A obra de Charles Bukowski perpassa o alcoolismo, o machismo, os problemas dos trabalhadores e a solidão de uma vida sem perspectivas. Por causa dessas temáticas, tão cruas quanto realísticas, seus escritos até hoje são motivo de discussões e polêmicas entre pesquisadores, fãs e críticos. Nascido em 16 de agosto de 1920, o poeta, contista e romancista se tornou o símbolo de uma sociedade estadunidense que estava longe do idealizado "sonho americano".
Com um estilo coloquial, autobiográfico e cruel, sua trajetória pessoal foi instável. Viveu em pensões baratas, não se mantinha em um emprego por um longo período, não tinha dinheiro e bebia excessivamente. Apesar das diversas tentativas falhas de entrar no mercado literário dos Estados Unidos, obteve maior reconhecimento somente depois da publicação de "Cartas na Rua", em 1971. Nessa época, já estava com mais de 40 anos. Bruno de Paula Barbosa, professor de Língua Portuguesa e Literatura do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), considera que o escritor não fez grandes revoluções na literatura estadunidense. Com uma linguagem direta, o destaque sempre foi o conteúdo de humor que utilizava em suas produções. "O que faz os textos dele serem bons de ler é que misturam ficção com realidade. Ele dizia que sua obra era a vida melhorada. Mas tem situações que nunca aconteceram", explica.
A objetificação das mulheres. O amor por gatos. A impossibilidade de controlar o próprio alcoolismo. A frustração com um país que prometeu a todos a prosperidade. O acolhimento de uma solidão que sempre pareceu inevitável. Com essas histórias que descreve de forma recorrente em seus textos, ficou conhecido e também se autodenominou como um "velho safado". A fama autoproclamada perdura até os dias atuais. "Outra cama, outra mulher, mais cortinas, outro banheiro, outra cozinha, outros olhos, outro cabelo, outros pés e dedos. Todos à procura. A busca eterna", expõe no poema "Outra Cama".
"A gente percebe que muito da imagem dele é sobre o que ele mesmo criou. Os editores criavam recomendações de outras pessoas porque, na época, os poetas do círculo falavam sobre ele. Seus atos de beberrança aconteciam em público para perder a timidez. Fizeram seu factoide de um cara rebelde", explica Bruno de Paula Barbosa. Segundo ele, Bukowski era um ponto fora da curva, alguém que nunca quis estar no centro das atenções, mesmo com a fama, já adulto.
Leia também | Confira uma lista de obras para conhecer a literatura de Charles Bukowski
Era, também, considerado um "poeta maldito". Agressivo em suas palavras, mostrava a realidade norte-americana para além da propaganda: milhares de pessoas desempregadas, mulheres que encontravam na prostituição uma maneira de sobreviver, homens que diariamente saíam para trabalhar em locais desprezíveis, sem saber se teriam dinheiro para prover alimento. "Agora recebo muitas chamadas de telefone. Todas iguais. 'É Charles Bukowski, o escritor?', 'sim', eu lhes respondo. E eles dizem que entendem minha escrita, alguns deles são escritores ou querem ser escritores e estão em empregos estúpidos e horríveis e não conseguem nem encarar a sala, o apartamento, as paredes, essa noite…", revela em um de seus textos.
O escritor esteve tardiamente no mercado literário em sua época. "A gente pode pensar que sua literatura dialoga com sistemas socioculturais. Ele mostra a relação do indivíduo com o trabalho, com a precarização do trabalho. Essa contraposição que ele fazia tornou sua obra afastada por muito tempo, porque a classe trabalhadora não costuma ser objeto da literatura, não com essa crueza", afirma Carlos Augusto Viana da Silva, professor do departamento de Estudos da Língua Inglesa da Universidade Federal do Ceará (UFC). De acordo com o docente, Bukowski faz críticas diretas ao sonho americano.
Carlos Augusto vê a obra como uma literatura de resistência. "Você encontra personagens que desafiam as convenções socioculturais. Por isso, às vezes, há um problema de interpretação, porque acham uma leitura muito seca. Mas podemos ver isso como um propósito de desestabilizar uma estrutura literária. Ele é alguém que está fora do sistema e o questiona", explica. Bruno de Paula complementa: "Bukowski fazia questão de dizer que não fazia parte de nenhuma agremiação. Se você coloca uma blusa dele, você não entendeu a mensagem. Ele era contra a idolatria".
Leia também | Estudante de 17 anos cria projeto de distribuição de livros pelo Instagram
Existe ainda um ponto dos escritos do autor que geram polêmica entre várias pessoas: seus conteúdos considerados machistas e misóginos. O que escrevia sobre as mulheres era quase sempre de cunho sexual, erótico e objetificante. A figura feminina, na maioria das vezes, era vista como uma conquista. Em "Eu", demonstra: "mulheres não sabem como amar, ela me disse. Você sabe como amar mas mulheres só querem parasitar. Sei disso porque sou mulher. hahaha, eu ri. Por isso não se preocupe terminando com Susan porque ela apenas irá parasitar outro homem".
Mas os textos Bukowski são feitos de imagens deturpadas de um mundo que existe. "Seu universo é feito de desajustados, de violência. Todos os personagens são assim. Se você tem um personagem bonito ou de sucesso, ele vai ter algo distorcido. Você não tem ninguém belo", comenta Bruno de Paula. Com inúmeras polêmicas em relação às temáticas que aborda, à maneira que retrata as mulheres e ao próprio estilo de escrita, ler suas obras continua sendo importante. Com textos que beiram a brutalidade, ele revela uma constatação que parece assustadora: ainda existem vários "Bukowskis".