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Em busca do Brasil na música clássica
Vida & Arte

Em busca do Brasil na música clássica

| biografia | No centenário de morte de Alberto Nepomuceno, celebrado neste 16 de outubro, relembramos a relevância do compositor cearense para a música erudita brasileira, sendo um dos mais importantes defensores do nacionalismo no gênero
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Alberto Nepomuceno foi regente, pianista e compositor (Foto: Jaime Acioli)
Foto: Jaime Acioli Alberto Nepomuceno foi regente, pianista e compositor

Na transição do século XIX para o XX, a música clássica se mantinha afastada dos ritmos afrobrasileiros e indígenas que se estabeleciam rapidamente. Entre as composições de concerto, era possível identificar inspirações alemãs e italianas, mas o próprio Brasil não estava presente. Diversos músicos já se pronunciavam acerca dessa lacuna, mas um teve papel de destaque para introduzir a língua portuguesa no universo erudito: Alberto Nepomuceno. Considerado o pai do nacionalismo na música clássica brasileira, ele completa seu centenário de morte nesta sexta-feira, 16 de outubro.

Cearense, natural de Fortaleza, cresceu em uma casa na rua Senador Pompeu, quando a via ainda se chamava "rua Amélia". Naquele lugar, e também quando se mudou para Recife, aprendeu com o pai, Vítor Augusto Nepomuceno, o repertório que precisava para adentrar no mundo da música. Violinista e organista da Catedral de Fortaleza, Vítor era uma das principais fontes de conhecimento para Alberto ainda na infância.

Ao longo dos 56 anos que viveu, carregou experiências que começaram quando era criança e que reverberaram durante todos os outros momentos de seu percurso. Com várias produções em seu nome, foi regente, pianista e compositor. Seu legado ainda ecoa nos dias atuais mesmo que seus conterrâneos não percebam. É fato que todos os cearenses já escutaram, pelo menos algumas vezes, uma de suas principais criações: o Hino do Ceará, composto ao lado de Thomaz Pompeu Lopes Fernandes e Zacarias Gondim, destinado ao povo e aos estudantes.

Alberto Nepomuceno coleciona ainda várias obras de destaque. "Artemis" (1898), "Abul" (1905), "Galhofeira" (1894) e "Suíte Antiga" (1893) são algumas das canções que podem ser citadas. Seu amplo repertório é consequência de um sentimento que diversas vezes demonstrou em entrevistas para jornais. "Alguma coisa fiz, é verdade, e mais ajude-me Deus, penso fazer. Com isso, nada mais que meu dever cumprirei, como repositório que sou de uma partícula da inteligência, dom esse que o Criador atira ao acaso sobre o mundo e que aconteceu receber eu uma parte mínima. Aproveitar pelo trabalho, valorizar este dom e dever com os amigos, para com a Pátria, para com a humanidade, e, furtar-se a esse dever ser um depositário infiel", disse o compositor ao Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, em 1913.

Compromissado com seu ofício, Alberto Nepomuceno não foi importante apenas como músico. Além de ser abolicionista e republicano, transpareciam em suas composições as questões sociais pelas quais lutava. Por meio da arte, defendia os ideais revolucionários de um momento de forte tensão política, econômica e social. Nada do que fez, porém, considerou extraordinário. Suas produções eram uma necessidade, uma obrigação que sentia perante aos outros. "Olhando para minha vida, retrospectivamente, vejo-me tal qual sou: um homem que tem trabalhado e no seu trabalho tem procurado pôr em contribuição alguns dos que recebeu da natureza. Tenho procurado cumprir o meu dever", comentou. As falas estão expostas na tese de doutorado "A ópera 'Abul', de Alberto Nepomuceno e sua contribuição para o patrimônio musical brasileiro da Primeira República", de autoria de Flávio Cardoso de Carvalho.

"Não tem pátria um povo que não canta em sua língua". Não é uma certeza de que o compositor exprimiu essa frase, mas os ideais proclamados em poucas palavras é exatamente aquilo que acreditou. "Ele não foi o primeiro a defender o nacionalismo, mas foi o primeiro que realmente escreveu em português peças específicas, sem ser música popular. Naquele tempo, cantava-se em italiano, em alemão e em francês. Fora isso, era estranho. Imagine então como foi a recepção do público e da crítica quando ele fez essa ousadia", explica David Calandrine, pianista e diretor do Conservatório de Música Alberto Nepomuceno.

"Ele também foi um pesquisador. Algumas obras que existem do Padre José Maurício foram catalogados por ele. Hoje, só podemos acessá-las por causa dele. Dentro da pesquisa, ainda tem enorme interesse pelo folclore brasileiro", explica Calandrine, citando ainda os estudos de Alberto Nepomuceno para piano e para a mão esquerda. "Muita coisa sobre ele serve de legado, que não foi só a música. As composições que um compositor faz são um reflexo da vivência dele. Ou seja, não é a música pela música, é a música com um contexto", comenta.

"Ele foi um compositor que trouxe a brasilidade, é um dos pais do nacionalismo. Foi o primeiro a escrever com a orquestra sinfônica em ritmo que se inspira no dos negros, pois compreendia sua importância. Teve uma forte influência como gestor do Instituto Nacional de Música (atual Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro)", lembra Rosana Lanzelotte, pesquisadora e idealizadora do projeto Musica Brasilis.

Em plena produção de um Rio de Janeiro que vivia a Belle Époque, quando os costumes franceses eram valorizados, Alberto Nepomuceno defendeu seu País, sem deixar de lado a ação de outros lugares. Segundo Rosana Lanzelotte, sua contribuição extrapola os limites da cultura. "Ele tinha esse olhar político e ético para o que se passava à sua volta. Sempre foi muito admirado a seus pares", indica Rosana.

Eventos do centenário

Neste ano, o Irim (Investigação em Regência e Interpretação Musical), da Universidade Estadual do Ceará (Uece) está realizando o III Sirim - Simpósio de Regência e Interpretação Musical dedicado a Alberto Nepomuceno. O evento foi adaptado para o meio virtual, devido à pandemia da Covid-19, segundo Inez Gonçalves, professora de música da Uece e curadora do evento. Ao lado dela, Marcio Landi, Elba Braga Ramalho, Gilmar de Carvalho e Anna Maria Kieffer também participam da programação virtual. Com o apoio do Porto Iracema das Artes, a iniciativa acontece mensalmente nas redes sociais da escola. O evento tem o objetivo de revisitar as contribuições do compositor para o cenário artístico brasileiro. Até dezembro de 2020, haverá ainda três encontros. Mas Inez Gonçalves reforça: "ele não pode ser lembrado apenas nos períodos e nas efemérides. Ele precisa ser tocado, divulgado e conhecido na produção musicológica para você entender onde ele atuou". Além deste evento, o Conservatório de Música Alberto Nepomuceno está com duas transmissões ao vivo programadas para este mês de outubro. Nas datas, artistas apresentarão parte do repertório. O objetivo é homenagear aquele que deu nome ao espaço. Entre os convidados, estão Alvany Silva, Rodrigo Castro e Daniel Sombra.

III Sirim - Simpósio de Regência e Interpretação musical

Onde: no canal do YouTube e na página do Facebook do Porto Iracema das Artes

Programação:

Alberto Nepomuceno: entre a História e a Ficção

Convidados:Avelino Romero Pereira e João Silvério Trevisan, com mediação de Inez Gonçalves

Quando:19 de outubro,
às 20 horas

A modernidade em Nepomuceno

Convidados:Luiz Guilherme Goldberg e Julio Medaglia, com mediação de Anna Maria Kieffer

Quando:16 de novembro,
às 20 horas

Aspectos da Tradição em Nepomuceno e a Cantoria Nordestina

Convidados:Geraldo Amâncio, Guilherme de Almeida Nobre e Elba Braga Ramalho, com mediação de Gilmar de Carvalho

Quando:14 de dezembro,
às 20 horas

Concertos em homenagem a Alberto Nepomuceno

Onde:no canal do YouTube do Conservatório de Música Alberto Nepomuceno

Convidados: Rodrigo Castro, Daniel Sombra, Sara Rebeca, Emanoel Belisário, Israel Alves, José Filho, Berg de Castro, Carlos Glézia, David Calandrine e Alvanes Silva

Quando:21 de outubro,
às 17 horas

Obras de piano de Alberto Nepomuceno

Convidados: Alvany Silva e outros

Quando:27 de outubro,
às 17 horas

O POVO+

Assinantes do OP+ têm acesso ao conteúdo completo deste especial sobre o centenário de morte de Alberto Nepomuceno, que conta ainda com material audiovisual e entrevista com a professora Mónica Vermes, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), especialista na obra do compositor cearense.

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