Logo O POVO+
Quarentena não parou a produção cultural no Ceará
Vida & Arte

Quarentena não parou a produção cultural no Ceará

|INSPIRAÇÃO| Cerca de quatro meses de isolamento não impediram que as produções artísticas continuassem acontecendo em suas múltiplas linguagens e experimentando novas plataformas de exibição
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Andréa Dall'Olio produziu em seu ateliê em casa (Foto: Arquivo Pessoal/ Andréa Dall'Olio)
Foto: Arquivo Pessoal/ Andréa Dall'Olio Andréa Dall'Olio produziu em seu ateliê em casa

80 dias. 1920 horas. 115.200 minutos. Esse foi o tempo médio que os moradores de Fortaleza se mantiveram em casa desde o primeiro decreto de isolamento social do Governo do Estado do Ceará, em 20 de março, até o início da Fase 1 do Plano de Retomada da Economia, em 8 de junho. Para muitos, permanece uma sensação de "período perdido" ou até mesmo de uma etapa que não aconteceu. Mas a arte contradiz esse sentimento: em quase três meses, músicas, álbuns, exposições, peças teatrais, entre outras tantas linguagens, foram criados e adaptados.

Sem esse esforço dos profissionais de difundir a cultura por meio das plataformas digitais, o entretenimento, que foi consumido com forte intensidade na quarentena, não teria sido possível.

Leia maisO tempo não parou

"Fiquei o primeiro mês sem produzir quase nada e, aos poucos, fui retomando o ânimo. A primeira coisa que me movimentou foi compor uma música para minha melhor amiga, que havia perdido o pai para o Covid-19", comenta Claudio Mendes, músico e sócio da produtora "My Music". Em parceria com 14 artistas, o videoclipe foi gravado à distância e lançado nas redes sociais no dia 23 de abril.

Em uma tentativa de manter algumas tradições anteriores, realizou também o "Jam Session Virtual". O evento, presencial ou à distância, é uma forma de promover o intercâmbio cultural por meio da música.

Claudio Mendes pode ter demorado a processar a situação, mas manteve seu ritmo produtivo. Ao lado de Dalwton Moura, Gustavo Portela, Maria Vitória e Verônica Guedes, foi também um dos idealizadores e coordenadores executivos do festival-campanha "Gente é pra brilhar". A iniciativa, que reuniu dezenas de artistas cearenses, como Karim Aïnouz, Lira Neto, Roger Rogério, Fernando Catatau e Tércia Montenegro, tinha o objetivo de auxiliar a Unidos Venceremos, rede de apoio para profissionais da cultura do Estado.

Entre rifas e outras formas de doação, eles buscaram fomentar o mercado artístico. "Foi um período bem conturbado. Não tem como não ficar abalado emocionalmente. E isso influencia diretamente na nossa criação. O que acabou me movendo mais foram essas atividades que envolviam solidariedade de alguma forma. Não consegui fazer quase nada no âmbito mais comercial", afirma.

A música teve bastante movimentação. É possível analisar o fato por meio das milhares de transmissões ao vivo que aconteceram diariamente durante a quarentena. Porém, não foi apenas essa linguagem que conseguiu se adaptar. As artes visuais também se mantiveram a partir de exposições virtuais, bate-papos ao vivo e conexões interpessoais. "A minha vida é arte. Eu vivo arte todos os dias. A gente consegue expressar nossos sentimentos, transformar em algo visível. A arte me estimula o tempo todo", exprime Andréa Dall'Olio, artista plástica e arquiteta. "O mais difícil foi a falta de liberdade. Eu fiquei meio anestesiada por um tempo. A partir da segunda semana, eu pensei 'preciso produzir que isso é meu caminho'. Preciso tê-la, manter uma rotina para tentar entrar em uma liberdade", explica.

E o resultado de manter sua paixão em um período tão adverso trouxe resultados. "Meu grande mergulho na arte foi a tecelagem manual, que já é uma vertente que atuo. Além disso, fiz três pinturas a óleo para o Mauc (Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará) a partir da percepção do que vejo na minha janela", lembra.

Ela inovou, também, nas plataformas digitais. Integrante do Coletivo In-Grafika, o grupo realizou duas exposições virtuais durante o isolamento social. Andréa ainda tem outra produção em processo: uma mostra apenas com mulheres. O projeto, que terá data divulgada pelo Sesc, conta com o trabalho de nove artistas, denominado "Arte Por Artistas".

Como toda forma de expressão artística, o teatro foi outra linguagem que manteve sua atuação. Agora, o contato com o público, tão inerente ao teatro, teve de ser adaptado para as redes sociais. Altemar DiMonteiro, diretor do grupo Nóis de Teatro, tem um trabalho relacionado diretamente com a cidade, então, as referências mudaram. "Estávamos em uma perspectiva de ocupação das periferias, enquanto processo de composição em arte. Com a pandemia, começamos a exercitar o que seria essa perspectiva no espaço da internet", identifica.

Com o coletivo, produziu quatro ações principais. A primeira foi um bingo virtual, em que compuseram um espaço gráfico. "Também teve uma balada fake. Era um evento on-line, de música, com performances e microcenas. Em quatro horas, 140 pessoas participaram. Passamos três semanas elaborando para pensar em todo detalhe", recorda. Mas não foi apenas isso. Os integrantes lançaram o clipe "Ainda Vivas", baseado no espetáculo homônimo de 2019. "A música tomou uma repercussão de obra própria. Diz muito sobre o tempo que a gente vive, sobre o risco o tempo inteiro iminente. Principalmente sobre os corpos dissidentes, cotidianamente violentados por estruturas necropolíticas".

"Antes, nos relacionávamos com a Internet como espaço exclusivamente de comunicação. Onde a gente veicula um flyer e convoca o povo para uma experiência de corpo real, com a cidade. Agora, tivemos que nos adaptar para ter a internet como lugar. Ela é o próprio lugar", explica Altemar DiMonteiro.

Cláudio Mendes, Andréa Dall'Olio e Altemar DiMonteiro caminham por linguagens e estilos completamente diferentes. Mas seus trabalhos convergem em um fato: a necessidade de continuar produzindo. A paixão pela arte é o que move tantos profissionais diariamente a manterem suas rotinas e é este mesmo sentimento que continua levando apreciadores de galerias, amantes da música e espectadores de peças de teatro a compartilharem suas experiências à distância.

O que você achou desse conteúdo?