As ações encontradas pelos grupos e artistas para seguirem não somente produzindo, mas também se mantendo, são conhecidas pela maioria das iniciativas independentes. Os desafios de conseguir mobilizar o público, também. Ainda mais em um contexto no qual os trabalhos artísticos e culturais passaram a ser alvos de um discurso político de ataque e descrédito.
"O Invasão Domiciliar é uma ação do coletivo com foco na arrecadação de fundos para o mantimento e fortalecimento de uma rede de artistas, produtores e comunicadores para que possam se manter no fluxo, gerando assim, novos encontros e projetos", ressalta Thamires Coimbra, produtora e membro do coletivo Toca da Matraca. "Precisamos tirar a arte do lugar da precarização. Cuidar da arte é, sobretudo, cuidar dos artistas e técnicos", afirma o ator e pesquisador Gyl Giffony. "É importante toda a sociedade compreender que existe uma dimensão de trabalho que não é vista e não tá só na ponta da apresentação do espetáculo", reforça.
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"As plateias precisam compreender que existe cumplicidade e responsabilidade delas com a cultura. Pensando as criações nas redes virtuais, há um aprendizado nosso, mas também do nosso público. Ele é responsável para que os nossos trabalhos continuem. A gente não faz o que faz para a gente. O investimento é para que esses artistas e essa arte possam se mover com potência e chegar em mais gente", elabora Gyl. "Temos relatos de pessoas que apoiaram porque gostam da Casa Absurda, dos grupos, e querem que o espaço se mantenha aberto, às vezes até pessoas que a gente não conhece", exemplifica Nelson Albuquerque, membro do Pavilhão da Magnólia.
O psicanalista Mauro Reis Albuquerque foi um dos espectadores que contribuíram com o espetáculo "Metrópole On-line" e considera a cobrança de ingresso "justa e necessária". "Boa parte dos artistas perderam o local de trabalho. Alguns se reinventaram com lives, mas a maioria dessas apresentações tem caráter gratuito ou beneficente. Para quem já é estabelecido, acho massa e importante, mas tem muito artista que depende daquele trabalho para sobreviver e a categoria já é precarizada e desvalorizada. Fazer esse tipo de criação abre espaço para que outros façam e consigam arranjar um sustento a partir disso. É justo porque dá muito trabalho, exige tempo, esforço, formação", defende.
O formato digital, para Mauro, traz diferentes vantagens e desvantagens para os espectadores no que se refere à acessibilidade. "O espaço virtual muitas vezes é mais democrático do que espaços de concreto na rua, porque não exige um deslocamento, um tempo, uma estrutura básica mínima para pessoas que têm baixa mobilidade, que é o meu caso. Mas ele também exige estrutura, aparelhos eletrônicos, internet, capacidade de ver e ouvir. É importante insistir em algumas iniciativas de tornar os espaços - concretos e agora virtuais - financeiramente acessíveis a pessoas em situações precarizadas e fragilizadas", lembra.
Uma outra face importante desse contexto são as políticas públicas e o Estado. "Ele tem uma responsabilidade não só social, mas fundante. É papel do Estado o incentivo à cultura. Está na Constituição Federal, faz parte dos direitos culturais, que são os direitos que todo cidadão tem de produzir e fruir cultura", ressalta Gyl. Nelson Albuquerque lembra da importância da Lei de Emergência Cultural, que pode ser crucial para a manutenção da Casa Absurda. "Estamos esperançosos. As ações públicas têm atendido pessoas físicas por serem o foco da emergência, então grupos e espaços não têm tido apoio. Conseguimos entrar em editais do Sesc, do Banco do Nordeste, no Dendicasa (edital da Secretaria da Cultura do Estado) e isso tem dado respiros, mas às vezes recebemos (os recursos) meses depois da 'emergência'. Os apoios que estamos tendo são para manter o espaço, porque é ele que vai possibilitar nossa volta", considera.
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Os artistas lembram, ainda, que os investimentos de Estado em arte e cultura beneficiam não somente o próprio setor, mas toda a sociedade. "Arte e cultura são agentes fundamentais para a manutenção de nossa saúde mental", ressalta Thamires. "É dever e papel do Estado não só para fortalecer a gente, mas para cuidar da saúde de uma sociedade como um todo. O que a gente precisa mais do que nunca nesse momento de tanto assombro, tanta morte e luto, tantas inviabilizações, é imaginar. Imaginar tem o seu investimento, tempo, trabalho. A gente, como artista, tem muita coisa a fazer. Já estávamos fazendo, mas agora é muito evidente", aponta Gyl.