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Ô povo fuleiro!
Vida & Arte

Ô povo fuleiro!

O humor como arte e traço da identidade dos cearenses vive fases e se renova, mas segue firme nos palcos físicos e virtuais. Reportagem mergulha neste universo
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Max Petterson, humor cearense em cotidiano na França (Foto: divulgação)
Foto: divulgação Max Petterson, humor cearense em cotidiano na França

Almoço de domingo, família reunida. "Pai, achei essa pombinha aqui no mêi da rua. Deixe eu criar, deixe, pelo amor de Deus! Nunca te pedi nada. O nome dela é Bolinha". Entojado, o pai exclama: "Eita, menina véa sebosa! Solte essa pomba, menina! Ráái lavar a mão com Protex! Tu não sabe que essas bichas é cheia de doença?". A mãe replica: "Deixe de falar mal da menina, viu, Wando? Se a menina é desse jeito é porque você deu tudo que ela queria. Agora essa menina tá com mania de pegar as coisas no mêi da rua e trazer pra dêndicasa". "Ô menina véa sebosa essa filha de Bernadete, tudo que ela pega... Nã!", intromete-se outra familiar.

Juazeiro do Norte, Sobral, Quixadá, Itapipoca, Potiretama, Granjeiro ou Senador Sá —a conversa poderia ser em qualquer domingo de qualquer família do Ceará, das maiores às menores cidades do Estado. No Instagram, o caririense Max Petterson interpreta todos esses personagens e revela, entre filtros ou de cara limpa, a comédia cotidiana da "Terra do Humor". Da estridente vaia aos shows humorísticos em pizzarias e casas de shows, o cearense é, antes de tudo, um fuleiragem.

Chico Anysio, Didi Mocó, Tom Cavalcante, Meirinha, Falcão, Rossicléa, Tiririca, Adamastor Pitaco, Zé Modesto, Raimundinha, Aurineide Camurupim, Lailtinho Brega, Augusto Bonequeiro, Skolástica, Tirulipa, Espanta, Virgínia Del Fuego, Alex Nogueira, Bené Barbosa, LC Galetto, Luana do Crato, Edmilson Filho, Talita Sá, Solange Teixeira, Carri Costa, Moisés Loureiro, Yarley e Rayssa Bezerra — é humorista que não se acaba mais.

Celeiro dos grandes nomes do humor nacional, o Ceará é vocacionado à molecagem: frescar é tesouro vivo da nossa terra e ninguém sabe mangar dos outros e de si mesmo como um bom cearense. "Eu falo muito que cearense é humorista só por ser cearense. A gente ri da própria desgraça, não tem tempo ruim para cearense", defende Max Petterson. Natural de Farias Brito e radicado em Paris para estudar teatro, Max integra a nova geração do humor no Estado, que aposta na gaiatice e jocosidade do "cearês" para buscar o riso no dia a dia.

"Ninguém é humorista lá em casa, mas eu sou cearense, então o humor é uma coisa que eu já vinha carregando comigo na minha bagagem. Eu não me vejo fazendo piada, eu não conto piada. Nos meus vídeos, eu faço um humor que é muito da vivência, um humor do corpo a corpo", explica.

Referência na comédia executada sem acessórios, cenários, caracterização ou personagem — chamada "stand up comedy" —, Moisés Loureiro também integra a nova geração de humoristas cearenses. Na vida de Moisés, o humor nasceu em casa, forjado na divertida relação entre o pai sério e o irmão engraçado. "A comédia do dia a dia é a melhor que existe. Deixar os ouvidos atentos ao mundo é a melhor forma de criar piadas", compartilha.

"Eu comecei a fazer comédia em 2009, na época o stand-up estava chegando no auge junto com CQC. Eu já era fã do estilo desde 2006, quando vi o Diogo Portugal no "Programa do Jô" fazendo humor de uma maneira que eu até então não conhecia. Não tinham piadas e nem personagens, eram crônicas do dia a dia contadas por ele mesmo, relembra. "Fiquei viciado no estilo e não parei mais de consumir até subir no palco em 2009 pela primeira vez e apresentar o meu primeiro stand-up. Hoje, depois de algum estudo e pesquisas, sei que esse tipo de comédia de cara limpa e crônicas existe desde antes do termo 'stand-up' existir: Chico Anysio, José Vasconcelos, Jô Soares e vários outros já faziam seus shows dessa forma desde a década de 1950. Por isso, hoje prefiro dizer que faço comédia. Ponto. Sem precisar de um termo norte-americano para explicar o que já nos é natural e original desde sempre", aponta Moisés.

 

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