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80 anos de Nara Leão: artistas repercutem legado da cantora
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80 anos de Nara Leão: artistas repercutem legado da cantora

Hoje, 19, a cantora Nara Leão completaria 80 anos de idade. Mais de 30 anos após sua morte, em 1989, personalidades reverberam o legado deixado pela artista
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Artista Nara Leão completaria 80 anos nesta quarta-feira, 19 (Foto: Divulgação/Globoplay)
Foto: Divulgação/Globoplay Artista Nara Leão completaria 80 anos nesta quarta-feira, 19

"Sentia-se nela o gosto da liberdade que tinha sido conquistada com dificuldade e decisão. Por isso todos os seus gestos e todas as suas palavras pareciam nascer de um realismo direto e sério, mas resultavam delicados e graciosos". No livro autobiográfico "Verdade Tropical", lançado em 1997, o cantor Caetano Veloso se debruça sobre o primeiro contato com Nara Leão. À época, a jovem de vinte anos era um símbolo da bossa nova e traçava seu caminho rumo ao estrelato. O baiano destaca, entre as características pessoais, o jeito despojado e a maneira "espiritualmente aristocrática de ser objetiva" da cantora.

Nara Lofego Leão nasceu no dia 19 de janeiro de 1942, em Vitória, capital do Espírito Santo. A segunda filha do advogado Jairo Leão e da professora Altina Lofego demonstrou inclinação para a música na pré-adolescência, já residente do Rio de Janeiro, onde abrigava os amigos em seu apartamento no bairro de Copacabana para as reuniões de cantoria. Tom Jobim, João Gilberto, Roberto Menescal e Carlos Lyra se juntavam para escrever canções que viriam, posteriormente, a compor o movimento bossa nova.

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Em trechos do documentário "O Canto Livre de Nara Leão", disponível na plataforma Globoplay, Nara brinca ao falar que era tratada como mascote em meio aos homens. No entanto, aprendia canções no violão como ninguém. Estreou oficialmente como cantora em 1963, no show "Pobre Menina Rica". Desde então, a carreira da artista traçou um paralelo contínuo com a música popular brasileira. "A voz da Nara Leão, na minha compreensão, tem um timbre lindo de afinação precisa. É limpo, doce, bem articulado", considera a cantora e regente de música Aparecida Silvino.

Nara se afastou da bossa para, eventualmente, explorar o viés artístico nacional. O show "Opinião", realizado ao lado de Zé Ketti e João do Vale, e o disco homônimo de estreia em 1964, marcou a música de protesto na iminência da Ditadura Militar brasileira. Afinal, a política era norte para o trabalho da cantora. No repertório vasto, houve aprofundamento desde os sambas de morro até as sonoridades da Tropicália. "O que importa mesmo é a forma como ela interpretava e estudava o que escolhia cantar. Paulinho da Viola diz que ela fez uma ponte entre dois universos musicais. Sociais, também, se você enxerga assim", complementa Aparecida. "Ela viveu um momento delicado no Brasil, bem parecido com o qual estamos vivendo, teve opinião e foi respeitada por isso. Não se deixou abater e seguiu os caminhos que quis", acrescenta a regente.

Efervescência musical

Foi por conta da cantora que tantas outras vozes renomadas tomaram impulso. Ela incentivou Maria Bethânia nos passos iniciais dentro música, gravou algumas das primeiras canções de Chico Buarque, incluindo o sucesso "A Banda" (1966), e lançou Raimundo Fagner nos palcos, nas palavras do próprio. Fagner pontua que manteve uma relação estreita com Nara desde a primeira vez que escutou sua voz nos discos. O contato com a artista aconteceu por meio do cineasta Cacá Diegues, durante as gravações do filme "Joanna Francesa" (1973). "Como eu estava começando, nós tínhamos o mesmo empresário, era uma maneira de tirar ela de casa para cantar. Nesse período, eu cheguei a morar um pouco na casa de Elis Regina e ficava transitando entre as duas", conta.

Ambas, inclusive, dividiram alfinetadas. Por coincidência, elas dividem este 19 de janeiro. A data de nascimento de Nara também simboliza os 40 anos da morte de Elis. "É uma semana emblemática na minha história, pela importância que as duas tiveram na minha carreira. Elis me lançando como autor, com Belchior, e a Nara me lançando nos palcos". As duas eram artisticamente distintas. Enquanto Elis externalizava a potência do cantar, Nara trazia o tom doce em gestos mais contidos.

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A intérprete de "O Bêbado e o Equilibrista" participou da passeata contra a guitarra elétrica, na mesma época em que a voz de "Opinião" lançava álbum com Roberto Carlos, da turma da jovem guarda. As cantoras também namoraram Bôscoli e deixavam claro a antipatia uma pela outra. "Elas foram antenadas no seu tempo", compara Fagner, que compartilha alguns destes causos no livro "Quem me levará sou eu" (2019). "A Elis era perfeccionista a nível técnico, a Nara nem tanto. Mas as duas eram muito ligadas no Brasil, preocupadas com esse País que vem dando passos para trás. Eu tive muita sorte em poder participar da história dessas duas grandes artistas brasileiras".

O biógrafo Tom Cardoso diz que a inimizade entre Nara e Elis cessou durante um voo doméstico. Outra questão levantada pelo autor era que a rivalidade, apesar de verdadeira, também era alimentada pela mídia. "Elas deixam uma lição fundamental decisiva em relação a história do Brasil, ao repertório, a qualidade no que cantar. Elas deixam aqui a lição de que suas histórias devem ser lembradas para servir de exemplo".

Mais repertório

Através do artista natural de Orós, no Ceará, a vitoriense conheceu o compositor Fausto Nilo. Os três, então, iniciaram uma parceria. "Ela me chama um dia para dizer que convenceram ela a gravar um disco. Ela disse que não estava mais tolerando o ambiente de gravadora e que, neste momento, só toparia gravar se a produção fosse eu e Fagner", detalha Fausto. Para ele, a notícia foi desorientadora. "Era como se ela tivesse me ouvido bastante e chegasse à conclusão que eu era um artista que ela tinha interesse", continua o poeta.

Assim, eles começaram a produção do disco "Romance Popular" (1981), uma sonoridade totalmente diferente na ampla discografia de Nara. Fausto lembra que a cantora praticou aulas de canto para mergulhar no processo, que durou mais de um mês. Inicialmente, o repertório - por escolha dela - seria composto apenas com letras de Fausto, mas ele insistiu em acrescentar outros compositores. "Até por uma coincidência, porque eram pessoas que eu tinha muito contato, eles são do Nordeste. Terminou que acharam que esse disco é nordestino, mas na realidade é feito com músicos de todo o País. Agora, não é convencionalmente o que era na carreira dela, é muito diferente". 

No final, sete faixas do projeto são de autoria do cearense, incluindo "Amor Nas Estrelas". Ele conta que, com ela, havia muita pesquisa e planejamento. "Todo dia tinha muito assunto porque ela era muito exigente. Naquele momento, ela queria fazer aquilo. Para ela, era um mundo novo, mas ela fez do jeito que ela queria fazer e a gente ouvia. Para mim foi uma honra ter podido colaborar".  Infelizmente, resgata Fausto, os dois perderam certo contato após o trabalho. "Na época, não tinha essa facilidade. Mas ela era uma pessoa maravilhosa, positiva, fora do comum".

No lado artístico, a presença da cantora a levava a "qualquer ponto da história". "Acho que ela tinha essa coisa de ser uma cantora popular mesmo. Hoje, por exemplo, acho que é crítico isso nas canções de forma mais musical. Sempre tem moda, coisa que se transforma, e tem muitas coisas hoje mais fácil de consumir. Mas você percebe que tudo o que ela disse cantando, são coisas muito importantes, que você pode voltar a ouvir. Quando eu trabalhei com ela, além de ficar muito amigo, eu tinha essa admiração constante", opina Fausto. 

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