Proclamação de existência
Pessoas não-binárias existem. Esta leitura, tanto quanto a escrita, já é uma proclamação. Escrevo com corpo, em estado de criação, as palavras que agora afirmo. Pessoas não-binárias existem, e não dependem da aprovação de ninguém para continuar andando nas calçadas, dormindo nas camas e redes, trabalhando, tomando banho e fazendo o que tiverem que fazer em seu dia, afirmar sua existência. Existimos ao passo que nos criamos - criando, assim, outros referenciais para nossa vida. A não-binariedade não é fuga do binário, não é a fuga das noções instituídas do que é homem ou mulher. Estamos criando outras linhas de movimento, de transmutação, de transgressão e de transição que apontam para diversos caminhos, e não lidamos com a binariedade e a cisgeneridade como referência, nem de fuga. E quando falo isso, proponho que entendamos a binariedade e a cisgeneridade também como criação - o fato é que o gênero inteiro é uma invenção, historicamente reforçada, e que algumas facetas desse gênero são mais aceitas e menos violentadas que as outras. Pessoas não-binárias existem - e eu escrevo isso porque estou aqui, existindo e falando com vocês. Eu existo.
Levi Banida é uma pessoa não-binária, professora, interartista fortalezense e Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Artes pela Universidade do Ceará
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Novos acessos
O dispositivo hegemônico da cisgeneridade tem como ponto de partida, na maioria das vezes, a impossibilidade de acessos para pessoas trans e travestis. Dentro do circuito das artes, a captação de recursos para projetos, vide editais públicos e diálogo com patrocinadores de iniciativas privadas, ainda é bastante inacessível. O domínio da cadeia produtiva do circuito artístico ainda é gerenciado por pessoas cisgêneros com pouco interesse em fomentar o trabalho de pessoas trans. Falta disponibilidade para conhecer e incentivar financeiramente os trabalhos de pessoas trans e travestis, criando possibilidades de novos acessos descentralizadores. Em Fortaleza, ainda existem poucas iniciativas que façam circular essa formação, o que ocasiona uma centralização desse conhecimento nas mãos de poucas pessoas. Precisamos lutar por políticas afirmativas para a nossa população trans e as áreas de formação precisam se abrir para essa perspectiva.
Noá Bonoba é artista multilinguagem, curadora e Mestra em Artes no Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal do Ceará