"É bom poder cantar chegando aos 80. O mero fato de chegar aos 80 me agrada: gosto de viver. E talvez goste mais ainda de cantar", revela Caetano Veloso, em entrevista exclusiva ao O POVO, ao ponderar sobre a proximidade do seu marco de oito décadas de vida. Acontece que não são "apenas" 80 anos. São também mais de cinco décadas dedicadas à vida profissional e com contribuições profundas para a música e a cultura brasileira.
Álbuns de destaque, prêmios, parcerias, tropicalismo, atuação política importante de oposição à ditadura militar brasileira… Vários são os feitos que ajudam a contar a trajetória do cantor e compositor baiano ao longo de seu tempo em atividade. Nesta sexta-feira, 1º, o músico volta a se apresentar em Fortaleza, agora dentro da programação do festival I'Music, no Shopping Iguatemi Bosque.
Além de Caetano Veloso, o evento terá show da cantora Roberta Sá. No palco, o baiano levará ao público o "histórico de mais de cinco décadas" de carreira, incluindo a sua produção mais recente: o álbum de inéditas "Meu Coco", lançado em 2021. "Em minhas canções, procuro deixar o Brasil falar. Isso está em 'Baby' e 'Reconvexo' como em 'Não Vou Deixar' e 'Anjos Tronchos'", compartilha o compositor.
Na época de desenvolvimento do trabalho, Caetano já tinha mais de 20 discos solo de músicas inéditas em sua bagagem, mas, evidentemente, sempre há espaço para mais um. Começou o novo projeto em 2019, com a vinda da faixa "Meu Coco", ainda antes da pandemia. Entretanto, o lançamento do álbum completo só pôde ocorrer no ano passado.
Agora, Veloso subirá ao palco para apresentá-lo ao vivo, durante um momento diferente da pandemia quando comparado ao seu início. Ele comenta sobre esse processo: "Passei o verão na Bahia no final de 2019 e começo de 2020. Tinha feito shows em Salvador com Ivan Sacerdote e Felipe Guedes - e ia fazer o mesmo em outras cidades. Mas chegou a pandemia e tive que ficar parado em casa no Rio por dois anos, vendo o tempo passar sem passar".
Ele acrescenta: "O mais estranho é a medida automática do tempo, a que a gente faz sem pensar, como ficou desfigurada. A gente vai falar de algo que aconteceu há cinco anos e pensa que foi há um ou dois". Além da faixa que intitula o disco, "Meu Coco" tem canções como "Enzo Gabriel", "Autoacalanto", "GilGal" e "Não Vou Deixar".
Essa, por sinal, com uma atenção maior para o cenário político do País. "Não vou deixar / Não vou, não
vou deixar você esculachar / Com a nossa história / É muito amor, é muita luta / É muito gozo, é muita dor / E muita glória", anuncia Caetano Veloso na música. A canção reforça o espírito contestador que o artista carrega consigo desde o início de sua carreira.
Um reflexo disso, por exemplo, foi sua prisão na virada para os anos 1970 e o exílio forçado para Londres. Em terras inglesas, desenvolveu o "Transa", um dos grandes sucessos de sua trajetória. Para Caetano, a "criação artística" tem relação com os campos sociais e políticos, e até o silêncio de um artista pode falar muito.
Por sinal, o baiano não ficou em silêncio diante do que ocorreu com o indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips. No show de abertura da temporada de "Meu Coco", no Vivo Rio, no início de junho, ele falou sobre a necessidade de se descobrir onde eles estavam - na época, ainda não haviam sido confirmados os seus assassinatos. O discurso demonstrou, além do lado de se posicionar de Veloso, a força da fala artística como ponto de mobilização.
Nesse sentido, ele comenta sobre a relevância de profissionais de grande destaque como pontes para amplificar denúncias e desejos de melhorias no País. "A minha geração viveu sempre atenta aos temas públicos, já que nós nos tornamos pessoas publicamente conhecidas. E a própria criação artística tem necessariamente ligação com o que é social e político. Até o silêncio de um artista diz muito", reflete.
Além de "Não Vou Deixar", outra composição do álbum que versa sobre os dias atuais é "Anjos Tronchos", que discursa sobre a influência dos algoritmos na vida das pessoas. Nesse caso, o mundo da música não fica de fora em meio à efemeridade do consumo de música e da "exigência" de produções que se tornem hits em pouco tempo.
Caetano comenta sobre esse cenário: "Observo o que se passa, mas cresci pensando em canções que chegam para ficar, em discos de longa duração que têm repertório coerente, em obras que formem um conjunto significativo. Mas vejo o TVZ no Multishow e gosto de algumas coisas que nascem nesse ambiente que você descreveu. Fiz 'Meu Coco' como um álbum como os que saíam em CD ou vinil. Sinto a pressão do novo ambiente como algo curioso e que ainda está por dizer no que vai dar".
Aliando essa curiosidade com o seu "gosto de viver e de cantar", Caetano Veloso poderá apresentar ao público cearense um passeio pela sua vasta carreira e continuar a celebrar sua trajetória um mês antes de, enfim, chegar aos seus 80 anos.
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Caetano Veloso no I'Music
Quando: sexta-feira, 1º de julho; abertura dos portões às 16 horas
Onde: Estacionamento do Shopping Iguatemi Bosque (Avenida Washington Soares, 85 - Edson Queiroz)
Quanto: R$ 90; vendas na loja I'Music, no próprio Shopping, e também no site Bilheteria Virtual