"Florestan Fernandes retratou um Brasil moderno, mas arcaico. Isso ainda somos", enfatiza Irlys Barreira, socióloga e professora aposentada da Universidade Federal do Ceará. Na obra "A integração do negro na sociedade de classes" (1964), o patrono da Sociologia brasileira aposta na "emergência do povo na história", numa ciência que escrutina as desigualdades. Em suas teses sobre a modernização conservadora do Brasil, Florestan questionou a construção de uma nação dissociada dos ideais democráticos.
"O livro 'A revolução burguesa no Brasil' (1975) é a grande obra de Florestan, onde ele analisa de que maneira o Brasil construiu a sua sociedade capitalista. Florestan constrói uma teoria muito robusta, muito avançada e muito interessante que precisa ser melhor conhecida. A primeira questão que Florestan coloca é que o Brasil vive uma tensão porque, diferente dos países dos países europeus que chegaram ao capitalismo por revoluções burguesas no sentido mais estrito do termo, com uma agitação política de ruptura, o País viveu uma constituição do capitalismo de um modo menos brusco. Essa contradição entre uma sociedade escravista e uma sociedade de classes faz parte dessa formação do Brasil", elucida Irapuan Peixoto, professor do Departamento de Ciências Sociais da UFC e pesquisador do Laboratório de Estudos em Política, Educação e Cidade (Lepec/UFC).
"O que marca o capitalismo é uma ordem social competitiva", continua Irapuan ao explicar as contribuições de Florestan na investigação da modernidade nacional. "Em certo sentido, o estabelecimento do capitalismo no mundo, em particular na Europa, trouxe a reboque o desenvolvimento da democracia contra os regimes políticos. Isso não acontece no Brasil porque a gente introduziu o capitalismo antes de ter uma ordem social competitiva. A gente vai ter uma ordem social oligárquica, monárquica, extremamente autoritária, sem muito espaço para o desenvolvimento da democracia. A nossa burguesia, ao contrário da burguesia que fez revoluções na Europa ou nos Estados Unidos, era ultraconservadora, autoritária e autocrática e isso trouxe grandes grandes consequências para essa sociedade que nós temos hoje", contextualiza Irapuan.
Um século após seu nascimento, Florestan Fernandes oferta ainda um pensamento potente para a compreensão do flerte do Brasil com o autoritarismo em dias atuais. Conclui Irapuan Peixoto: "No Brasil, o avanço dos direitos sociais e políticos demorou muito para acontecer, porque nosso desenvolvimento social foi muito lento nesse sentido. A gente incorporou a lógica econômica capitalista — que veio basicamente da Inglaterra e da Alemanha — que tem grandes implicações sociais, mas tivemos uma grande dificuldade de efetivar as modificações sociais que essa lógica trazia, como o desenvolvimento de um estado democrático, do sujeito de direitos, de liberdades sociais... Quer dizer, tudo isso que vem a reboque do capitalismo não foi estabelecido no Brasil a contento. O que estamos vivendo no Brasil hoje mostra como as nossas instituições são frágeis. A democracia, quando se pensa estabelecida no Brasil, fraqueja. O poder autocrático, esse poder autoritário de determinadas frações de classe, ainda podem ameaçar a democracia brasileira. Esse é um ponto bem interessante para pensar a partir da vasta e rica obra de Florestan Fernandes".