Logo O POVO+
A palavra permanente de Capinan: compositor tropicalista completa 80 anos
Vida & Arte

A palavra permanente de Capinan: compositor tropicalista completa 80 anos

Aos 80 anos, José Carlos Capinan escreve letras de música e poemas diariamente. Sem cansar, ele pretende contribuir para a cultura do País o máximo que puder
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Capinan celebra 80 anos com live nas redes sociais do Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab) (Foto: divulgação)
Foto: divulgação Capinan celebra 80 anos com live nas redes sociais do Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab)

José Carlos Capinan costuma se deitar na rede, pegar seu celular e fazer o trabalho que já domina há seis décadas: compor. Aos 80 anos, completados nesta sexta, 19, pretende contribuir para a cultura brasileira até quando for possível. Continua tão ativo que na terça, um dia antes da entrevista ao O POVO, havia realizado uma composição inédita: "Ainda me lembro o pijama mijado do filósofo/ Jean Paul Sartre/ Que passou pela Bahia/ E vendia jornais escritos em Pequim/ Pelas ruas de Paris/ O homem é um projeto que se faz/ Assim ele dizia e falava de utopias/ que hoje já não se falam mais/ Em Salvador lembrou-se do seu amor Simone/ E pedia quente o seu acarajé/ Era um branco Gege/ Se pode haver/ E via o mundo de forma bem diferente/ Podes crer".

"Começo a escrever o que vem no espírito, na minha alma", explica. O texto acima, por exemplo, coloca em evidência um dos mais importantes filósofos do século passado e contrasta seus sentimentos utópicos com a desesperança que a sociedade atual enfrenta. "Acho que estamos esquecendo o amanhã, a luz, por causa dessa coisa louca que é o obscurantismo, a pandemia e a dificuldade do fazer cultural", afirma. Em meio à conjuntura social e política que os brasileiros vivem, o artista também começou a se perguntar com frequência sobre o amor em suas canções. "O amor é político. Hoje, amar faz parte de uma sociedade nova, utópica. O amor tem um peso muito grande. Ele é revolucionário", defende.

Leia também | Comer com axé! Confira onde provar o melhor da comida baiana em Fortaleza

Mas o setor musical não é a única área em que Capinan trabalha. Ele também é coordenador do Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (Muncab), no centro histórico de Salvador. A instituição busca dar visibilidade à influência da matriz africana no Brasil. "O negro trouxe uma contribuição fantástica para nossa civilização, no fazer, no sentir, na culinária, na medicina, na religiosidade, na música… Eles trouxeram uma contribuição inestimável, que não tem visibilidade, uma vez que o preconceito e o racismo impedem que mostremos essa importância", explicita.

Com décadas de funcionamento, o espaço enfrentou dificuldades durante o segundo semestre de 2020 por causa do atraso da liberação de recursos do Ministério do Turismo. "Eu acho que a extinção do Ministério da Cultura foi um atraso, um retrocesso, que prejudica as ações culturais e que nos atingiu", afirma. Por causa da situação, o lugar se sustentou por meses com o auxílio dos próprios funcionários e do público em geral. Agora, a terceira parcela do convênio que mantém com o órgão público foi liberada, o que garante mais um ano de atividades.

Leia também | Confira dicas de programação cultura para o fim de semana

O cotidiano do artista é um esforço contínuo para a manutenção da memória cultural do País nas diversas áreas. Ele define sua trajetória citando o poema de Carlos Drummond de Andrade: "No meio do caminho havia uma pedra… E por aí vai. Essa pedra cresce, a gente a ultrapassa, e ela continua a nos oferecer outro obstáculo. Mas a marcha não para, ela sempre vai funcionando um pouco, conforme vai dando, em cada situação que o País passa politicamente". Para o letrista, o importante é perseverar. "Vou tentar sobreviver o máximo possível a toda essa loucura, a essas dificuldades, trabalhando", completa.

Influência na música brasileira

Nascido no interior da Bahia, em Esplanada, Capinan se mudou para Salvador após ingressar na faculdade. No local, conheceu vários músicos e passou a contribuir ativamente para o cenário artístico da época. Começou escrevendo peças teatrais e estreou no universo da música com "Ladainha" (1966), composta em parceria com Gilberto Gil e gravada por Nara Leão. Neste mesmo ano, compôs "Canção para Maria", com voz de Paulinho da Viola, que ficou em terceiro lugar 2° Festival de Música Popular Brasileira, promovido pela TV Record. Mas foi em 1967 que obteve maior destaque quando a canção "Ponteio", interpretada por Edu Lobo, ganhou a 3ª edição do evento.

Suas parcerias continuam. Produziu a música "Soy Loco Por Ti, América" também ao lado de Gil. Colaborou com a letra "Miserere Nobis", do disco "Tropicália: ou Panis et Circensis" (1968) e, com isso, se tornou um dos tropicalistas. O movimento, que surgiu durante a Ditadura Militar (1964-1985), se propunha a incorporar várias linguagens e estéticas com o objetivo de repensar o Brasil.

Trabalhou com Jards Macalé, Fagner, Elizeth Cardoso, Elis Regina, Maria Bethania, João Bosco, Moraes Moreira, Tom Zé e outros. "Minha história foi construída com muitos parceiros. Essa parceria foi um diferencial imenso no meu trabalho. Talvez eu seja um dos autores que tem mais parceiros na música brasileira em gêneros diversos", comenta.

Além de ser responsável pelas letras de várias canções, ainda escreve poemas. Tem, em seu repertório, os livros "Confissões de Narciso" (1989), "Balança mas Hai Kai (1989) e "Uma Canção de Amor às Árvores Desesperadas" (1996). "Eu não vejo diferença entre letra de música e poema. Estão apenas em suportes diferentes. Não penso como se houvesse diferencial. A palavra tem uma relação direta com a música. A palavra poética, sobretudo, tem muita ligação com a música", diz.

Capinan em documentário

Capinan participa do documentário "O Silêncio que Canta por Liberdade", dirigido por Úrsula Corona e idealizado por Omar Marzagão. Na obra, o letrista explica um pouco sobre o surgimento do samba nos navios negreiros. As gravações foram feitas dentro do Museu Nacional da Cultura-Afro-Brasileira, em Salvador.

Leia também | Single inédito celebra 55 anos de Vander Lee

A série de oito episódios, que tem previsão de lançamento para o segundo semestre desse ano, busca resgatar os impactos que a Ditadura Militar causou na música nordestina. Com documentos originais, imagens de arquivo e depoimentos de artistas, traz a memória de um Brasil pouco abordado na História.

Além de Capinan, outros nomes estarão presentes, como Gilberto Gil, Gal Costa, Fausto Nilo, Ednardo, entre outros. O conteúdo é original da Sete Artes Produções e terá primeira exibição no canal Music Box Brazil.

O que você achou desse conteúdo?