O intérprete-criador Wellington Gadelha, que costura sua trajetória na dança contemporânea a partir de um corpo negro, urbano e periférico, defende que o apagamento de negras e negros no mercado das artes não apenas afeta: "Ele estrangula, sufoca, mata, invisibiliza. Sua produção é de mortandade, fortalecendo assim uma política de morte no campo artístico cultural. A guerra colonial em galeria, seções de editais, emprego e no acesso está instaurada. Vivemos ela! A raiz é profunda e temos que acabar com ela, sim! Exterminá-la".
Pautado num pensamento hegemônico que se apresenta como neutro e universal, o paradigma da sociedade moderna produz esferas reducionistas que não compreendem a diversidade inesgotável do mundo. "É necessário nos ligarmos que a fala e mudez, segundo ensinamento ancestral, moram na mesma casa e quase sempre tropeçam. O lance é despachar toda e qualquer ruindade e terror do universalismo branco", complementa Wellington.
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A arte se forja no bojo da vida e embrenha-se de tudo — mas disputar espaços institucionalizados também é questionar o racismo que estrutura o mercado. Fruto da pressão de artistas negros organizados, desde 2016 alguns museus brasileiros realizam gradativamente mostras, eventos, seminários e ações plurais: a Pinacoteca do Estado de São Paulo adquiriu obras de Rosana Paulino, Paulo Nazareth, Flávio Cerqueira, Rommulo Vieira Conceição e Sidney Amaral para o acervo; Musa Michelle Mattiuzzi, Dalton Paula e Rubiane Maia estavam entre os participantes do prêmio Pipa em 2017... O caminho, contudo, ainda é longo.
"A passos lentos, a visão das curadorias e as próprias curadorias estão sendo modificadas. Cabe a nós, enquanto plateia e artistas, apoiar artistas pretos porque esses processos se dão também com engajamento do público, da comunidade", defende a cantora, compositora e modelo Luiza Nobel.
Para Wellington, as estratégias de construção de outros circuitos nas artes são, sobretudo, pedagógicas. "Acredito numa pedagogia feita no ato. Precisamos gastar energia e força corporal para operar no mundo, tornando-nos uma frente de luta cada vez mais assertiva. Evocar nossas tecnologias leves, nossos saberes e tomar de assalto com nossas armas o lugar que também é nosso. Reinventar esta ideia de mercado e deslocar com força pensamentos e políticas. Temos de ocupar e olhar bem nessas esquinas, nessa biqueira que é o mercado da arte".
A aposta estratégica da artista visual, pesquisadora e educadora Maria Macêdo é na decolonização do olhar: "Descentralizar recursos, rever as politicas de seleção em editais, reformular curadorias, contratar outres profissionais não-brances, não cis-gêneros, não-héteros, modificar o interior das estruturas com pessoas que são excluídas por quem já está. Não é possível pensar decolonialidade se os sujeitos que comandam esses espaços são coloniais".