Em 2019, a cantora Di Ferreira decidiu finalizar todos os compromissos de sua agenda para que, no ano seguinte, tivesse tempo de refletir sobre a própria carreira profissional. Apesar do orgulho que detém em relação ao seu trabalho, ansiava por novas perspectivas. Esse período de reflexão - quando até as redes sociais e os aplicativos de mensagem ficaram em segundo plano - coincidiu com o isolamento social rígido. Distante da rotina que mantinha e sem contato físico com o mundo exterior, entrou em um processo de criação espontâneo. Começou a mexer em um dispositivo no celular e realizou vários experimentos sonoros. Foi assim que surgiu o EP "No tempo do tempo", que será lançado nesta quinta-feira, 28, e estará disponível em todas as plataformas digitais.
No álbum, há duas canções de sua autoria: "Suave" e "Revolução do Amor Cósmico". Além delas, faz a releitura de "Um Pouco de Chão", de David Ávila, e "Portal da Cor", de Milton Nascimento. "Eu estava pensando em fazer 'Encontros e Despedidas', do Milton Nascimento. Fiquei cantarolando e fui ouvir o álbum da música. A primeira faixa era 'Portal da Cor'. Quando eu ouvi, veio um choro arrebatador, porque a letra fala de ir para o mar e para a natureza, que são meus maiores escapes. Mas, naquele momento, eu não podia sair", lembra a artista sobre o processo de escolha dos títulos. Assim decidiu a primeira produção que integraria o disco.
Para terminar os arranjos, teve apoio do produtor musical Pepeu_JC, que foi o primeiro a garantir que aquele produto inicial poderia ser estendido. Mas o trabalho, da concepção à divulgação, contou com uma equipe prioritariamente feminina. "Faz um tempo que tinha essa vontade. No Carnaval, trabalhei com algumas meninas. Eu, enquanto profissional mulher, ainda preciso amadurecer neste sentido de ocupar espaços mais técnicos da música. Tem várias 'manas' que me inspiram muito. E os homens da equipe estão abertos ao diálogo para trocarmos experiências", indica.
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O EP marca um novo momento na carreira de Di Ferreira. "Meu estilo de performance sempre foi mais expansivo. Nos últimos tempos, venho me tornando mais introspectiva, porque sou uma pessoa que pensa muito. Essa grande virada de chave sofreu a consequência da quarentena", explica. Segundo ela, essa recente abertura em sua trajetória convida a olhar para o outro e para si.
Mas sua relação com o tempo também mudou. "Sempre tive uma relação complicada com o tempo. Questionava-me: 'por que eu estudo cinco dias e folgo dois?'. Conforme os anos foram passando, passei a entender as estruturas sociais, econômicas e históricas. E descobri que meu tempo tem se conectado cada vez mais com meus ciclos", afirma. Ela percebe, agora, que o tempo segue um fluxo próprio: enquanto é possível ter controle de algumas situações, outras são imprevisíveis no decorrer da vida. "Aprendi a confiar em uma coisa maior que eu", ressalta.
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O lançamento de "No Tempo do Tempo" acontece nesta quinta-feira, 28, às 20 horas, em seu canal do Youtube. O show, gravado na sala de sua casa, terá duração de meia hora. Além de percorrer todas as faixas do trabalho recente, também terá apresentação da música "Menina Amanhã de Manhã", de Tom Zé. Esta canção, que já era um mantra para Di Ferreira desde a morte de seu pai, ganhou novos significados após uma entrevista que assistiu em um programa de televisão. Na letra, o compositor brasileiro entoa: "Menina, amanhã de manhã/ quando a gente acordar/ quero te dizer/ que a felicidade vai/ desabar sobre os homens". "Descobri que se trocar 'felicidade' por ditadura', a música ainda faz todo sentido. Nas duas situações, ela conforta ou denuncia. Fiquei impressionada", recorda.
A artista ainda planeja realizar um material sobre seu processo criativo e divulgar nas redes sociais. "Mais que fazer um show, quero falar sobre esse período de trabalho. Eu não faço a menor ideia de onde o EP vai chegar, porque ele está acompanhando o tempo da vida. Hoje é quarentena, amanhã, vamos ver o que virá", exprime.
No tempo do tempo
Quando: quinta-feira, 28, às 20 horas
Onde: Youtube de Di Ferreira