"Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender", compartilha Paulo Freire em "Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa". A ambivalência de ensinar-aprender posta pelo pedagogo é vista na prática dos 20 anos da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho. Com impacto central nas trajetórias profissionais de inúmeros alunos, que depois passaram como formadores no espaço, a EAOTPS busca para 2023 reforçar o papel social.
Dados da própria Escola apontam que mais de 6 mil alunos participaram de atividades e projetos pedagógicos ao longo dos anos na iniciativa. Entre os bens simbólicos que tiveram alunos e ex-alunos da EAOTPS em processos de restauração, estão prédios de equipamentos históricos do Estado como o Cineteatro São Luiz e o Theatro José de Alencar, as esculturas do Museu São José do Ribamar e a fachada e o vitral da sede histórica da Secretaria da Fazenda do Estado.
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"Um equipamento público atuante que promove respeito à memória é de suma importância, isso já nos coloca num lugar especial. A Escola cumpre esse papel ao capacitar jovens para atuar profissionalmente no campo da conservação e do restauro e ao ajudar a disseminar e manter os saberes e fazeres tradicionais", defende a gestora executiva da EAOTPS Maninha Morais.
A bordadeira e professora Juliana Farias conheceu o ofício no curso de Bordado Livre da Escola em 2014. A formação, facilitada pela mestra Lúcia Ferreira, deu vazão aos passos profissionais da artista, que já havia feito um curso de marcenaria infantil em 2006 no equipamento.
"A partir do curso inicial, me dediquei e consegui crescer. Foi na atividade de monitora (em 2015) que descobri a paixão por ensinar também", destaca Juliana. "A formação foi fundamental para o meu desenvolvimento profissional. Se não fosse a escola, provavelmente não teria descoberto o gosto pelo ofício do bordado livre", segue. Hoje, a artista tem o canal do Youtube TransBordando, de ensino da arte por vídeos, e também é professora do Coletivo Bordando Resistência, formado por mulheres da Comunidade Quilombola de Alto Alegre, em Horizonte.
Os caminhos do técnico em conservação e restauro Roberto Moreira Chaves também foram traçados a partir da Escola. Nascido em São Luís do Curu, a 79 km da Capital cearense, ele passou a construir em 2005 um acervo sobre a história da família. Já interessado na salvaguarda da memória, se mudou para Fortaleza em 2012 para estudar História e se aproximou da Escola, que conhecia de vista em visitas nas férias.
Acumulando experiências em diversos cursos, de Adereço em Couro a Conservação e Encadernação de Papel, foi ampliando os interesses e atuações, tendo experiências profissionais em equipamentos como o Museu do Ceará, o Museu Sacro São José de Ribamar e Museu da Cultura Cearense, além de ter participado dos restauros do Theatro José de Alencar e do Cine São Luiz. Hoje, Roberto é técnico de conservação e restauração de bens culturais móveis na Universidade Federal do Ceará.
O empreendimento do acervo familiar, que se desdobrou para o de comunidades inteiras, também foi crescendo com cada novo conhecimento agregado nas formações da EAOTPS. Entre as iniciativas capitaneadas por eles, estão a criação do registro do Patrimônio Cultural da Ribeira do Curu, o restauro da casa do avô na comunidade de Salgado dos Moreiras (São Gonçalo do Amarante) e a criação do Museu Casa de Quinca Moreira.
"Sempre digo que a escola foi minha base, foi fundamental para eu ingressar na área de patrimônio cultural, tanto material como imaterial, e ter outra visão acerca do patrimônio cultural da minha região", ressalta Roberto. "Ela nos traz a possibilidade de aprender e desenvolver determinado ofício manual, fazendo disso um fator gerador de renda não só pro artesão/artista, como para o meio em que vive, contribuindo assim para propagação da importância do nosso patrimônio cultural", dialoga Juliana.
Para 2023, Maninha destaca: "O foco da escola é atingir o aluno de 18 anos, egresso da escola pública. Uma das coisas que vamos trabalhar para o futuro é ter o maior número de alunos dentro desse perfil. A gente precisa colocar a possibilidade para ele de ter um ofício, entrar nesse mercado".
"A Escola é fundamental no meu processo formativo, na minha vida acadêmica e profissional. É a minha segunda casa, é uma casa que acolhe os alunos", atesta Roberto. "Cabe a nós, alunos e professores, preservá-la e ajudá-la a manter toda essa ação e impacto na vida dos jovens, na população e na área de patrimônio cultural não só de Fortaleza, mas do Ceará", convida.
I Mostra Fazendo Arte, Aprendendo Ofícios
Exposição de bordados "Linhas de Fausto Nilo", resultado do Curso de Iniciação ao Bordado; de telas de Chico da Silva (1910-1985) restauradas por alunos; de gravuras produzidas no Curso de Iniciação à Gravura; de joias dos alunos do I Curso de Prtaria Artesanal; instalação têxtil feita no Curso de Costura e Bordado; e exibição de vídeos do projeto Patrimônio para Todos e do restauro dos murais da cripta da Igreja Nossa Senhora dos Remédios.
Quando: visitações até 30 de dezembro, de segunda a sexta, de 14 às 16h30min
Onde: Avenida Francisco Sá, 1801 - Jacarecanga
Mais informações: @escolaarteseoficios.tps e (85) 3238.1244 (WhatsApp)
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