O plágio é uma das discussões mais duradouras - e burocráticas - da indústria da música. Basta algumas pesquisas rápidas para encontrar nomes populares que já se envolveram nessa polêmica. No fim da década de 1970, por exemplo, o cantor britânico Rod Stewart lançou o hit "Da Ya Think I'm Sexy?". Entretanto, não demorou muito para que o brasileiro Jorge Ben Jor percebesse a semelhança com sua composição "Taj Mahal" e entrasse na justiça por direitos autorais. Mais tarde, os dois chegaram a um acordo porque, de fato, existia a cópia. Situação parecida aconteceu com o músico Luiz Bonfá em 2013, que alegou que "Somebody That I Used To Know", do Gotye, tinha trechos que plagiavam sua obra "Seville". O brasileiro também venceu.
Agora, em menos de um mês, dois casos ganharam os holofotes: a cantora Olivia Rodrigo teve que adicionar os créditos de Hayley Williams e Josh Farro, do Paramore, em sua música "Good 4 U", após fãs a compararem com "Misery Business", da banda de rock. Já na última sexta-feira, 10, o compositor brasileiro Toninho Geraes divulgou que entrará com um processo contra Adele por defender que "Million Years Ago" foi copiada de "Mulheres", popularizada na voz de Martinho da Vila. Uma pergunta, porém, pode permanecer na mente das pessoas que entendem pouco sobre o processo de composição musical: o que se caracteriza como plágio?
"O plágio se configura quando uma pessoa se intitula como sendo autor de uma determinada obra que foi criada por um terceiro. É quando alguém se apropria no todo ou em partes de uma composição musical, seja na melodia ou na letra", explica Ricardo Bacelar, advogado, músico e presidente da Comissão de Cultura e Arte da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
De acordo com o especialista, há composições que, apenas ao escutar, já é possível perceber que foi um conteúdo plagiado. A prova, porém, depende de várias análises técnicas e também subjetivas. "A prova formal é feita através de um técnico, na justiça. Geralmente os juízes nomeiam técnicos que vão fazer uma análise da música e vão apresentar as razões", comenta sobre a ação.
O profissional pontua que há questões delicadas que envolvem as canções. "Existem músicas que, às vezes, são parecidas, mas algumas delas não têm muita originalidade. No blues, é tudo muito parecido, então algum trecho remete a outro. A prova é subjetiva porque existem algumas teses que falam de tantos compassos para você provar que houve plágio ou não. Mas, por exemplo, a Sinfonia nº 5 de Beethoven é tão original que você já sabe de quem é. Esse componente é subjetivo porque depende de qual melodia você está tratando", continua. O mais importante, segundo ele, é mostrar que houve a intenção de copiar.
Segundo Jéssica Fontenele, advogada com foco na produção cultural, a "regra dos oito compassos" não existe. "Trata-se de uma verdadeira lenda urbana. Por ela, seria configurado plágio quando houvesse, em uma música, mais de oito compassos semelhantes com a original. Não existe essa regra, não existe essa medida", afirma. A também assessora jurídica diz que existirá cópia quando houver apropriação dos elementos que tornam a música original. "Isso pode ocorrer pela apropriação de partes mais robustas ou menores da música, pela repetição da harmonia, da estrutura de acordes ou da melodia. Mas o que se pode dizer é que, de fato, a maioria dos plágios na música ocorre pela apropriação indevida da melodia, muito mais do que pela harmonia ou pelo ritmo", explica.
O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker. Confira o podcast clicando aqui
Sample X Interpolação
Olivia Rodrigo se tornou a mais recente "princesa do pop" da indústria internacional. A artista quebrou recordes mundiais com o seu disco de estreia, "Sour" (2021). Apesar da popularidade, semelhanças entre as faixas do disco com outras já lançadas pipocaram nas redes sociais. Um desses casos foi "Good 4 U", single divulgado em maio deste ano, que tem similaridades com "Misery Business", da banda Paramore.
Três meses depois, a artista adicionou Hayley Williams e Josh Farro, do grupo estadunidense, nos créditos da composição. Os dois foram creditados pela interpolação da obra. Já em "Deja Vu", outra faixa em que os compositores foram adicionados posteriormente, foram colocados Taylor Swift, Jack Antonoff e St. Vincent por causa de "Cruel Summer".
Mas qual a diferença entre "sample" e "interpolação"? "Sample é a utilização de um trecho de uma gravação de música em uma outra obra original. Ou seja, você utiliza não apenas a composição, mas a própria gravação, a própria versão. Você recorta um trecho e cola na sua obra original, que é inteiramente diferente daquela", cita Jéssica Fontenele. Já o segundo termo é uma recriação. "A interpolação se dá quando uma gravação é recriada nota por nota, refletindo a composição que foi interpolada. Ou seja, a interpolação está diretamente ligada à melodia, ao uso da melodia ou de partes da melodia de uma música em outra", explica a advogada.
Processo de criação
A música é feita a partir de influências. No momento de criação, o compositor reúne referências de seu próprio repertório para criar algo novo. Por causa disso, em determinados momentos, uma canção pode se assemelhar a alguma já lançada, mesmo que não tenha sido a intenção inicial. "Nós temos 12 notas musicais. A variação rítmica é muito grande. Mas, vez por outra, acontece de você pegar um pequeno trecho e notar que ele é parecido com alguma outra coisa", comenta Mimi Rocha, guitarrista, produtor e diretor do Centro Cultural Belchior.
"Nem sempre o compositor, quando ele está compondo, pensa nisso. Pode ser que, depois, ele pense: 'eu achei isso parecido com aquilo'. Recentemente, recebi uma música e lembrei de outra. Então já mandei para a pessoa perguntando se ela não achava que estava parecido. Existem vários casos assim", diz. Entretanto, ressalta que ter influências é diferente de plagiar. "Posso fazer um reggae influenciado por Bob Marley, mas não necessariamente estou copiando a melodia ou a harmonia de alguma música dele".
Ele avalia que, há algumas décadas, o uso de samples se tornou comum. E, contanto que haja créditos, não é plágio. "O sample está sendo usado cada vez mais. A pessoa coloca o baixo de uma música, a bateria de outra, o rifle da guitarra de outra e vai criando. Hoje a música está sendo feita muito no copia e cola, até porque a obra produzida em computador é muito visual", pontua.