"A essência do teatro que procuramos é pulsar, movimento e ritmo", defendeu o diretor de teatro polaco Jerzy Grotowski (1933-1999). Referência no teatro político, experimental e ritualístico, a diretora, pesquisadora e professora Herê Aquino revisita sua trajetória nas artes cênicas iniciada ainda em 1990. Ao longos dos meses de março e abril, o projeto #HerêAquinoMundo apresenta ao público uma vasta programação com exibição de cinco espetáculos, exposição virtual, publicação de livro, lançamento de documentário audiovisual e rodas de conversa. Em pauta, o percurso da artista nos bastidores e palcos cearenses. As atividades são virtuais e gratuitas.
Formada em Direção Teatral pelo Instituto Dragão do Mar — antes, Instituto de Arte e Cultura do Ceará (IACC) —, Herê é movida por esse teatro que pulsa ao ritmo do mundo. O projeto #HerêAquinoMundo, aprovado pela Lei Aldir Blanc, elabora registro do trabalho realizado pela diretora junto ao Grupo Expressões Humanas, à Cia Prisma e à Cia Bravia. Nesta quarta, 17, a programação da mostra se inicia com a exibição do infantil "Putz, a menina que buscava o sol" (Cia Prisma). Toda a programação será veiculada no canal do Grupo Expressões Humanas no YouTube.
Nas quartas-feiras de março, os espectadores acompanham "Îandé Tekoha" (Expressões Humanas) no dia 24 e "O ano que não acabou" (Expressões Humanas), no 31. Estão previstas para o final de abril as estreias de dois novos trabalhos da diretora cearense, "Des-Amor-Daçar" (Cia Prisma de Artes) e "Das que ousaram desobedecer" (Cia Bravia).
No livro "Diário de Bordo, um estudo sobre processos teatrais", um mapeamento das montagens dos cinco espetáculos apresentados nestes dois meses de projeto será realizado. A obra traz textos de artistas com quem Herê dividiu sala de ensaio em seus trabalhos recentes.
O POVO: Qual a importância de cartografar os processos de construção da obra cênica?
Herê Aquino: O teatro é uma arte muito efêmera, ela acaba a cada apresentação — na outra apresentação, já é algo diferente. O "Îandé Tekoha" teve um ano de processo, por exemplo. Muita coisa é construída nesse processo de montagem e, geralmente, essas coisas se perdem, somem. Nós achamos que seria muito importante, principalmente para vários estudantes de teatro, o registro desses processos desenvolvidos pelos grupos teatrais. Isso serve de base para pessoas que estão fazendo teatro. O documentário, a exposição e o livro que estamos lançando apresentam os processos de montagem desses cinco espetáculos apresentados no projeto.
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OP: Seus trabalhos têm marcante compromisso sociopolítico. Esse engajamento guia sua direção teatral? O que caracteriza suas obras?
Herê: Esse ponto, para mim, é muito importante. Antes de sermos artistas, somos cidadãos, somos atuantes na vida. Todos os meus trabalhos têm esse olhar social — como o tema do espetáculo está repercutindo na contemporaneidade e historicamente em termos de memória. Vou exemplificar: "Îandé Tekoha" significa "nosso território", é sobre a questão indígena. Visitamos, então, várias comunidades indígenas, participamos de diversas atividades e manifestações na luta pela demarcação de terras. Em "O ano que não acabou", abordamos a ditadura militar em 1964, conversamos com pessoas que vivenciaram esse período. Já em "Das que ousaram desobedecer", a pesquisa se desenvolveu em cima de 12 mulheres cearenses que foram presas e torturadas no período da ditadura. Esses arcabouços de memória são transformados em texto, em tema; a experiência que vivemos junto à realidade é transformada em arte. Eu me preocupo muito com as discussões que os espetáculos podem trazer para a sociedade. Outro ponto muito importante no meu trabalho é a linha estética que eu busco, muito ligada ao teatro ritualístico. A grande preocupação é como é que eu me comunico com o meu público. Em elementos cênicos e brechas dentro do texto, como eu crio possibilidades de participação do espectador e do ator. É muito forte, na minha direção, quebrar essa ação dramática.
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OP: A experiência do teatro em grupo também é muito forte na sua trajetória. Qual é o lugar do coletivo no pensar artes cênicas?
Herê: Nós estamos passando por um momento de muita dificuldade em conseguir fazer com que o teatro de grupo permaneça. São poucos recursos, poucos acordos que se têm para cultura, é sempre uma luta muito grande. Sai secretário da Cultura, entra secretário da Cultura e parece que estamos lutando sempre pelas mesmas coisas ou pelo menos para não perder o que conquistamos. No trabalho de grupo, num processo que dura um ano, como segurar o ator, o diretor e o técnico dedicados completamente ao trabalho se não temos como pagar isso? Além de ser um investimento para receber depois, passa muito também pelo aprendizado — nós aprendemos a cada trabalho. Se eu trabalho há 10 anos com um ator, num teatro de grupo, é muito mais fácil o trabalho porque construímos juntos ao longo desses anos. Muita coisa fica nesse percurso, tanto em relação ao meu trabalho com os atores, quanto o deles comigo. O teatro de grupo é muito importante para elaborar esses processos de trabalho. Quando se junta um elenco só para montar um espetáculo, aparentemente não fica nada depois. A importância do teatro de grupo é a continuidade, a descoberta, a experiência. O teatro é a arte da presença. Essa troca entre espectador e ator, o olhar, o cheiro, o tocar. O teatro sobreviveu a mil pandemias, a várias revoluções, tudo pela força do encontro do ser humano com outro ser humano.
#HerêAquinoMundo
Quando: março e abril de 2021
Mostra de Espetáculos às quartas-feiras
Dia 17, às 15 horas: Putz, a menina que buscava o Sol
Dia 24, às 19 horas: Iandé Tekoha
Dia 31, às 19 horas: O ano que não acabou
Onde: YouTube do Grupo Expressões Humanas
Gratuito
Informações: @grupoexpressoeshumanas