Cantam os Titãs, em "Televisão", música do álbum homônimo de 1985: "tudo que a antena captar meu coração captura". O verso dá bastante conta das histórias que seguem abaixo, depoimentos de memórias afetivas que só a TV pôde e poderia trazer.
É o caso de Audilene Lima, 52 anos, pedagoga. Do contato inicial em praça pública à oferta de streamings a um clique de distância, a relação dela com a televisão é digna de uma boa dramaturgia. Além disso, representa em si, também, os próprios percursos e mudanças que a TV passou ao longo das décadas de existência no Brasil.
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No ano de 1968, Audilene nascia em Tabuleiro do Norte, município da região do Vale do Jaguaribe, pouco mais de um mês depois do falecimento do empresário Assis Chateaubriand. Ele, paraibano de nascença, foi o responsável pela primeira transmissão de TV no País, ocorrida em 1950.
Mesmo nascida em Tabuleiro, Audilene morou nos primeiros anos de vida no distrito de Uiraponga, em Morada Nova, onde, conta, nem energia havia. Ainda menina, mudou-se com a família para estabelecer morada na cidade de nascença. “Tudo era novo” ao passar a morar em Tabuleiro, relembra. A principal das novidades era a TV, vista pela primeira vez por ela em uma praça no centro da cidade.
“Descobri a televisão e fiquei encantada, sensações que até hoje guardo na memória. A exibição da programação só era à noite, em plena praça pública, e se resumia ao jornal e à novela das oito, ‘O Astro’ (1977). Nunca consegui assistir toda, pois morávamos distantes do centro da cidade”, recupera detalhes.
Um pouco mais crescida, no começo dos anos 1980, migrou para Fortaleza. “Para trabalhar em casas de famílias com uma única condição: que eu pudesse estudar”, diz. Dividindo o tempo entre cuidar das casas dos outros e estudar para provas, aproveitava cada brecha entre as obrigações para acompanhar programas de TV. “Assistia fragmentados, espiando os patrões”, divide. Assim, conheceu Chacrinha, Flávio Cavalcanti, Hebe, Silvio Santos, riu com o Sítio do Pica Pau e Os Trapalhões, ouviu as músicas de Dalto e Roupa Nova no Globo de Ouro e assistiu de “Rambo” a “Lagoa Azul”.
A primeira oportunidade de comprar uma televisão veio na década seguinte. “Em 1993, já casada, trabalhando na iniciativa privada, comprei minha primeira TV 14’ de segunda mão. Nos períodos chuvosos, ao ser ligada, fazia um barulho tão grande que achava que ia explodir”, brinca. Com um aparelho para chamar de seu, passou a se envolver com a transmissão de esportes, deixando até de dormir para acompanhar corridas de Fórmula 1 e jogos de basquete e vôlei - isso até a TV queimar…
Já mãe, em 2005, realizou um sonho próprio e dos filhos, adquirindo em 12 parcelas uma TV de 29 polegadas. Ainda na primeira prestação, uma brincadeira dos pequenos custou o aparelho. De lá para cá, foi outra TV de 14 polegadas que acompanhou a família até recentemente, quando foi possível substituí-la por uma LCD - de 32 polegadas!. “Eita! Orgulho grande”, festeja.
No novo momento, assume-se “viciada em doramas”, espécies de novelas feitas em países como China, Coreia do Sul e Taiwan. “Sou assinante de duas plataformas, Netflix e Viki, e assisto em média uns três doramas por semana”, contabiliza. Acompanhando as novas tecnologias e possibilidades, Audilene comemora: “As diversas plataformas e aplicativos são minhas predileções, prefiro ficar em casa assistindo. Sou extremamente grata a Deus por ter as condições de hoje poder curtí-los”.
Eduardo Feijó, 28 anos, servidor público
Tenho ótimas lembranças da TV dos anos 1990 e 2000. Fui muito inspirado por mulheres e personagens femininas fortes das novelas, como as Helenas do Manoel Carlos - principalmente a da Vera Fischer. Também fui influenciado pelos programas de auditório, que tinham as assistentes de palco: a personagem Feiticeira, da Joana Prado, e a Tiazinha, da Suzana Alves, no programa H do Luciano Huck. Sem a TV brasileira, eu não teria tido essas várias influências, não teria visto aquele sorriso maravilhoso da Tiazinha por trás da máscara, a Feiticeira dançando e hipnotizando a plateia, o samba único da Valéria Valença como Globeleza no Carnaval com todos aqueles efeitos especiais. Se eu não tivesse visto tudo isso, com certeza seria outra pessoa. Tenho um carinho muito grande por tudo que esse período da TV me proporcionou.
Ricardo Guilherme, 65 anos, ator, escritor e dramaturgo
Sou da geração que ainda criança viu surgir em Fortaleza a sua primeira emissora de Televisão, a TV Ceará, canal 2, com produção local, tempo das transmissões ao vivo e em preto e branco, somente durante parte da noite. Tenho como primeira lembrança televisiva a imagem-padrão de abertura da programação diária: o desenho de um índio com uma antena em forma de V a lhe adornar a cabeça. Mas meu alumbramento inicial de presença humana televisionada foi a impressão que Karla Peixoto, João Ramos e Ary Sherlock deflagraram no menino que eu era quando os vi em 1967 protagonizando o teleteatro "Os Deserdados" (texto de Eduardo Campos e direção de Hildeberto Torres) na nossa emissora pioneira em teledifusão. Alguns anos depois, em 1973, já aos 18 anos, lá estava eu contracenando com esses meus ídolos, a dizer texto de Guilherme Neto no programa inaugural do sistema de realizações coloridas da Televisão Cearense.
Robson Monteiro, 29 anos, auditor de estoque
Quando eu era criança, entre os sete e os dez anos, assistia muito filme na TV aberta com a minha mãe e com meu pai. Filmes tipo Cine Espetacular, Tela Quente. Lembro muito quando passava filme de terror, a minha mãe gostava muito, e fazia eu assistir com ela. Era muito bom. Eu ficava com medo, mas era muito legal porque minha mãe estava lá para me abraçar e passar conforto. Toda vida que eu revejo os filmes de terror que vi com ela, dá uma coisa boa, uma lembrança boa.
Thailana Tavares, 27 anos, bibliotecária
São memórias de tenra infância. O programa “Meu Xodó” era na TV Jangadeiro e não me recordo em que dia da semana passava, mas tinha gostinho de domingo, pois me recordo que lá em casa sempre assistíamos em família. Era apresentado pela dupla Sirano e Sirino e era recheado de elementos da cultura cearense e nordestina. Acho que o que mais me marca quando lembro desse programa é que ele representa, para mim, o primeiro marco consciente da construção do sentimento de pertencimento regional, foi minha primeira referência nesse quesito. Nessa linha, também tem o programa “Botando Boneco”, igualmente da TV Jangadeiro, que sempre me despertou a simpatia pela regionalidade.