Após cerca de duas horas na estrada, chegamos ao destino, Recanto Paraíso Verde, na zona rural de Trairi. Era ainda hora para um café, por volta das 10 horas. Lá, fomos recebidos por Celina Hissa, diretora criativa da Catarina Mina, que nos conduziu, de blusa Olê, até a uma grande roda, de frente a um açude, debaixo de um senhor cajueiro, servindo de abrigo e testemunha - do tempo empregado às peças que bailavam com o vento presas à um varal enroscado à sua matéria; como também da paixão, sob o seu frescor, de um grupo de rendeiras - mais de 100, integrando 14 comunidades, todas lá, representadas - prontas para contarem, após um ano de entrega ao projeto - o percurso até colherem, com a coleção, os primeiros frutos.
A caminhada foi mesmo longa. Até o nosso encontro naquela sexta, último dia 16, aos pés do cajueiro, muita coisa se passou, inclusive uma pandemia, que continua. Foi durante este período de adversidades, com menos reuniões e ajustes para tratar (envolvendo cores mais atrativas, alinhadas à moda, e rearranjo aos papelões - espécie de ponto de partida às peças de bilro), que elas criaram e materializaram o que começou lá atrás, a partir de uma iniciativa QAIR - uma empresa de energia renovável já atuante na região - mais Catarina Mina, à frente de como partilhar e reorganizar saberes, na luta para não os deixarem morrer.
No início, houve rendeira que acreditasse no projeto, como as que relutassem - pelo que já viveram de desvalorização antes. "Dona Ritinha disse nas primeiras reuniões que não acreditava. 'Só acredito vendo, mas vou continuar só por garantia'", lembrou Celina, com um tom de alegria, sobre todo esse processo, que culminou em confiança conquistada e em conhecimento levado ao entorno, graças às oficinas com o nome de sua Catarina e ao chegar junto, para ela, e Ritinha, na roda, uma prova do que estava por vir.
"Uma marca para as rendeiras, para essa ideia de conectá-las direto ao consumidor, para que eles as conheçam", explica Celina o objetivo que a move. E tem dado certo. "Estamos felizes, mas, ao mesmo tempo, estamos vendo agora que vão vir novos desafios, que é criar novas coisas, com a renda de bilro", fala. O primeiro lote já está esgotado, com mais de 100 peças vendidas, enquanto o segundo acaba de ser anunciado, no perfil da marca, que promete, daqui por diante, reacender Trairi nas exportações dessa tipologia. A depender de Ivone Braga, com todo gás, mas sem pressa de atropelar o manejo, que é dois para lá, dois para cá, na dança do bilro.
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Líder da comunidade Serrote, Ivone é a ponte para uma das principais peças da coleção, o kimono, que diz com orgulho. "Além de levar muito tempo, tem que ter um olho, né, porque ela é toda na traça, a gente tem que fazer com muito cuidado para não errar, e é um desafio muito grande", tendo de lidar, também com a questão das cores, com mais papelões (moldes) que o habitual. "São coisas novas, né, porque a gente fazia a renda, mas era uma renda que ela era muito igual", compara, doando-se por completo, ao novo momento. "Eu faço com amor e quero ensinar o pouco que eu sei para aprender também, porque eu acho que é uma troca", justifica.
"Eu estou gostando das peças e cada vez quero fazer mais. Estamos aqui para aprender", também entende Orleane Borges, de Esperinha. "Aquele vestido, eu quero que todo mundo faça. Ele não é difícil de fazer, mas é uma experiência que tem que ter esforço e vontade de fazer. Quando termina, está lindo", orgulha-se. "Cada tira das costas do kimono, que são quatro, pega 50 bilros", revela Ivânia Souza, 25, do Tamanduá. "Nem toda rendeira faz o trabalho porque não tem a coragem de fazer o que nós estamos fazendo", observa uma do grupo, sentada ao lado.
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O trabalho de um mês, tempo estipulado para a entrega de uma peça, compartilhado entre mais de um membro de mesma comunidade, tentando encaixar pontos parecidos, é recompensado ao final. "Cada coisa vai aumentando o olhar, do ambiente, do território e das possibilidades", enxerga a socióloga Sulamita Holanda, da QAIR Brasil. "Hoje nós somos um time que trabalha junto. No futuro, seremos um parceiro, como a Catarina Mina precisa dos parceiros dela", vê Celina, contribuindo, aos poucos, a essa realidade.
Pop-up Olê
Mais informações: www.catarinamina.com
Quanto: peças de R$ 189 (Top Cropped Cuíca) a R$ 1.189 (Kimono Bioma)
Instagram: @olerendeiras