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Jean-Paul Sartre: Ateu, anarquista e ético
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Jean-Paul Sartre: Ateu, anarquista e ético

Jean-Paul Sartre dedicou parte de sua obra às questões dos judeus e palestinos. O frei Hermínio Bezerra de Oliveira analisa a importância da ética para o filósofo francês
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Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir

Jean-Paul Sartre (1905 - 1980), escritor, pensador, filósofo, teatrólogo e ativista político francês, anarquista e ateu declarado, tinha acentuada preocupação com a justiça social e a colonização de povos africanos por nações europeias. Ele apoiou a Argélia nas lutas pela sua independência (1954-1962) e seu amigo argelino Albert Camus (1913 - 1960) apoiou a França. Sartre preocupou-se com a questão dos judeus ("Réflexions sur la question Juive",1946) e com a situação dos palestinos ("La cause Palestinienne", 1947). Visitou os EUA, a China e o Japão, a Rússia, a Itália e a Espanha, a Grécia, a Argélia e o Marrocos, Cuba e o Brasil, incluindo Fortaleza, onde fez uma Conferência na UFC (O POVO, 26/09/1960). Nas décadas de 1950, 1960 e 1970, nos protestos em Paris e alhures, a presença de Sartre dava o lamiré do movimento. Em 1964 ele recusou o prêmio Nobel de Literatura, da Academia Real das Ciências da Suécia.

No seu livro, "O ser e o nada" (1943), Sartre promete dedicar uma obra ao tema da moral. Ao morrer, ele deixou um calhamaço de 2 mil páginas redigidas à mão, com o título: "Cahiers pour une Morale" (1947-1948). Sua filha adotiva, Arlette Elkain-Sartre, organizou o manuscrito e publicou-o em 1983, pela Gallimard. O livro tem 601 páginas, 53 notas e um índice remissivo com 160 palavras. Cita Deus 96 vezes. O texto traz muitas expressões em grego, latim, inglês e alemão. Escrito ao correr da pena, não foi revisto por Sartre e nem por sua colaboradora Simone de Beauvoir.

Este novo livro de Sartre - publicado três anos após a sua morte - despertou interesse entre os estudiosos do filósofo. Só existem duas traduções, uma em italiano e outra em inglês. O filósofo italiano Fabrizio Scaranzio, com doutorado na Universidade de Lovaina (Bélgica), traduziu e publicou "Quaderni per uma Morale", Roma, 1991, com 566 páginas, 226 notas e um índice remissivo com 227 palavras. O inglês David Pellauer traduziu e publicou "Notebook for an Ethics", Londres, 1992, com 583 páginas, 368 notas e um índice remissivo com 389 palavras.

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A professora de filosofia da Universidade Estadual do Ceará, Eliana Sales Paiva, com a participação do GES/UECE (Grupo de Estudo de Sartre), após 10 anos de trabalho, acaba de traduzir em português os "Cadernos para uma Moral". Eu fui convidado e estou finalizando a revisão desta tradução, que será apresentada "en première", em 2021. O texto bilíngue, em formato de brochura, tem cerca de 1000 páginas, tem 402 notas e um índice remissivo com 418 palavras. O texto original tem dificuldades: parágrafos imensos, pontuação esdrúxula, como dois pontos repetidos sequencialmente, frases incompletas, palavras em sentido figurado, expressões francesas como "afogar o peixe" e "abrir portas abertas", sendo preciso achar uma forma correspondente para exprimir a ideia.

O que fica claro no texto é a contínua - e ao que parece sincera - preocupação de Sartre com a questão ética no mundo. Para ele, toda pessoa e todos os povos têm direito a uma vida digna, daí sua preocupação com qualquer povo injustiçado. Percebe-se que ele não era de acordo com o "estabelecimento" de normas morais fixas. Ele diz: "suprime-se a moralidade instalando-a, e, ao ser supressa ela se instala" (CPM, p.11). Concretamente, como se vivencia a moral? Sartre tergiversa e não responde diretamente a esta pergunta, mas, coerente com a sua afirmação anterior, dá uma indicação clara, ao dizer: "O homem está condenado a ser livre!" ("O Existencialismo e um Humanismo", p. 9, 1946). Por isso o homem deve continuamente decidir sobre os seus atos, a partir de valores claros e de metas firmes. Para tanto, ele deve viver em processo de "contínua conversão", somente assim, ele pode ser e agir sempre de modo ético.

Frei Hermínio Bezerra de Oliveira, da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza - Cad. 01

 

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