Um publicitário lida com a morte de seu companheiro e vai à fazenda da família do amado para o funeral. Se esse já é um contexto trágico para ele, a situação se complica ainda mais quando percebe um aspecto importante: sua sogra nunca tinha ouvido falar dele e muito menos sabia que o filho era gay. A partir disso, se vê envolto em uma trama de mentiras elaborada pelo seu cunhado e passa a ter uma relação conflituosa com aquela família. Com confrontos entre “verdades e mentiras” e tendo como pano de fundo a homofobia, as engrenagens desse cenário são apresentadas no espetáculo “Tom Na Fazenda”, que será exibido neste fim de semana no Theatro São João, em Sobral, e no Cineteatro São Luiz, em Fortaleza.
A peça participa do Circuito Cearense de Teatro e está em cartaz desde 2017. Baseado no original “Tom À La Farme”, o espetáculo tem direção de Rodrigo Portella e é protagonizado por Armando Babaioff, Gustavo Rodrigues, Soraya Ravenle e Camila Nhary. A montagem recebeu três troféus e indicações no Prêmio Cesgranrio de Teatro e foi vista por mais de 25 mil pessoas.
A tradução e a adaptação do texto, originalmente escrito pelo dramaturgo canadense Michel Marc Bouchard, foram feitas pelo ator Armando Babaioff. A iniciativa veio a partir do interesse de apresentar para o diretor Rodrigo Portella “o impacto” causado pela trama do texto. “Eu queria saber se esse texto comunicava às pessoas o que ele me comunicou”, comenta o intérprete do publicitário Tom.
Assim, aproveitou para fazer adaptações do conteúdo original de aspectos que não fariam tanto sentido quando trazidos para o contexto brasileiro, como menções à “geografia” canadense, à neve e à presença de coiotes - que, na peça brasileira, foram substituídos por “cachorros do mato”.
Essa alteração, aliás, veio a partir de sugestão do próprio Bouchard. Em constante contato com Babaioff ao saber de seu interesse pela peça, foi ele também quem apontou que o ator deveria interpretar Tom na adaptação brasileira. “Enigmático”, Tom, na visão de Armando, tem “um pouco de todos nós”.
Vindo da “cidade grande”, o personagem foi criado nessa montagem a partir das “interlocuções” permitidas por ele no texto, com interações com a plateia e com os outros personagens. Além disso, carrega uma “assinatura” de Babaioff e influências das características dos outros personagens envolvidos na trama. “Eu entendia que ele precisava ser diametralmente oposto aos outros e completamente distante daquela realidade rural”, defende.
Essas diferenças de personalidades contribuem para os conflitos presentes “nas duas horas intensas de trabalho” da peça. “É uma história que te prende do início ao fim e na qual você é pego de surpresa o tempo inteiro, porque, independentemente de você se identificar ou não com os personagens, a peça tem um plano de fundo que é a homofobia no passado deles. Isso acaba resultando na relação que esses personagens têm entre si no presente”, alega Babaioff.
Com isso, a montagem acaba falando sobre “a forma em que cada um se relaciona com a sua própria verdade e com a sua própria mentira”. A trama reúne muitos conflitos e, conforme “as verdades” vão surgindo, o que “parecia ser algo muito bucólico e tranquilo” se mostra “um verdadeiro inferno” em que nenhum personagem foi sincero um com o outro. “Cada reminiscência do passado chega de uma maneira muito forte”, complementa Armando.
Diante de tudo isso, o ator demonstra a “potência” que o espetáculo reúne: “O que acontece no palco é um pouco da experimentação humana. É um pouco do humano em sua máxima potência, exibindo o seu melhor e o seu pior. É um texto muito forte, muito potente e que se comunica com os dias de hoje”.
O espetáculo está em cartaz desde 2017. Evidentemente, com tanto tempo em cena, o elenco se familiarizou com a peça e interiorizou as nuances e os detalhes envolvidos na montagem. Entretanto, com a pandemia, um aspecto importante precisou ser alterado: a preparação dos atores.
Nesse retorno presencial, Armando Babaioff alega que o elenco “fez um pacto” de tentar ao máximo não sair de casa para diminuir a exposição ao coronavírus. Além disso, passaram a fazer rotineiramente testes para detecção do vírus e exames para a realização dos ensaios. Em sua mala de viagem para o Ceará, o ator garante que trouxe muitas máscaras. A preocupação, como afirma, tem que vir de todos, “com cada um fazendo sua parte”.
A peça estreou ainda em 2017, mas, na visão do diretor Rodrigo Portella, “já envolta no movimento conservador” presente hoje no Brasil. Assim, para ele, o espetáculo ganha ainda mais importância para sua exibição. “É um trabalho que conseguiu atingir um público imenso e que consegue falar com esse público até hoje. Então, acho que é importante para o nosso País pensar sobre isso neste momento”, relata Portella.
Pensando “estrategicamente”, ele comenta que a produção tentou trabalhar durante a trama alguns aspectos sutis que podem acabar surgindo em posicionamentos homofóbicos - às vezes não tão evidentes, mas que afetam mesmo assim. Dessa maneira, o enredo consegue reunir situações que provoquem reflexões nos espectadores.
Esses, por sinal, são muito importantes para o teatro, e Rodrigo Portella comemora a retomada - ainda que gradual - das atividades culturais de forma presencial. Ele lembra do impacto que a paralisação causada pela pandemia teve no setor e, depois de reinvenções e adaptações de espetáculos ao mundo on-line, destaca a relevância de expandir as apresentações para municípios do Interior, por exemplo, e não só nos “grandes centros”.
Para a estreia neste fim de semana, Armando Babaioff se sente “extremamente feliz” e “grato” pela oportunidade de continuar com o projeto e, além disso, trazê-lo para teatros de cidades para além da região Sudeste.
"Tom Na Fazenda"
Quando: hoje, 7, em Sobral, às 20 horas; 9 e 10 em Fortaleza, às 19 e às 18 horas, respectivamente
Onde: Theatro São João (Sobral) e Cineteatro São Luiz (Fortaleza)
Quanto: Sobral: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia); Fortaleza: plateia inferior, R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia), plateia superior, R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia)
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