Democratizar o acesso à informação e popularizar o movimento vegano são os propósitos dos irmãos Leonardo e Eduardo Santos, criadores da página Vegano Periférico. Com origem na periferia de Campinas, em São Paulo, os gêmeos somam mais de 350 mil seguidores no Instagram. Os ativistas pela causa animal protagonizaram o documentário “Vegano Periférico”, lançado pelo Mídia Ninja em novembro de 2020, no qual refletem sobre a ligação do veganismo com demais questões sociais.
O POVO: Como ocorreu a transição de vocês para o veganismo?
Eduardo Santos: A minha aconteceu em setembro de 2015, quando caiu um caminhão com porcos e eu tive contato com imagens, vídeos de ativistas da internet, falando sobre esses assuntos, filmando os resgates e o que as pessoas estavam fazendo. E eu disse: "porque os animais estão sendo tratados dessa forma?". Se eu não concordo que façam isso com cães e gatos, eu também não concordo com o que fazem com outros animais. Só que, até então, eu não tinha informação de absolutamente nada, eu não conhecia ninguém, não tinha referências. Eu parei de comer carne e a transição foi ocorrendo de forma gradual.
Leonardo Santos: Quando meu irmão se tornou vegano, eu tinha uma dificuldade tremenda de me alimentar de vegetais, frutas, enfim, isso me impediu um pouco de me aprofundar. Mas eu pensava que o movimento vegano, a causa pela libertação animal, fazia muito sentido. Então eu precisava estudar, precisava pesquisar, para saber o que tinha por trás da indústria da exploração animal e ver se eu queria contribuir com isso. Porque realmente, o que tem por trás da indústria é muito triste, muito bizarro. Eu pensei: “agora que eu tenho informação, eu vou tirar tudo de uma vez porque eu vou ter que comer outras coisas”. Eu considero uma mudança radical, mas considero bom porque abriu um novo mundo de alimentação e eu passei a me alimentar muito melhor. Foi um processo mais psicológico do que um processo de adaptação alimentar.
OP: Como surgiu a página Vegano Periférico?
ES: Eu e o Leonardo, nós somos periféricos, nós crescemos na região de Campo Grande, em Campinas, estudamos em escola pública a vida inteira. Quando eu me tornei vegano e comecei a frequentar mais espaços para conhecer o movimento, eu me senti excluído. A partir disso, várias feiras, eventos, perfis no Instagram, propagavam o movimento de forma excludente e eu não conseguia entender muita coisa. Queria criar uma página, mostrar que é possível você ser pobre, periférico, ter uma educação sabotada, e poder ser um ativista, falar pelos animais e seres humanos, eu tinha isso muito claro na minha cabeça. Quando a Vegano Periférico fica exposta, nós expomos nossa vida, a gente não monta cenário. E o Brasil hoje é um país extremamente desigual, você falar de veganismo, de alimentação saudável, sem um recorte de classe, sem mostrar que as pessoas na periferia não tem as mesmas condições, os mesmos acessos que as pessoas de classe média, não vai crescer.
OP: Quais pontos ainda afastam o movimento da maior parte da população brasileira?
ES: Primeiro, eu acho que a publicidade hoje, como ela está estruturada, é um grande empecilho para que as pessoas consigam acessar outras coisas. A nossa cultura é muito carnista, tem uma abrangência no consumo de origem animal, a publicidade acaba usando essa forma para estruturar esse consumo na sociedade.
LS: Acho que o principal ponto é a questão da informação. O sistema mantém as pessoas em uma ignorância, porque depende dessa extrema ignorância da maior parte da população, e essa questão de mudanças de hábitos fica por parte de uma pequena parte. Quando as pessoas de classe média vão falar sobre veganismo, elas vão falar a partir de uma visão da sua bolha partindo de produtos industrializados, esquecendo a complexidade cultural que existe no consumo de carne. Não tem como a classe C, que a gente faz parte, ter esta visão de consumo do mundo, porque eles não têm poder de consumo. Quando a gente pauta a nossa luta em cima de consumo, a gente afasta a maior parte da população.
OP: Como o veganismo se relaciona com outras pautas sociais?
LS: Eu venho fazendo uma reflexão sobre como o veganismo se tornou interseccional, como a gente está ampliando as pautas. Antes de eu e o Du virarmos veganos, a gente já tinha um posicionamento político, a gente já tinha uma visão de mundo construída. Só que a gente não levou essa bagagem para o veganismo, a gente não fazia essa relação. Nós percebemos que você ser de periferia, e você ser vegano, era algo complexo. No meio de tudo isso, a gente começou a pensar que isso se relaciona com outras pautas no processo de construção com o Vegano Periférico, e o ponto principal de tudo isso era esse sistema capitalista que explora os humanos e os animais. As explorações não são as mesmas, cada uma tem sua especificidade, sendo que a lógica por trás é a do sistema capitalista, pautada na questão do lucro, objetificação de corpos. A gente começou a tratar ela como ponto central.
OP: O consumo de alimentos de origem animal está relacionado com a pandemia?
LS: O consumo de produtos de origem animal está atrelado a pandemia, muitas doenças modernas são zoonóticas. Provavelmente, outras pandemias virão se a gente não melhorar. Pensando estruturalmente, tem muito a se falar. A gente está atuando numa área de extrema vulnerabilidade social e pensando no veganismo, lutando por isso, e as pessoas passando fome, o que gera muito questionamento. Primeiro, as pessoas têm que ter sua existência garantida, sua liberdade garantida, para ela poder pensar em outra coisa, a gente sempre faz esse recorte, a gente precisa saber onde a pessoa está. Não tem como você falar sobre veganismo, uma mudança de hábito, sem ter noção do que está acontecendo na sociedade. A gente está no meio de uma crise econômica e como a gente vai falar de veganismo de modo acessível para todos sem fazer esse recorte? Esses recortes dentro do veganismo são de extrema importância, até mesmo para a popularização.
OP: Qual mensagem vocês querem enviar ao público com o documentário “Vegano Periférico”?
LS: O documentário surgiu de uma forma inesperada, para que a gente pudesse falar o que a gente pensa. O veganismo é revolucionário, você pode consumir produtos mais baratos, de agricultura familiar, melhorar a sua saúde, não tomar mais remédios e ainda não contribuir para a exploração animal. A gente quis passar a nossa vivência, a representatividade, mostrando que pessoas de periferia fazendo o trampo, e ver que o veganismo não se trata de consumo, se trata de informação, consciência, empatia e justiça. Como o Du fala no final do documentário: "a gente só quer mostrar que é possível", essa é a mensagem.
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Internet como aliada
Foi através de uma alimentação sem produtos de origem animal que a psicóloga Gabrielle Azevedo, criadora do perfil Indico para Vegetarianos no Instagram, recuperou o prazer na alimentação. Criada desde cedo em uma casa com muitos animais, Gabrielle entendeu cedo que os bichos não deveriam ser uma parte das suas refeições. Conforme foi se familiarizando inicialmente com o vegetarianismo e, em seguida, com o veganismo, Gabrielle descobriu inúmeras possibilidades de receitas sem exploração animal.
O perfil Indico Para Vegetarianos, hoje com mais de 8 mil seguidores, surgiu da necessidade de Gabrielle encontrar locais com opções veganas em Fortaleza no ano de 2018. "Quando eu comecei a divulgar os lugares que tinham opções veganas, começou a cair a minha ficha, que não eram tão pequenos os empreendimentos veganos", pontua. Hoje, a plataforma é um meio de disseminação da visão de mundo da psicóloga, que enxerga o vegetarianismo estrito como uma necessidade social.
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Desde o início, as regras do perfil criado por Gabrielle se baseiam em divulgar locais e produtos que estejam de acordo com o gosto e a ética dela e de Danielle Carvalho, que também coordena a conta. Desde o início do perfil até hoje, Gabrielle nota o crescimento do mercado vegetariano e vegano local. "Olhando para essa situação, de microempreendedores que não tem emprego garantido, não tem CLT, eles precisam daquela renda. E se eles estão estabelecidos, estão conseguindo vender e crescer, dá uma certeza que o veganismo está crescendo e se consolidando na cidade", analisa.
As redes sociais também foram a maneira em que Gwen Minot, 27, encontrou para ampliar informações sobre as possibilidades existentes em uma alimentação que utiliza como base comidas feitas com ingredientes de origem animal. No seu perfil no Instagram, ela descobre novas receitas e compartilha com quem tem interesse em conhecer mais sobre o assunto.
O pontapé para o aprofundamento no veganismo aconteceu há dois anos, quando descobriu que vários alimentos de origem animal são classificados pela OMS como cancerígenos, além do sofrimento causado pela indústria. "Me sinto muito mais honesta quando não consumo nenhum tipo de alimento de origem animal, minha saúde melhorou, meu humor, além de ter ampliado minha visão de mundo", diz.
Para quem está interessado em começar a comer mais alimentos de origem vegetal, Gwen considera importante a busca pelo assunto, através de documentos disponíveis em plataformas gratuitas, como o Youtube. Também considera importante a experiência de testar novos alimentos e temperos ao se aventurar em momentos na cozinha.