Se a manutenção da área cultural sempre foi um desafio constante, o contexto da pandemia agravou questões flagrantes das relações entre Estado, plateias e arte. Na procura por subsistência, grupos, coletivos e artistas têm apostado em promover eventos e espetáculos de forma paga. Mas como conquistar espaço em meio a uma oferta ampla e majoritariamente gratuita de apresentações ao vivo em plataformas como YouTube e Instagram? Como precificar uma produção totalmente virtual? Como mobilizar o público?
Respostas para estas e outras perguntas vêm sendo buscadas por diferentes atores do cenário cultural, mas a necessidade de se manter não abre tempo para maiores elaborações. "Antes, a gente trocava o pneu do carro com ele andando. Agora, a gente tá trocando o pneu com o carro capotando", metaforiza o ator, encenador e pesquisador Gyl Giffony, da Inquieta Cia. de Teatro. "Não temos como fazer uma leitura exata, vamos experimentando isso ou aquilo, conversamos muito entre os grupos sobre estratégias. São várias tentativas que oscilam", reverbera Nelson Albuquerque, membro do grupo Pavilhão da Magnólia.
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O coletivo sobralense Toca da Matraca tem no festival Invasão Domiciliar uma das ações centrais de arrecadação de fundos para manutenção da residência do grupo. Na impossibilidade de reunião presencial, realizaram em julho edição virtual do evento em transmissões ao vivo em uma conta fechada de Instagram. Para poder segui-la e ter acesso às apresentações, era necessário contribuir financeiramente. Foram dadas três opções de valores acessíveis que possibilitariam acompanhar um, dois ou três dias do festival.
"Compreendermos que estamos todes passando por um momento delicado, incluindo financeiramente. Os valores dos pacotes de acesso foram pensados para que pudéssemos atingir o maior número de pessoas possível, tendo como base os perfis do público que acompanha nossos trabalhos e os trabalhos dos artistas da programação", afirma Thamires Coimbra, produtora e membro do coletivo. Há intenção, ela adianta, de promover uma segunda edição no formato.
O foco de ação de Nelson é também para manutenção de um espaço, este na Capital: a Casa Absurda, gerida em parceria pelos membros dos grupos Pavilhão da Magnólia e Cia. Prisma de Artes. O artista contextualiza que, para suprir as demandas, diferentes abordagens foram utilizadas por eles. "Ficamos em abril entendendo como as coisas podiam acontecer e, a partir de maio, começamos a pensar em uma programação online para a Casa Absurda, com diversas ações para divulgar uma vaquinha. Percebendo movimentos que estavam acontecendo Brasil afora, começamos a pensar em junho em ações com cobrança de ingresso, num primeiro momento com atividades infantis no esquema 'pague quanto puder'", explica. Atualmente, a contribuição para ter acesso aos espetáculos da temporada infantil da Casa tem um valor específico.
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No caso de Gyl, ele e o parceiro de cena Silvero Pereira montaram uma versão virtual do espetáculo "Metrópole", com o qual trabalham desde 2012. O texto do dramaturgo Rafael Barbosa foi adaptado para o Instagram, numa lógica semelhante à do festival sobralense Toca da Matraca: as apresentações ocorreram na conta privada @sala_de_espetaculos. Na semana que vem, a conta recebe estreia de novo espetáculo de Silvero, "Bixa Viado Frango". "A ideia é que a gente possa ir fazendo trabalhos na Sala de Espetáculos. É um investimento", define Gyl. "Metrópole On-line" estreou em junho de maneira independente e chamou a atenção do Centro de Artes da Universidade Federal Fluminense (UFF), resultando em uma parceria com apoio financeiro e de divulgação para a segunda temporada, que ocorreu em julho.
Desde o início, o público contribuiu para poder acessar as sessões. "É o nosso trabalho. Ensaiamos três vezes por semana por um mês e meio para fazer essa obra. Ensaio, estudo, consumo de produções culturais, todos são espaços de trabalho do artista. Produzimos, nos reunimos administrativamente, cuidamos de burocracias. O que aparece socialmente é o momento da apresentação, mas quando a gente fala de precificação, ela não se dá somente nele", aponta Gyl.