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Arte Def: produção artística de pessoas com deficiência no mercado cultural
Vida & Arte

Arte Def: produção artística de pessoas com deficiência no mercado cultural

Com reflexão sobre acessibilidade nas diversas linguagens, O POVO reúne narrativas de artistas PcD (sigla da Organização das Nações Unidas para pessoa com deficiência), influenciadores e especialistas
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Reportagem especial "Arte Def: debates para além do capacitismo", disponível no O POVO Mais, reúne narrativas e obras de artistas PcDs. Para Todos Verem: a imagem é uma colagem digital feita por Isac Bernardo, designer do O POVO, em que estão dispostos, da esquerda para direita: Vinícius Scheffer, proprietário da Art! em Libras (um homem branco de cabelos e barba castalho, vestido com blusa vermelha de algodão e que sinaliza em libras); a cantora Eulá (uma mulher branca de cabelos castanhos bem curtos e apenas duas tranças finas e longas, logo acima das orelhas, vestida com uma blusa marrom de malha canelada e fazendo o sinal de paz e amor com as mãos); a psicóloga, humorista e influenciadora digital Lorrane Silva, conhecida como Pequena Lo (uma mulher branca de cabelos pretos lisos e médios, com olhos castanhos escuros. Ela está sorrindo e em pé, apoiada com o braço esquerdo em sua muleta. Usa um vestido verde com manga 3/4 e cinto com fivela grande); a atriz Samanta Quadrado (uma mulher branca de cabelos lisos castanhos com mechas em tons de loiro. Sobre um fundo cinza, ela sorri com a boca fechada. Usa óculos de grau com armação larga e rosa, uma blusa de gola alta colorida e uma jaqueta jeans de cor rosa com tarrachas metálicas); e o artista e produtor cultural Leonardo Castilho (um homem negro de pele clara, com cabelos cacheados curtos e castanhos. Tem olhos castanhos claros, bigode, barba e cavanhaque. Está sorrindo, com os dentes à mostra. Veste uma blusa de gola alta com estampas pequenas de estrelas num degradê de marrom, cinza e preto. Também usa uma jaqueta preta de tecido chamois, uma espécie de veludo) (Foto: Isac Bernardo)
Foto: Isac Bernardo Reportagem especial "Arte Def: debates para além do capacitismo", disponível no O POVO Mais, reúne narrativas e obras de artistas PcDs. Para Todos Verem: a imagem é uma colagem digital feita por Isac Bernardo, designer do O POVO, em que estão dispostos, da esquerda para direita: Vinícius Scheffer, proprietário da Art! em Libras (um homem branco de cabelos e barba castalho, vestido com blusa vermelha de algodão e que sinaliza em libras); a cantora Eulá (uma mulher branca de cabelos castanhos bem curtos e apenas duas tranças finas e longas, logo acima das orelhas, vestida com uma blusa marrom de malha canelada e fazendo o sinal de paz e amor com as mãos); a psicóloga, humorista e influenciadora digital Lorrane Silva, conhecida como Pequena Lo (uma mulher branca de cabelos pretos lisos e médios, com olhos castanhos escuros. Ela está sorrindo e em pé, apoiada com o braço esquerdo em sua muleta. Usa um vestido verde com manga 3/4 e cinto com fivela grande); a atriz Samanta Quadrado (uma mulher branca de cabelos lisos castanhos com mechas em tons de loiro. Sobre um fundo cinza, ela sorri com a boca fechada. Usa óculos de grau com armação larga e rosa, uma blusa de gola alta colorida e uma jaqueta jeans de cor rosa com tarrachas metálicas); e o artista e produtor cultural Leonardo Castilho (um homem negro de pele clara, com cabelos cacheados curtos e castanhos. Tem olhos castanhos claros, bigode, barba e cavanhaque. Está sorrindo, com os dentes à mostra. Veste uma blusa de gola alta com estampas pequenas de estrelas num degradê de marrom, cinza e preto. Também usa uma jaqueta preta de tecido chamois, uma espécie de veludo)

Samanta Quadrado, 33, é "uma jovem com Síndrome de Down que tem muita história para contar". Assim ela se define em seu canal no YouTube. A atriz, digital influencer e youtuber integra o elenco de "Um Lugar ao Sol", novela da Rede Globo. Escrita por Lícia Manzo, a produção aborda as diversas relações humanas. Na trama, Samanta dará vida à Mel. A obra pretende contar a história da jovem com Síndrome de Down (classificada como uma deficiência intelectual), para tentar desestruturar o preconceito da crença na incapacidade de pessoas com deficiência (PcD), a chamada cultura do capacitismo.

Recentemente, a cantora baiana Eulá, 30, destacou a representatividade de pessoas com deficiência visual durante a fase de audições do reality show The Voice Brasil, também da Globo. Na apresentação, a artista utilizou uma bengala verde — objeto de identificação internacional para pessoas com baixa visão. Ela dedicou o momento "para todas as mulheres deficientes visuais". E completou: "Há pouco tempo, conversei com uma que, por muito tempo, o mundo só era a casa dela. Isso não precisa acontecer. Esse meu momento, aqui, é para honrar todas elas e, de uma certa forma, encorajar a saírem de suas casas, a se tornarem visíveis, para que as coisas se modifiquem".

Essas histórias se inserem num contexto de representação ainda muito recente — mas cada vez mais pulsante — no mercado do entretenimento e das artes como um todo. Para refletir sobre acessibilidade e inclusão em diversas linguagens, além de estéticas e mais vivências, O POVO reúne narrativas de artistas PcD (sigla da Organização das Nações Unidas para pessoas com deficiência), obras, influenciadores e especialistas no assunto.

Com o objetivo de garantir os direitos das PcDs e criminalizar atos discriminatórios, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (EPD), também chamado de Lei Brasileira de Inclusão, foi criado em 2015. Além disso, este ano de 2021 marca os 30 anos da Lei de Cotas (8.213/91) para assegurar a inserção da pessoa com deficiência no mercado de trabalho. Assinada em 24 de julho de 1991, a Lei estabelece que empresas com mais de 100 funcionários destinem vagas para beneficiários reabilitados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e para PcDs.

Apesar dos avanços relacionados à luta da pessoa com deficiência no mercado de trabalho e em mais áreas do País, a conjuntura é um tanto mais complexa — principalmente quando se trata do Brasil contemporâneo. Em 2019, um projeto de lei com o propósito de desobrigar a contratação de PcDs nas empresas foi encaminhado pelo Governo Federal ao Congresso. Após a repercussão negativa, o caráter de urgência da proposta foi removido. Em meados de agosto de 2021, o ministro da educação Milton Ribeiro afirmou que as crianças com deficiência "atrapalham" as demais em sala de aula. Ele ainda disse que a convivência era "impossível" entre os pequenos.

Esse debate também se estende ao mercado das artes, da cultura e do entretenimento. A adaptação de cinemas, por exemplo, está prevista na Lei Brasileira de Inclusão. Contudo, desde dezembro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro (PL) prorrogou o prazo para que salas de cinema sejam acessíveis a cegos e surdos. Na edição da Medida Provisória (MP 1025/20) — que contempla a determinação — de janeiro de 2021, o prazo foi adiado para 1º de janeiro de 2023.

A procura por serviços de acessibilidade cultural cresceu durante a pandemia da Covid-19 — aponta Vinícius Scheffer, proprietário da Art! em Libras. A empresa oferece uma série de atividades de consultoria, ação, produção e formação em acessibilidade cultural, especialmente com o diálogo voltado à comunidade surda. Segundo o também artista, professor, pesquisador e intérprete de Libras, a acessibilidade cultural vai além da compreensão sobre os recursos. "Passa por processos estéticos, por fruição de pensamento, fruição visual e de multissensorialidade".

Ao longo do tempo, várias obras e equipamentos culturais ganharam recursos de acessibilidade. Janela com a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e intérpretes; audiodescrição; piso tátil; braille; dispositivos sonoros; modificação na estrutura de espaços são alguns exemplos. Aqui, fala-se não só sobre a inclusão de PcDs como público consumidor, mas também sobre suas representações na dinâmica da indústria cultural. Algo que deixa de ser mero acessório e passa a perceber as diversas existências no mundo. 

Ivan Baron faz sucesso na internet falando sobre sua rotina e anticapacitismo com muito humor #PraTodosVerem: Ivan é um homem branco com cabelos e olhos castanhos escuros. Está sorrindo, usa óculos de grau com armação grossa preta, blusa rosa de algodão com a personagem Lisa Simpson estampada, jaqueta preta de couro, calça jeans com lavagem clara e tênis colorido robusto. Com a mão esquerda, Ivan se apoia com uma bengala dourada. Já com a mão direita, faz um gesto com os dedos médio e indicadores apontados para baixo e o polegar ao lado. Ivan tem a tatuagem de uma rosa na mão direita.  Atrás de Ivan, há uma grande árvore com uma copa que ocupa toda a parte superior da foto. O solo é composto por uma grama verdinha e pouco crescida
Ivan Baron faz sucesso na internet falando sobre sua rotina e anticapacitismo com muito humor #PraTodosVerem: Ivan é um homem branco com cabelos e olhos castanhos escuros. Está sorrindo, usa óculos de grau com armação grossa preta, blusa rosa de algodão com a personagem Lisa Simpson estampada, jaqueta preta de couro, calça jeans com lavagem clara e tênis colorido robusto. Com a mão esquerda, Ivan se apoia com uma bengala dourada. Já com a mão direita, faz um gesto com os dedos médio e indicadores apontados para baixo e o polegar ao lado. Ivan tem a tatuagem de uma rosa na mão direita. Atrás de Ivan, há uma grande árvore com uma copa que ocupa toda a parte superior da foto. O solo é composto por uma grama verdinha e pouco crescida

Influenciador da Inclusão

"Influenciador da inclusão, potiguar e politizado" — é a forma como Ivan Baron se apresenta na mídia social Instagram. Por meio da produção de conteúdo para a internet, ele tem repercutido vivências e lutas das PcDs. As postagens passeiam pela seriedade mas, ao mesmo tempo, ganham um tom humorístico. Numa publicação, ele diz que vai mostrar "as vantagens de ter um amigo com deficiência". Noutro momento do vídeo, responde: "Ter um amigo".

Ivan soma mais de 410 mil seguidores entre os aplicativos Instagram e TikTok. Nascido no Rio Grande do Norte, ele foi acometido por uma infecção alimentar em estágio grave aos 3 anos. A doença deixou, como sequela, uma Paralisia Cerebral. Por isso, Ivan tem deficiência física e mobilidade reduzida.

Com o livro digital (o chamado e-book) "Guia Anticapacitista", o autor convida a uma leitura inclusiva. A publicação conta com a adaptação da Redesign For All, uma rede de inovação e design inclusivo. No conteúdo, Ivan alerta sobre concepções, preconceitos e uso de termos pejorativos para se referir à pessoa com deficiência.

Em entrevista, o influenciador fala sobre o interesse pelo mundo da internet, o termo "influenciador da inclusão", a representatividade no mercado das artes e do entretenimento, além do combate ao capacitismo.

O POVO - Quando surge o interesse pelo mundo da internet?

Ivan Baron - Sempre gostei de navegar pelo universo virtual, mas sempre como anônimo. Até que chegou um ponto que eu não me sentia mais representado naquele ambiente. Praticamente todas as pessoas que eu seguia não me representava, eram todas pessoas sem deficiência, aquilo me levou a reflexão e um certo incômodo, até que eu decidi ocupar o outro lado, de criador de conteúdo. Tento sempre trazer uma pegada pop e bem divertida para os meus conteúdos, já que os mesmos possuem uma temática bem pesada.

OP - Como nasceu o termo "influenciador da inclusão"?

Ivan - Na verdade, as pessoas começaram a me chamar de "blogueirinho da Inclusão", mas, para mim, blogueiro é quem tem blog. Eu me considero mais uma pessoa que influencia para que a inclusão aconteça na nossa sociedade, entende?

OP - Qual sua análise sobre a representatividade no mercado das artes e do entretenimento?

Ivan - Ainda estamos muito atrasados quando falamos em representatividade de pessoas com Deficiência, o que temos atualmente é um representação de uma parte da nossa comunidade, que é enorme e muito diversa!

OP - Como você vê o papel da internet nesse contexto?

Ivan - Mais de fiscalização e cobrança. Qualquer ato capacitista que acontecer, estamos lá atentos para denunciar e pedir mudanças.

OP - Como combater o capacitismo?

Ivan - Sempre recebo muita pergunta sobre o capacitismo, como identificar expressões, enfim… para facilitar o aprendizado dessas pessoas que têm dúvidas, eu resolvi juntar todas as respostas em um e-book, uma espécie de Guia mesmo, com uma linguagem fácil e adaptada para leigos que nunca sequer tiveram contato com o assunto. Além de que conto um pouco da minha história.

Guia Anticapacitista
De Ivan Baron
28 pág.
Quanto: R$ 9,90
Disponível em site

Acompanhe
Instagram: @ivanbaronn
TikTok: @ivanvbaron

Carlos Viana é jornalista do O POVO e será mediador de debates na Semana dos Museus, que nesta edição discute inclusão e diversidade
Carlos Viana é jornalista do O POVO e será mediador de debates na Semana dos Museus, que nesta edição discute inclusão e diversidade

Análise: "Na plateia ou no palco"

Por Carlos Viana*

Por muitos anos, as pessoas com deficiência estiveram à margem da sociedade no que diz respeito às artes. Era comum, por exemplo, espetáculos de teatro sem nenhum recurso de acessibilidade, ou museus sem um programa para incluir esse público. Essa realidade, porém, vem mudando nos últimos anos, após muita luta do segmento de pessoas com deficiência e a visão de alguns gestores de espaços culturais, que viram a necessidade de se adaptarem para receber esse público.

A partir daí, alguns locais começaram a disponibilizar recursos de acessibilidade como rampas, textos em braille e intérprete de Libras. Hoje, muito já foi alcançado, mas muita coisa ainda precisa ser atingida, para que as pessoas com deficiência possam verdadeiramente serem incluídas nos espaços culturais e terem acesso à arte. Braille, audiodescrição, piso tátil, rampas e intérpretes de Libras são fundamentais, mas faz-se necessário que os espaços culturais se abram para receber não só o público, mas também artistas com deficiência.

Também urge uma formação de todo o quadro de profissionais desses locais, para que possam atender com qualidade pessoas com algum tipo de deficiência. Aliás, o próprio conceito de acessibilidade vem mudando. Antes, a implementação desses recursos era tida como algo voltado apenas para pessoas com deficiência. Hoje, entende-se que outros públicos também podem se beneficiar desses recursos. Um idoso pode se beneficiar da audiodescrição; uma grávida pode utilizar uma rampa.

Continuemos lutando para que a acessibilidade e inclusão cheguem verdadeiramente nas artes, e que pessoas com ou sem deficiência possam interagir em pé de igualdade, seja na plateia ou no palco.

*Jornalista, atua na área de Opinião do O POVO, bem como na Rádio O POVO/CBN (FM 95,5 / AM 1010 / Cariri FM 93,5), e é cego

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Na reportagem especial completa "Arte Def: debates além do capacitismo", assinantes do OP+ encontram dados, mais narrativas de artistas PcDs, além de vídeos com espetáculos, música e bate-papos sobre a potência da produção artística de PcDs

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