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Fotojornalista Luciano Carneiro tem obra reunida em livro lançado nesta quinta, 22
Vida & Arte

Fotojornalista Luciano Carneiro tem obra reunida em livro lançado nesta quinta, 22

Instituto Moreira Salles, Fundação Demócrito Rocha e Secretaria da Cultura do Ceará lançam, hoje, "Luciano Carneiro – fotojornalismo e reportagem (1942-1959)". Livro reúne parte do legado do fotojornalista e do repórter cearense que casou imagem e texto no ofício humanista de reportar
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Gago Coutinho e Luciano Carneiro, Poços de Calda, MG, junho de 1948 (Foto: Acervo Luciano Carneiro Filho/IMS)
Foto: Acervo Luciano Carneiro Filho/IMS Gago Coutinho e Luciano Carneiro, Poços de Calda, MG, junho de 1948

Finalmente parte do precioso legado do fotojornalista cearense Luciano Carneiro ganha as páginas de um livro. Nem o gap de mais de 50 anos no vão da desmemória coletiva tirou a perenidade das imagens e dos textos do repórter para a história do jornalismo e da fotografia engajada. O biscoito fino "Luciano Carneiro – fotojornalismo e reportagem (1942-1959)", organizado por Sergio Burgi, é fruto de uma parceria entre o Instituto Moreira Salles (IMS), a Fundação Demócrito Rocha (FDR) e a Secretaria da Cultura do Ceará (Secult).

O rapaz de vida breve e de produção intensa quis ser testemunha da transformação do mundo, e dele mesmo, principalmente entre os anos de 1948 a 1959. Temporada em que atuou, freneticamente, nas páginas da revista O Cruzeiro e outras publicações.

Era ele e uma Leica no centro dos acontecimentos e a obstinação por um olhar humanizado dos fatos. O cearense, que hoje leva o nome de uma avenida em Fortaleza, fotografou e escreveu, por exemplo, sobre a entrada “triunfal” de Fidel Castro e suas colunas revolucionárias em Havana.

Luciano Carneiro, paraquedista e aviador civil, havia entrado pelos céus com as tropas norte-americanas no solo cubano dias antes da derrota de Fulgencio Batista. “Depois de três anos de ausência, desde a famosa carta de 7 de julho de 1955, combatendo nas montanhas, vivendo existência de 'maquis', Fidel Castro, de barba lendária, voltou à sua querida Havana. Foi um 'rentrée' que teve moldura de apoteose”, descreve em O Cruzeiro na fotorreportagem “As duas faces da libertação de Cuba”, de 31 de janeiro de 1959.
O fotógrafo, que deixou Fortaleza aos 22 anos de idade para se instalar no Rio de Janeiro, foi um passageiro do mundo por causa do jornalismo. Profissão que encarava como um ofício para “gente descente". "O repórter deve ser necessariamente um idealista, colocando o bem-estar geral acima dos interesses particulares”, definiu Carneiro em uma entrevista à revista Manchete, em janeiro de 1956.

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Sergio Burgi, coordenador de fotografia do Instituto Moreira Salles, define Luciano Carneiro como um dos expoentes de uma geração de fotorepórteres comprometidos com a objetividade da narração dos fatos, mas ao mesmo tempo, construtores de uma narrativa humanizada próxima ao jornalismo literário.

Quando Luciano Carneiro chegou à redação do O Cruzeiro, do todo-poderoso Assis Chateaubriand e seus Diários Associados, a escola dominante era a do controverso David Nasser e do fotógrafo francês Jean Manzon. Os dois seguiam o manual da espetacularização e do sensacionalismo nas páginas da importante revista ilustrada. O repórter sênior, que tinha um texto primoroso apesar do caráter miúdo, seguia a linha de “pior para os fatos”. E contava ainda com fotos, na maioria das vezes, “montadas” pelo parceiro Manzon.

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“As fotografias de Luciano diferenciavam-se claramente também das produzidas por Jean Manzon, fotógrafo francês convidado para reformular O Cruzeiro na década de 1940, que introduziu a fotorreportagem como base para o novo produto editorial cujo objetivo era a circulação da revista”, lembra Sergio Burgi.

Na contramão da linha editorial, em flancos que muitas vezes significavam conflitos com editores da revista e com a área de publicidade, Luciano Carneiro, José Medeiros e Enrico Bianco formaram outra linha de pensamento na Redação. Eram parte de um grupo que valorizara o reportar com imagens, textos e uma diagramação miradas no jornalismo “estritamente comprometido com a ética” e fora dos “interesses ideológicos do grupo de comunicação e de seus dirigentes”.

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Nem sempre toda pauta seria assim na revista, mas Luciano Carneiro e uma geração conseguiram assinar um idealismo reporteiro. Documentaram fatos de forma objetiva e, ao mesmo tempo, costurados por nuances de olhares críticos. É que tinham o credo pela contribuição para a formação da opinião pública e até mesmo influenciariam nas políticas sociais no Brasil e no mundo.

Carneiro foi fotógrafo e repórter de grandes coberturas arrojadas e percorreu caminhos próximos a de Henri Cartier-Bresson, da agência Magnum. Personagem entrevistado e idolatrado pelo cearense. O rapaz de Fortaleza foi correspondente de guerra aos 25 anos de idade. Pulou de paraquedas, fotografou o salto, as investidas de soldados na Guerra da Coreia e os descaminhos da população.

Esteve no cotidiano da União Soviética de Nikita Kruschev durante a Guerra Fria. Documentou o Egito na pós-revolução entre 1954 e 1956 no país comandado por Muhammad Naguib e Gamal Abdel Nasser. Registrou a reconstrução de Hiroshima. Entrevistou o médico Albert Schweitzer – Nobel da Paz. Acompanhou parte da trajetória do desaparecido político José Pórfírio de Souza. Cobriu secas no Nordeste do Brasil...

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Precocemente, aos 33 anos de idade, Luciano Carneiro teve sua devotada vocação pelo reportar interrompida por um acidente aéreo. Deixou a vida quando retornava de Brasília, em 22 de dezembro de 1959, depois fotografar o primeiro baile de debutantes da nova capital, às vésperas da inauguração do Planalto.

O livro Luciano Carneiro – fotojornalismo e reportagem (1942-1959), agora, como afirma Fabiano Piúba, secretário da Cultura do Ceará, “revela um Luciano Carneiro para além de um nome de uma avenida. É uma outra leitura de um cearense que viajou e mirou o mundo em meio aos principais acontecimentos internacionais de seu tempo. Um fotorepórter de uma produção que extrapolou seu tempo e ganhou relevância histórica”.

Luciano Carneiro – fotojornalismo e reportagem (1942-1959)

256 páginas

R$ 129,50 (nas livrarias e site do IMS)

Lançamento on-line, hoje, 22, às 18 horas, com a conversa "Imagem e engajamento: o fotojornalismo humanista da década de 1950 e a fotografia documental contemporânea. Com Erika Zewes, Sergio Burgi, Tiago Santana e Vitor Moriyama

Transmissão ao vivo pelo canal no YouTube do IMS

Ponto de Vista: Um raio de sol

Quando criança, eu costumava visitar a minha avó, Maria do Rosário, que morava na avenida Luciano Carneiro, no bairro da Aerolândia, em Fortaleza. O nome Luciano Carneiro sempre esteve presente na minha vida. Acabei me tornando fotógrafo, e só muito tempo depois conheci o Luciano Carneiro fotógrafo, o mesmo que dava nome à conhecida avenida que nos levava ao aeroporto, e onde ficava a casa da minha avó. Confesso que fiquei impressionado com as imagens que vi. O humanismo que imprimia em suas fotos, aliado a uma certa ousadia em cortes e perspectivas, marcaram minha memória ao ver suas reportagens no Brasil e no mundo.

Luciano era alguém que não se contentava somente com o registro. Ele ia além, seja na estética, seja na profundidade e densidade de suas reportagens. E, acima de tudo, no compromisso social de sua profissão. Ética e engajamento político sempre pautaram o seu trabalho. Um fotógrafo com personalidade, com coragem para transgredir as regras e convenções dos modelos de jornalismo praticados na época. Considerado um revolucionário, um homem além do seu tempo, deixou marcas irreversíveis no fotojornalismo do Brasil. Sua fotografia contribuiu para a reflexão sobre o País, mas também sobre os contextos sociopolíticos de vários países do mundo. Uma fotografia corajosa, que transcendeu os seus limites geográficos e profissionais.

Infelizmente, os fotógrafos das gerações mais recentes do Ceará, assim como eu, conheceram o trabalho do Luciano tardiamente. Agora temos a possibilidade de nos aprofundar por meio desta importante publicação. Um livro fundamental para a compreensão da sua trajetória na sua completude e intensidade.

A fotografia é encontro. Encontro do fotógrafo com o seu lugar, com seus afetos, suas crenças, seu desejo de conhecer o mundo e contribuir para a transformação do homem a partir da reflexão provocada pelas imagens. E esse pensamento era o que guiava o trabalho do Luciano Carneiro. Um fotógrafo apaixonado pela fotografia e pelo voo. Aliás, um homem de muitos voos, profissionais e reais, pois, além de fotógrafo, foi piloto e paraquedista. A sua amiga e parceira de reportagens, a também cearense Rachel de Queiroz, escreveu em texto publicado em O Cruzeiro sobre a morte prematura de Luciano Carneiro: "Amigos, acabamos de enterrar um raio de sol!".

É comum dizer que o Ceará é a "Terra da Luz". O termo deve-se ao pioneirismo na abolição dos escravos no País, mas também pode ser associado à luminosidade local, símbolo potente que faz da luz um caminho de expressão artística, de construção de memória e de transformação social. Viva a luz que possibilita a fotografia. Viva o raio de sol que foi Luciano Carneiro e que transformou o fotojornalismo brasileiro. Sua luz estará sempre a iluminar as novas gerações de fotógrafos.

Tiago Santana é fotógrafo

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