Escândalos políticos com abuso de poder e atentados à democracia. Esses fatos espinhosos têm atravessado a vida do povo brasileiro e os desdobramentos desses atos vão muito além dos limites de Brasília.
Em junho de 2019, no início do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), um dos maiores escândalos judiciais da história recente da República veio à tona. O vazamento de mensagens trocadas entre o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro com outros integrantes da Operação Lava Jato, que viria a ser conhecido como "Vaza Jato".
País afora, brasileiros foram pegos de surpresa com as informações divulgadas na imprensa e deixados em estado de descrença com o que passava a ser conhecido pelo público. Entre os indignados com os fatos, a diretora Maria Augusta Ramos. Com um cinema movido por inquietações diante de "não-justiças", ela inicia em 2019 a produção de seu mais novo documentário, "Amigo Secreto", que coloca os bastidores da Vaza Jato sob os holofotes do jornalismo investigativo.
Batizado com o mesmo nome do chat de mensagens vazadas, o longa-metragem se detém nas investigações da Lava Jato que levaram à prisão do ex-presidente Lula, e ao posterior escândalo entre os juízes e procuradores acusados por manipulação de informações e ilegalidades jurídicas.
Orientada pelo trabalho de apuração de jornalistas das representações brasileiras do The Intercept e El País, veículos de comunicação, a linha narrativa é traçada com imagens de arquivo de depoimentos oficiais, com ainda outras contemporâneas de protestos e movimentações sociais em torno do presidente eleito em 2018 pela "superestrutura do Lavajatismo", como opina uma das personagens da produção.
Permitindo que os personagens circulem pelo filme como se sempre tivessem existido naquele universo em particular, Maria Augusta captura um grupo de jornalistas que acompanha os desdobramentos do caso Lava Jato, enquanto o País mergulha na sequência de crises que se seguiram com o abalo da credibilidade da operação, assim como da democracia da nação.
"Foram mais de dois anos de produção e pesquisa contínuas. Começamos as filmagens no meio de 2019, pouco tempo após serem publicadas as primeiras matérias da Vaza Jato", conta a cineasta sobre a criação do longa que contou com a participação dos jornalistas Leandro Demori (The Intercept Brasil) e Carla Jiménez (El País Brasil).
"Depois da primeira etapa de filmagens, veio a pandemia. Fizemos algumas capturas durante o período mais severo da Covid-19, com uma pequena equipe no Brasil visitando hospitais, cemitérios, cobrindo manifestações e votações importantes no STF", continua Maria Augusta, referindo-se, por último, à prisão em segunda instância do ex-presidente Lula, e a suspeição do juiz Sérgio Moro.
Como coprodução entre Brasil, Alemanha e Holanda, as filmagens do documentário foram retomadas oficialmente em meados de 2021. "Durante todo esse tempo, aprofundamos a pesquisa com a leitura sobre processos da Lava Jato, além da conversa com juristas e muitas horas de depoimentos assistidos", diz a diretora.
Sobre o momento que ficará mais fortemente gravado na memória acerca de todo o processo de produção, a documentarista compartilha a entrevista com Alexandrino Alencar, um dos principais delatores da Lava Jato e executivo da construtora Odebrecht, condenado na operação. "Ele faz uma fala bastante corajosa no filme, mostrando como a operação conduzia o processo para atingir objetivos predeterminados", detalha.
Sem expectativas bem definidas para impacto no público, ela fala que "é um grande desafio contar uma história tão complexa quanto essa", considerando que o tema é ainda muito recente e "com impacto tão grande na vida brasileira". Para a recepção no estrangeiro, o desafio é ainda maior: "Esse público não acompanha o dia a dia da política no Brasil".
Por outro lado, temas como o lawfare - uso de procedimentos legais por agentes da Justiça contra "inimigos" - e o avanço de ideologias autoritárias de extrema direita vêm ganhando espaço em noticiários de todo o mundo. Com isso, a diretora diz acreditar que o filme "é capaz de comunicar lá fora, e de mostrar os riscos que o Brasil e muitos outros países correm atualmente".
“Me parece um ano crucial para a democracia brasileira, que está sob forte ataque. O filme procura compreender essa crise de uma perspectiva mais ampla, não focada apenas nas ações do cidadão que agora ocupa a cadeira presidencial", finaliza a premiada cineasta.
"Amigo Secreto" estreia hoje, 16 de junho, no Cinema do Dragão do Mar como parte de uma grade dominada por produções nacionais, em celebração pelo Dia do Cinema Brasileiro.
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Amigo Secreto
Estreia hoje, 16, no Cinema do Dragão (rua Dragão do Mar, 81 - Praia de Iracema)
Sessões: 16/06, às 19h50. 17/06, às 19h40. 18/06, às 18h20 (com exibição seguida de debate com o Grupo Prerrogativas). 19/06, 21/06 e 22/06, às 19h40
Quanto: R$ 8 (meia) e R$ 16 (inteira)