Entre a primeira colisão e a queda, passaram-se 102 minutos, intervalo no qual os dois edifícios de mais de uma centena de andares e quase 500 metros de altura vieram abaixo duas décadas atrás, em Nova York, Estados Unidos. Era terça-feira, 11 de setembro, e todos se lembram de onde estavam e o que faziam quando a tragédia se abateu.
Ao final daquele dia, aproximadamente 2,6 mil pessoas teriam morrido apenas na queda do World Trade Center, símbolo do poder econômico norte-americano e alvo de ataque terrorista meticulosamente planejado e executado.
Às 10h28min daquela manhã de céu limpo, a torre norte do WTC desabou, depois de ter sido atingida por um Boeing da American Airlines (voo 11) com 92 pessoas - 11 tripulantes e 81 passageiros, entre os quais cinco sequestradores.
Antes dela, a torre sul tivera o mesmo destino. Impactada por outra aeronave da United Airlines (voo 175) às 9h03min, desmoronara 56 minutos depois, às 9h59min. Entre uma queda e outra, um avião (voo 77 da American Airlines) caíra contra o Pentágono, deixando 125 mortos, e mais um (voo 93) fora derrubado numa área aberta da Pensilvânia, matando outras 50 pessoas.
Em 11/9 de 2001, o único cidadão norte-americano fora do planeta era o astronauta Frank Culbertson, que havia embarcado na Estação Espacial Internacional dias antes. Do espaço, a centenas de quilômetros de altura, Culbertson testemunhou a queda da segunda torre do WTC.
O relato do astronauta é parte do livro "O único avião no céu: uma história oral do 11 de setembro" (Todavia), do historiador e jornalista Garrett M. Graff. Recém-lançada, a obra reencena os acontecimentos daquele dia terrível na esteira do qual o mundo mergulhou em outra ordem, demarcando de vez a entrada no século XXI.
"A cerca de 640 km de distância", conta Culbertson, "eu conseguia ver Nova York nitidamente. O clima era impecável nos Estados Unidos naquele dia, e a única atividade visível era a grande coluna de fumaça preta que saía de NY e avançava sobre Long Island e o Atlântico".
Segundo ele, ao dar zoom na câmera, viu "uma enorme bolha cinzenta que envolvia basicamente todo o sul de Manhattan".
"Eu estava vendo a queda da segunda torre", lembra.
A essa história, que abre o volume, seguem-se outras centenas. Reunidas, formam uma espécie de coro que reconta, em ordem cronológica, os eventos do dia que nunca cessou de lançar uma sombra sobre o futuro, principalmente dos próprios EUA, que mergulhariam numa guerra cujo encerramento se daria apenas 20 anos.
"Passei três anos coletando as histórias dos que viveram e sobreviveram ao 11 de setembro: onde estavam, do que se lembram e como aquilo mudou sua vida", escreve Garrett M. Graff.
O livro resulta de pesquisa em fontes diversas, entre museus e outros equipamentos que conservam a memória, e consulta direta a acervo oral dos últimos 17 anos anteriores à sua publicação - ele foi originalmente lançado em 2019, em inglês.
Cinco mil histórias de sobreviventes do 11/9 foram agrupadas, das quais 2 mil separadas, ouvidas e depois lidas. Desse recorte, 500 foram escolhidas a partir do olhar de dezenas de jornalistas e historiadores sob a batuta do autor.
O papel de Graff se constitui em organizar essas vozes, de modo que, ao encadeá-las, ampliem e confiram sentido umas às outras dentro de um fluxo mais vasto de relatos das vítimas. Trata-se do 11 de setembro contado por quem sobreviveu àquele dia, cronologicamente repassado, da véspera até o ato final.
Dividido em capítulos que seguem o curso dos acontecimentos, do estupor com o choque e a explosão das torres à determinação do presidente George W. Bush para que caças F-16 abatessem qualquer aeronave sequestrada, "O único avião no céu" justapõe essas narrativas, obtendo um efeito que, mesmo tanto tempo depois, ainda surpreende por sua força e crueza.
Uma dessas vozes recuperadas por Graff é a de Dan Nigro, comandante de operações do Corpo de Bombeiros de NY. "Ninguém jamais tinha ouvido um arranha-céu desabar, mas assim que eu ouvi, soube o que estava acontecendo", conta o profissional.
Outra é de John Cartier, irmão de um eletricista que estava trabalhando na torre sul minutos antes de sua ruína. "No começo era um som distante, mas aí foi chegando cada vez mais perto", recorda. Esse som lhe pareceu indescritível.
O paramédico James Dobson descreve o barulho da queda das torres "como uma avalanche", e a contadora Constance LaBetti diz que "realmente achamos que o mundo ia acabar".
Hospedado no hotel Marriott, que ficava exatamente entre as torres norte e sul, Frank Razzano revê aqueles momentos finais: "Olhei pela janela e aquilo que até então fora um dia claro e ensolarado havia subitamente ficado preto como o breu. Era como se tivesse descido uma cortina de concreto e ferro, como a cortina de um palco de teatro. Dava para sentir a torre se desfazendo ao redor".
O médico legista Charles Hirsch tem uma lembrança que ainda o assombra: os corpos despencando do céu, gente desesperada que se viu encurralada pelo fogo e a fumaça e cuja única alternativa era saltar do alto das torres para o vazio. "É uma visão e um barulho que jamais esquecerei. O som horrível do choque", fala.
Tal como em "Vozes de Tchernóbil", da ganhadora do Nobel Svetlana Aleksiévitch, que revisita o desastre nuclear a partir das pessoas comuns, a reprodução da oralidade em "O único avião no céu" assegura que cenas e sons já vistos sucessivamente não se banalizem e caiam no esquecimento.
O único avião no céu, de Garrett M. Graff
Editora Todavia
560 páginas - R$ 99