Gilberto Gil foi influenciado por diversos artistas ao longo de sua carreira. Dos seus 80 anos de vida, mais de 60 foram dedicados à música profissionalmente, e bebeu da fonte de nomes como Luiz Gonzaga, João Gilberto, The Beatles, Bob Marley e tantos outros. Bossa nova, samba, rock, reggae e outros ritmos foram marcas ao longo de sua trajetória e, à sua maneira, trouxe novos elementos para a música nacional - como não mencionar, por exemplo, o toque de seu violão a partir de "Expresso 2222"?.
Curioso é pensar que, tal como esses artistas inspiraram Gilberto Gil a encontrar seus caminhos na música, o mesmo pode ser dito sobre o baiano quanto às gerações que viriam após sua repercussão. Seja na forma de compor, de fazer "batidas no violão", de diversificar ritmos ou até na maneira de enxergar a vida, Gil influenciou profissionais do ramo.
No Ceará, um exemplo disso é o cantor e compositor Edinho Vilas Boas. "Gil me influencia muito na forma que vejo, toco, canto e componho música. No que se refere ao respeito às nossas raízes, a procurar colocar nas canções essa pluralidade cultural que temos e a conduzir a voz e o violão da forma mais 'crua' e 'pulsante' possível. Também sinto-me influenciado por sua estética sonora, quando reafirma essas raízes, mas, com frescor de novas sonoridades ou assuntos atuais, sem deixar nunca de falar de amor", revela o cearense.
Como Edinho afirma, Gil foi um dos responsáveis por fazê-lo "conhecer e amar a música brasileira", sendo peça fundamental para que Edinho desejasse se tornar compositor. O sentimento de estar "próximo" à sua sonoridade também vem por outras semelhanças, como o fato de seu pai também ser negro e baiano. "De alguma forma eu sempre associei a figura de Gil à dele. Era como se ele fosse da família e não soubesse", ri.
Emoção grande para Edinho, então, quando, em 2018, ao se apresentar em um restaurante na Avenida Beira-Mar, foi elogiado pelo seu próprio ídolo. Sem dúvidas, um momento bastante especial: "Pouco tempo depois que comecei a cantar, um garçom chegou para mim e disse que 'o homem' estava só me elogiando. Eu perguntei quem era, e imagina o que é, a partir daí, fazer o resto da apresentação sabendo que meu ídolo estava na plateia".
No começo, ficou nervoso, mas relaxou aos poucos. Depois de ter pedido a 'atenção' do mestre para uma música autoral sua, intitulada "Retumbante", Edinho foi agraciado pelos aplausos do ídolo e os elogios quanto à sua voz, à sua forma de cantar e à sua "pegada no violão". "Eu só sabia sorrir e agradecer", compartilha.
Para Edinho, são muitos os legados deixados por Gil para a música e para a cultura brasileira: "Gil ensina que podemos nos renovar sempre, mas sem esquecer nossas raízes. Ensina que a música feita com alegria, amor e responsabilidade muda o mundo para melhor, porque respeita a diversidade e a espiritualidade ao mesmo tempo. Além disso, que a arte, a educação e o conhecimento individual e coletivo podem nos ajudar a achar um caminho válido para um Brasil melhor".
A cantora, compositora e sambista carioca Teresa Cristina fala sobre a influência de Gil em sua carreira. Ela aponta para uma inspiração mais geral do músico em sua trajetória: "Acho que o Gilberto Gil influencia qualquer artista brasileiro pela excelência do que ele entregou. Tenho 54 anos e o acompanho desde os meus 7 anos, ouvindo seus sucessos, vendo suas transformações tanto estética quanto musicalmente. É uma pessoa muito transparente e com uma arte muito inovadora. O Gil nunca fez a mesma coisa, nunca repetiu um disco ou uma fase musical. Então, acho que a influência que ele traz para nós, artistas brasileiros, é a melhor possível".
Conhecida como a "rainha das lives" por ter feito diversas transmissões ao vivo em suas redes sociais nos períodos mais graves da pandemia, em 2020 Teresa Cristina foi surpreendida pela entrada de Gilberto Gil em uma live que fazia em homenagem à obra do cantor. A reação foi de muita emoção.
"Eu encarei como um presente de um Orixá. Achei que meu pai, Xangô, tinha me dado um presente, que foi trazer esse artista gigantesco para a transmissão, ali, dentro do quartinho em que eu estava fazendo a minha live. A importância do gesto dele é difícil de descrever, porque me emociona sempre que eu lembro", afirma.
Ela acrescenta: "O Gil é um tesouro do Brasil e eu acho que temos que ficar muito felizes por estarmos vivendo na mesma época que ele. A minha filha conheceu alguns artistas, e o único que ela 'perdeu as estribeiras', gritou e ficou nervosa foi o Gilberto Gil. Ela o conheceu no mesmo dia que conheceu Caetano Veloso, e com ele ela teve uma certa timidez, mas quando viu o Gil ela virou para mim e, 'berrando', falou: 'Mãe! O Gilberto Gil!".
Por fim, Teresa aponta sobre um dos legados de Gil: "O que eu aprendi com o Gilberto Gil, não somente como artista, mas como pessoa, é que tudo na vida tem dois lados. Tudo tem uma ação e reação. As forças acabam sendo equivalentes. Isso eu aprendi com ele, pela sua poesia e pela sua escrita. Musicalmente é muito difícil descrever a importância do Gil, porque ele é a música do Brasil".
*Os depoimentos a seguir foram dados em entrevista para a pesquisadora musical Chris Fuscaldo, dentro do projeto "O Ritmo de Gil", do Google Arts & Culture.
"Eu acho que o mundo, de tempos em tempos, precisa de pessoas que vêm prontas para traduzir uma série de coisas que nós, seres normais, não somos capazes de fazer. Aí, pinta um cara como Gilberto Gil, extremamente criativo e emotivo. Ele consegue, de fato, jogar nas suas canções experiências dele que se parecem com as nossas".
“Tenho muitas porções de Gilberto Gil dentro de mim, e uma das mais fortes é a carnavalesca. Ele é um cara que me ensinou milhões de coisas só de assisti-lo. Gil é aquele cara a que podemos dar a expressão “a peteca não cai””.
"Eu fico feliz de poder contemplar Gilberto Gil. É complexo falar sobre ele a obra dele. Ele, como artista, é um guru. Tem um grau de genialidade como poucos no mundo. Para mim, está em um padrão de genialidade como Elton John, Stevie Wonder e outros grandes caras são considerados nesse panteão das artes.
"Eu me sinto feliz de poder ter essa observação. De poder, ao longo da minha carreira, eu, como fã, e como artista também, ter esse grau de percepção sobre a obra dele e poder ter essa intimidade de conhecer a família, frequentar a casa, de ver o desdobramento do que ele trouxe emanar para os filhos, os netos e para todos nós. Viva, Gilberto Gil!"
"Ao Gil, eu só tenho a agradecer. Agradeço pelo violão virtuoso que vem com o sertão e toda a tradição do violão brasileiro, com aquele apuro e perfeição. Agradeço pela voz, que deu voz a tanta gente, que fez com que nos conhecêssemos melhor. Agradeço pela cabeça de poeta, filósofo e pensador, que nos ajuda a entender sobre a vida e a morte, a natureza e o tempo, o oculto e a existência com toda a sua complexidade".
"Agradeço ao Gil por ele ser da conversa e, como bom professor, por ser extremamente generoso em dividir conosco o seu saber, o seu olhar, o seu pensar, o seu ritmo e a sua arte".
O pai, avô e bisavô da família Gil
"A ideia da paternidade talvez fosse exatamente inspirar em mim, ainda criança, pelo modo como a paternidade, a maternidade e a fraternidade se davam na minha família. Então, eu já estava pronto. Eu cresci pronto para ser pai", refletiu Gilberto Gil na coletiva de imprensa realizada ainda em junho sobre a série "Em Casa Com Os Gil", produzida pela Amazon Prime Video.
Questionado sobre como a paternidade "atravessou sua construção como ser humano e como artista", ele indicou sobre como esse sentimento estava dentro de si desde quando falou para sua mãe que queria ser "musgueiro" quando crescesse. Aos 80 anos, Gil se tornou não apenas "pai de menino", mas de meninas, e também viu sua família e relações familiares crescerem com o passar do tempo.
Depois de três casamentos (o primeiro com Belina Aguiar, depois com Sandra Gadelha e, atualmente, com Flora Gil), a "prole" de Gilberto chegou à contagem de oito filhos, 12 netos e uma bisneta - a pequena Sol de Maria. O músico tem sua presença respeitada por todos da família, e também é visto sob a postura de alguém que "tem um peso maior nas palavras". Essa responsabilidade, porém, já vem desde sua formação.
"É algo herdado da minha própria educação. Meus pais foram muito ansiosos com essa tarefa de nos educar. Então, essa distribuição de tarefas no sentido de escolha múltipla de enfoques, de como ver o que está no mundo e de como mostrar o que acontece para a prole que está chegando já vem de muito tempo. Eu fui criado em uma família assim", afirma.
Como é possível observar na série "Em Casa Com Os Gil", a interação com o "patriarca" da família ocorre de maneira natural - assim como é transmitido o seu legado para as novas gerações, como afirmou seu filho Bem Gil na coletiva de imprensa. Para ele, isso ocorre no cotidiano, e de forma a deixar que "cada um floresça" de maneira orgânica.
"Sempre foi algo muito natural e cotidiano. É respeitar a natureza de cada um e colocar ali os ingredientes necessários para que cada um floresça de uma maneira que seja orgânica. A Bela (Gil, filha de Gilberto e culinarista) tem essa questão da alimentação, que transborda para além do núcleo familiar dela", inicia.
"Existe esse respeito. Tem gente que produz, que cozinha, e isso fica muito claro na nossa lida com as crianças, porque achamos que um pode ser cientista, que a Sol vai ser outra coisa, que o que o Sereno (neto) vai ser aqui outra coisa também, então é respeitar a natureza de cada um e tentar incentivar da melhor forma possível. A música naturalmente vai estar presente", finaliza.
Tão natural é a presença da música que o legado de Gilberto Gil na arte se ramificou pela família. O exemplo mais claro talvez seja o de Preta, que lançou em 2003 "Prêt-à Porter", seu primeiro disco. Hoje, segue seus próprios caminhos na música como cantora e compositora. Do seu DNA também veio Francisco Gil, que atualmente faz parte da banda "Os Gilsons", trio criado por José Gil (filho de Gilberto) e João Gil (neto), além de Francisco.
Em depoimentos disponibilizados no museu digital "O Ritmo de Gil", do Google Arts & Culture, familiares do cantor baiano compartilharam as influências do músico e inspirações em suas vidas, demonstrando a importância de Gilberto como pilar da família. "Para mim, ele é referência máxima, mas, sobretudo, é cultura. É a nossa arte popular brasileira, ele traz um pouco de tudo do que temos de mais rico", destaca Francisco Gil, neto.
Quem também participou e deixou seu recado foi a neta Flor Gil, que já chegou a cantar com seu avô nos palcos. "Meu avô, para mim, é uma inspiração muito grande e um professor. Ele me ensina muitas coisas de música e trocamos muitas ideias. Acho que meu avô vai deixar muita inspiração, músicas legais e muita saudade", indicou.
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(Foto: Divulgação)Os Gilsons: trio formado por José Gil, João Gil e Francisco Gil
(Foto: Reprodução/Prime Video)Está prevista uma segunda temporada para a produção "Em Casa Com Os Gil"
(Foto: Reprodução/Prime Video)"Em Casa Com Os Gil" mostra desde a escolha do repertório para turnê "Nós, A Gente" até conflitos da família Gil
(Foto: Alex Santana/ Bazaar Brasil/ Divulgação )Preta Gil: vestido da cearense Catarina Mina
(Foto: Divulgação)Bela Gil é culinarista e filha de Gilberto GIl
"Se eu pudesse apontar um legado do meu pai, além da grandeza da obra e da trajetória correta de vida e essa história digna e coerente, é essa família linda que nós temos", disse Marília Gil, sua segunda filha. "Eu não seria nada sem ele. Não só por eu ter nascido dele, mas pelo seu temperamento, pela maneira como me educou e meus irmãos, com muita liberdade, sabedoria, sempre nos 'enquadrando' no momento certo, da maneira dele", compartilhou Preta Gil.
Bela Gil, por sua vez, fala sobre Gilberto Gil como referência em sua vida: "Gilberto Gil é, para mim, em primeiro lugar um grande pai e, em segundo, talvez a maior inspiração da minha vida. Foi através dele que eu tive contato com outros grandes contatos da minha vida e é uma pessoa que me inspira, que me traz paz, tranquilidade e também uma sensação de segurança e pertencimento muito grande. Devo a ele essa minha vontade de ter trilhado esse caminho da alimentação saudável e do cuidado com o próximo também".
"Meu pai é um grande músico, poeta e tradutor das principais questões humanas, assim como grande entusiasta da fraternidade, da comunhão entre as pessoas e os povos. Sempre foi muito receptivo, acho que isso é sentido por todos que o acompanham", afirmou Bem Gil, seu sexto filho.
Gilberto Gil celebra seus 80 anos na estrada e também em família. Começa no dia do seu aniversário uma turnê pela Europa e também pela África revisitando canções marcantes de sua carreira subindo ao palco ao lado de seus familiares. Mais um marco, assim, para uma carreira tão brilhante e extensa de um dos maiores nomes da história da música brasileira.