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Artistas abordam influência do racismo no embranquecimento do mercado das artes
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Artistas abordam influência do racismo no embranquecimento do mercado das artes

Mesmo 130 anos após a abolição da escravidão, o País ainda está longe de uma democracia racial, problema presente também nas produções artísticas
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Maria Macêdo desenvolve trabalhos artísticos a partir do seu corpo, enquanto mulher negra, nordestina retirante, traçando caminhos a partir das lacunas historiográficas, as construções afetivas e memórias pessoais/coletivas (Foto: Wandeallyson Landim/ Divulgação)
Foto: Wandeallyson Landim/ Divulgação Maria Macêdo desenvolve trabalhos artísticos a partir do seu corpo, enquanto mulher negra, nordestina retirante, traçando caminhos a partir das lacunas historiográficas, as construções afetivas e memórias pessoais/coletivas

"A história das artes visuais no mundo e no Brasil não é pálida". A artista visual, pesquisadora e educadora paulistana Renata Felinto, no artigo intitulado "A pálida história das artes visuais no Brasil: onde estamos negras e negros?", nos provoca: num País de Valentim da Fonseca e Silva, Jesuíno Francisco de Paula Gusmão, Artur Timóteo da Costa, Emmanuel Zamor, Antônio Rafael Pinto Bandeira e Estevão Roberto da Silva — artistas cuja multiplicidade de cores transborda os limites dos objetos de arte —, por que não ultrapassamos o "Abaporu" (1928) de Tarsila do Amaral como um dos únicos referenciais iconográficos? Onde estão negras e negros no mercado das artes?

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Mais de 130 anos se passaram desde a abolição da escravidão, mas o Brasil está longe de ser uma democracia racial — a ferida colonial, nunca tratada, ainda sangra. Em uma nação profundamente marcada pelo racismo, o mercado das artes ainda exalta a branquitude como pretensamente universal e relega vivências não-brancas aos saberes locais. Esse epistemicídio, usando termo desenvolvido pela filósofa Sueli Carneiro para definir a extensa negação aos negros da condição de sujeitos de conhecimento, é escancarado nos acervos de museus, exposições e mostras em salões, processos curatoriais e até no público que acessa tais serviços.

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"As inúmeras violências/ apagamentos/ saqueamentos quase nos roubaram de nós, embora as retomadas sejam potentes facas afiadas rasgando as vestes coloniais. O apagamento afeta o campo das artes porque foi criado e erguido pelo fundamento racista. Não esqueçamos de como a história da arte foi escrita, e em terras brasilis, como artistas precursores foram apagados dessa história, ou da sua identidade étnico-racial, como por exemplo os artistas Arthur Timótheo da Costa (1882-1922) e Antônio Francisco Lisboa (1738-1814). Ou por que no imaginário coletivo não temos registrado grandes artistas negres no modernismo brasileiro?", aponta a artista visual, pesquisadora e educadora Maria Macêdo. Nascida em Quitaiús, distrito de Lavras da Mangabeira, a também integrante do projeto "YABARTE: Processos Gestacionais na arte contemporânea a partir dos pensares e fazeres negros femininos" ressalta ainda a urgência de descentralização do urbano como lugar da produção artística.

Viver no miolo das ausências, para Maria, talvez seja a maior cerca desses territórios de cegueira. "À medida que analiso o funcionamento dos sistemas de fomento, circulação e formação artística, percebo o quanto de violência sustenta essas intersecções. Estamos todes interessades e atentes às produções gestadas nos interiores do Estado? É urgente pensar os corpos racializados e dissidentes, mas também as geografias que desenham esses corpos", complementa.

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Para a cantora, compositora e modelo Luiza Nobel, uma das faces do racismo é justificar esse apagamento de negros e negras nos espaços institucionais de arte sob o falso pretexto da não-produção. "A gente enxerga a cultura como um não-lugar porque tem uma mídia voltada para produções que são brancas", explica. "Sempre existiu representação negra na história, mas esses artistas não tiveram o mesmo tratamento que artistas brancos perante a imprensa, o público e as gravadoras. Isso tudo é decorrente desse processo colonizador e escravocrata. Para as pessoas pretas, acredito que é muito importante que a gente tenha consciência que a nossa cultura e os nossos ancestrais pariram a cultura do mundo inteiro. Nosso lugar sempre foi criativo e gestativo".

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