Durante anos, a cineasta dinamarquesa Lone Scherfig coletou pensamentos, ideias, imagens. "São coisas que me preocupam, ou que eu quero celebrar, e talvez um tanto de sonho de como eu gostaria que o mundo fosse", disse ela. Assim nasceu "Um Inverno em Nova York", disponível para aluguel e compra nas plataformas digitais Now, Vivo Play, iTunes/Apple TV, Sky Play, Google Play e YouTube. É uma espécie de fábula sobre a sociedade moderna, baseada na cidade americana.
Para lá escapa Clara (Zoe Kazan), a jovem mãe de duas crianças e dona de casa fugindo do marido abusivo, um policial (Esben Smed). É onde moram Alice (Andrea Riseborough), uma enfermeira que também é voluntária num abrigo para os sem-teto, Jeff (Caleb Landry Jones), um rapaz que não dá certo em nada, e Marc (Tahar Rahim), que acaba de sair da prisão, graças a seu advogado John Peter (Jay Baruchel), e que consegue um emprego no restaurante russo decadente de Timofey (Bill Nighy).
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À exceção do rebuscado restaurante, os outros cenários estão longe da Nova York de cartões-postais. São hospitais, abrigos para sem-teto, pequenas igrejas, becos. "Muitos americanos vivem mês a mês", disse Scherfig. "A distância entre ter uma vida normal e simplesmente terminar na rua é muito pequena, especialmente para olhos europeus."
Para ela, é evidente que o sonho americano vendido em tantos filmes e séries de televisão é possível, mas não é uma regra. "Eu sempre acho perigoso quando celebridades dizem que, se você quiser algo de verdade, vai conseguir. É uma mentira." Em outubro deste ano, mais de 57 mil homens, mulheres e crianças dormiram em abrigos na cidade de Nova York.
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Ao mesmo tempo, Scherfig sempre ficou impressionada com a disposição dos americanos para a caridade. "Mesmo que você não tenha ninguém nesse mundo, estranhos vão ajudar", disse a diretora de "Italiano para Principiantes" (2000) e "Educação" (2009). Apesar de todos os dramas desses personagens feridos, "Um Inverno em Nova York" é otimista.
Originalmente, os personagens eram mais velhos do que os atores que acabaram sendo escolhidos. "E quando Bill Nighy entrou no projeto, eu alterei bastante o roteiro. Timofey teria 35 anos. Mas Nighy pode fazer qualquer papel", disse ela sobre o ator, com quem já tinha trabalhado em Sua Melhor História (2016). Normalmente, Scherfig sente que gostaria de conhecer os personagens que estão no papel. Aqui, foi diferente. "Eu sinto falta dos atores. Gostaria de trabalhar com eles novamente."
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A chegada do filme, que abriu o Festival de Berlim no ano passado, em plena pandemia dá um sabor especial. "Estamos sentindo falta de pessoas, não só das que conhecemos, mas de pessoas em geral", disse ela, que espera inclusive que ajude a aumentar a conscientização sobre os diferentes tipos de abuso doméstico, seja físico, mental ou financeiro, como acontece com Clara no filme. "Não foi à toa que a Camilla Parker Bowles, duquesa da Cornualha, falou que é preciso intervir quando há suspeita de violência doméstica. As mulheres são muito boas de esconder esse tipo de coisa. Precisamos ficar alertas para detectar os sinais."