Pensar sobre a obra de Lima Barreto e o legado deixado pelo escritor não precisa ser feito apenas por meio das letras impressas. Pelo impacto de sua trajetória, é necessário imaginar outras maneiras de apresentá-lo a quem ainda não o conhece - e de reforçar seu trabalho para quem já é familiarizado a ele.
Na linguagem do cinema, isso já pode ser feito: estreia no Canal Brasil nesta terça-feira, 1º, o filme inédito "Lima Barreto Ao Terceiro Dia", logo na data em que seu falecimento chega ao centenário. O longa-metragem é uma coprodução do canal inspirada na peça de Luís Alberto de Abreu e é estrelada por Luís Miranda, que interpreta o escritor na obra audiovisual.
Premiado como Melhor Roteiro e Melhor Direção de Arte no Cine PE Festival Audiovisual (2021), o filme retrata os três dias da última internação hospitalar de Barreto, ocorrida em 1919 no hospital psiquiátrico D. Pedro II. Na produção, o escritor é interpretado em duas fases de sua vida, sendo uma aos 42 anos (Luís Miranda) e outra mais jovem, aos 30 (Sidney Santiago Kuanza).
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O enredo se desenvolve no presente (com Lima conversando com o paciente com quem divide o quarto), no passado (com as lembranças do período que era jovem e escrevia o livro "O Triste Fim de Policarpo Quaresma") e na "ficção" (em que os personagens do mesmo romance passam a interagir entre si). No elenco, há nomes como Orã Figueiredo, que vive Policarpo Quaresma, Maria Clara Vicente, Gisele Fróes, Cristiane Amorim e Camilo Bevilacqua.
Em entrevista exclusiva ao Vida&Arte, Luís Miranda repercute o seu processo de preparação para o papel, as camadas da vida de Lima Barreto atingidas pelo filme e a necessidade de continuar lembrando do autor mesmo após cem anos de sua partida.
O POVO: Como você recebeu o convite para interpretar Lima Barreto e como foi realizada a sua preparação para o papel?
Luís Miranda: O convite veio a partir do próprio diretor Luiz Antônio Pilar. É importante dizer que esse filme tem roteiro baseado na peça do Luís Alberto de Abreu, que o Pilar dirigiu, e ele tinha intenção de fazer um filme junto com o Alberto. Eles escreveram esse roteiro cinematográfico e o Pilar me convidou, já havíamos feito um trabalho antes. Foi muito legal a história do convite e eu comecei a mergulhar na história do Lima Barreto. Fui ler a biografia "Lima Barreto - Triste visionário", da Lilia Schwarcz, pesquisei sobre a vida dele, conheci a sua obra dele e li seus livros. Depois, a gente teve uma preparação com a Marina Rigueira, que fez um trabalho muito legal com a gente.
O POVO: Nessa pesquisa sobre a vida do Lima Barreto, que fatos mais chamaram a sua atenção da biografia dele?
Luís: Eu acho que os fatos estão postos por aí de uma maneira geral. Ele morreu muito jovem, aos 41 anos, tinha um pensamento absolutamente revolucionário e democrático - para além, inclusive, da sua época - e, sobretudo, uma escrita muito vigorosa.. O Lima foi um cara que escrevia muito vigorosamente, me parece que ele tinha muito conhecimento de causa quando escrevia. Eu sinto que o Policarpo (protagonista do livro "O Triste Fim de Policarpo Quaresma) é um homônimo dele, um personagem no qual ele se via também. Um revolucionário, estadista, um cara que vai transformar as coisas… E eu acho que foi isso que eu senti quando entrei na pesquisa e na vida dele. E era também um homem com um destino bem traçado, mas que a época não deixou que isso acontecesse. Era um excelente jornalista, um crítico, escrevia crônicas maravilhosas, mas se achava pouco valorizado - o que acontecia também porque ele atacava muito o governo na época. Obviamente, ele ainda vivia os resquícios da escravidão e a gente sabe como é até hoje, com todo o preconceito que os negros sofrem.
O POVO: O filme toca em temas como o alcoolismo e a internação de Lima Barreto em um manicômio. Na sua visão, qual a importância de falar sobre esses assuntos atualmente?
Luís: Eu acho maravilhoso que se fale. O alcoolismo continua matando em vários aspectos e cada dia mais as pessoas estão necessitando de saúde mental. Não é à toa o crescimento do número de suicídios e da quantidade de pessoas diagnosticadas com depressão. No caso do Lima Barreto, eu acho que falar sobre isso nasce muito porque as pessoas começaram a achá-lo louco porque ele estava muito à frente do seu tempo para aquela época. Ele bebia muito, e nessas bebedeiras ele fazia 'alardes'. É importante também a gente falar do alcoolismo nesse lugar, como um debilitador. Isso levou a vida de um cara de 41 anos.
O POVO: O que significa, para você, dar vida à Lima Barreto neste longa-metragem?
Luís: É um orgulho muito grande para qualquer ator, principalmente por se tratar de um cara da grandiosidade do Lima Barreto. Toda vez que você pega uma biografia/um personagem grande, que são os grandes personagens da nossa história, você fica muito orgulhoso. Eu fiz o meu melhor para poder levar às pessoas a emoção e os questionamentos que o filme pede. É uma obra muito importante para a minha carreira.
O POVO: Qual a relevância de seguir falando sobre o Lima Barreto cem anos após a sua morte?
Luís: Tem uma importância muito grande. Primeiro, porque o Lima foi um cara bastante esquecido. Durante um tempo, esse esquecimento gerou uma coisa muito ruim, que foi a gente conhecer pouco da história dele. Então, para mim, é a gente reviver o Lima Barreto, celebrar ele, dar uma visão grandiosa para ele. Acho que nesse centenário a gente tem que lembrar ele exatamente por tudo isso, por esse pensamento, por esse esquecimento, por essa negativa, por esse abandono de uma história maravilhosa que o Lima construiu na história brasileira, pelo momento que a gente está vivendo no país, desse fascismo e dessa coisa maluca, fanática, por armas. A gente tem que falar sobre princípios democráticos e sobre pessoas que pensam sobre isso. No filme, Policarpo aparece justamente para falar desse idealismo brasileiro, do sonho de ser um povo melhor, mais lutador, de ser um povo revolucionário como o Lima foi. Então, de uma maneira ou de outra, esse filme vem em um momento muito importante.
O POVO: O que você espera que o público que assistirá ao filme sinta e aprenda sobre a obra de Lima Barreto?
Luís: A sensibilidade brasileira e a grandiosidade de nossos autores. Acho que é um filme que ele contempla muito mais a se entender e a se conhecer o Lima Barreto, então as pessoas vão se surpreender com uma história contada de uma maneira muito especial e delicada. O filme tem cenas lindas e textos muito bonitos. De uma maneira ou de outra, é uma beleza a gente poder ver um filme como esse nesse lugar da nossa história e da nossa vida. Acho que a tradução mais real é essa: poder entender um pouco mais de quem nós somos como brasileiros a partir do Lima Barreto.
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Lima Barreto Ao Terceiro Dia
Quando: estreia terça-feira, 1º, às 19h10min
Onde: Canal Brasil