitar a possibilidade de uma recepção sinestésica da obra. Daí meu empenho em pesquisar cores, cheiros, sons, texturas e sabores da época. Daí minha obsessão pela história do cotidiano, da vida privada, de minha busca por personagens arquetípicos, que ajudem a interrogar as mentalidades dos indivíduos de um determinado período histórico", descreve.

Lira conta que o livro será dedicado a todos os refugiados, exilados e desterrados do mundo, do passado e do presente. "A questão das migrações é, sim, tema atualíssimo, na medida que nos ajuda a desnudar a raiz histórica das intolerâncias, dos preconceitos e dos racismos. Hoje, mais do que nunca, este debate torna-se urgente, inadiável, imprescindível", pondera. Nos últimos meses, ele tem se dedicado exclusivamente à da obra, que terá aproximadamente 400 páginas e será publicada pela Companhia das Letras nos próximos meses. Por isso, o jornalista optou por pausar a pesquisa que resultará no segundo volume da sua trilogia "Uma história do samba", cuja retomada ainda não tem data definida.

"Voltarei ao samba quando for possível retornar ao Brasil. Mas, enquanto prevalecer a barbárie e a necropolítica atuais, enquanto permanecerem os ataques do desgoverno federal à cultura, às artes, às ciências e ao conhecimento - agora agravados pela gestão irresponsável e assassina da pandemia - não tenho intenções de pegar um voo de volta", analisa o escritor. "Na verdade, a tirar pela destruição galopante da saúde, da educação, da cultura e dos direitos sociais, nem sei se ainda haverá um Brasil para onde se possa retornar um dia", conclui.

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