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Luisa Cela: garantias orçamentárias e articulação política em pauta
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Luisa Cela: garantias orçamentárias e articulação política em pauta

Perspectivas orçamentárias, relação com municípios, relação federal e política são abordados pela secretária da Cultura do Ceará Luisa Cela
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Luisa Cela, secretária da Cultura do Ceará no governo Elmano, é formada em psicologia e acumula experiência em gestão cultural (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE Luisa Cela, secretária da Cultura do Ceará no governo Elmano, é formada em psicologia e acumula experiência em gestão cultural

Secretária da Cultura do Ceará a partir de 2023, Luisa Cela compartilha garantias orçamentárias e desafios institucionais e políticos da gestão em entrevista ao Vida&Arte.

LEIA MAIS | Parte 1 da entrevista - "Manter, aperfeiçoar e inovar": os desafios de Luisa Cela à frente da Secult

OP - Quais as perspectivas concretas da questão orçamentária para a Secult, inclusive em meio às leis Aldir Blanc 2 e Paulo Gustavo? O que está garantido?

Luisa - A Secult finaliza o ano com execução próxima a R$ 300 milhões. O governador Elmano tem dito — não só para a área da cultura — que um dos guias para o novo secretariado é olhar os compromissos que foram assumidos ao longo da campanha. Um deles, no campo da cultura, foi a garantia de orçamento, para a gente partir desses R$ 300 milhões, que é o que a gente consegue ter hoje — isso excluídos investimentos federais, que se somam. A gente teve a Lei Orçamentária Anual de 2023 aprovada na Assembleia, então partimos com esse valor e construímos as perspectivas ao longo do ano, com às vezes necessidade de remanejamento, suplementação. Há a celebração de um orçamento histórico para o Ministério da Cultura, da ordem de R$ 10 bilhões, algo nunca antes destinado à cultura nacional, e só a lei Paulo Gustavo traz para o Estado do Ceará uma grandeza de R$ 90 milhões — para serem executados pelo Governo, sem contar o que vem para os municípios. As perspectivas são muito positivas. Para se ter dimensão, o governador Camilo recebe a Secult (em 2015) com R$ 70 milhões de orçamento, então esse crescimento foi pelo compromisso do 1,5% (para as políticas culturais, meta prevista no Plano Estadual de Cultura) e isso gira em torno da ordem de R$ 300 milhões, somados ainda ao que nós certamente vamos fortalecer com a retomada do Ministério da Cultura.

OP - A Lei Aldir Blanc demandou o fortalecimento dos sistemas municipais e estaduais de cultura. De que forma a experiência pode ajudar na relação com os municípios?

Luisa - Uma primeira coisa muito interessante foi que os 184 municípios do estado do Ceará receberam recursos para investir em cultura. Isso por si só já é uma experiência extremamente inovadora. Tive a alegria e o grande desafio de coordenar a Lei Aldir Blanc aqui e poder dialogar com todos os municípios. Alguns nunca tiveram investimentos ou um pensamento sobre política cultural. Foi interessante tanto no sentido de mobilizar as gestões municipais, mas também a sociedade civil, porque a Lei Aldir Blanc foi o estímulo para que os municípios construíssem comitês junto à sociedade, ativassem conselhos. Houve uma mobilização da sociedade na pauta sobre política cultural. Um dos desafios que, em 2019, a gente provocou os municípios foi que eles, na construção do Plano Plurianual (PPA), tivessem a presença de agentes culturais. Era difícil, tinha regiões que não tinham ninguém. Tenho a sensação de que a gente vai ter uma experiência diferente na construção do PPA em 2023. Acredito que com a retomada efetiva e institucional da política de fortalecimento dos sistemas municipais e estaduais, a gente encontra um terreno mais fértil, porque vamos encontrar municípios onde a sensibilização e a mobilização aconteceram. Ainda tem uma necessidade de fortalecimento institucional da execução das políticas culturais junto aos municípios, mas hoje você consegue encontrar em todas as regiões do Estado agentes mobilizados, com capacidade de formular e de executar. Sem dúvida, a Lei Aldir Blanc foi uma experiência política dos sistemas, tanto de aproximação com o Estado — talvez a gente nunca tenha estado tão próximo aos 184 municípios, discutindo e formulando política pública, como aconteceu no meio de uma pandemia.

OP - Ainda na transição, você ressaltou a necessidade de fortalecimento do setor audiovisual e do programa Ceará Filmes. De partida, por que o destaque ao cinema? Depois, como se pretende a efetivação do programa?
Luisa - Falando sobre as linguagens de forma geral, esse é um campo em que a gente precisa pensar a política para as artes. Ela é um desafio ainda de formulação, inclusive. O Estado fomenta muita coisa do ponto de vista de produção, criação, formação, talvez com um pouco mais de dificuldade de circulação, principalmente por meio dos editais, mas tem o desafio de construção dos planos setoriais. O Plano Estadual de Cultura indica que os planos setoriais sejam formulados e a gente não conseguiu avançar nisso. No desafio dessa formulação, debates vão surgindo. Acho que tem uma dimensão da especificidade da linguagem do audiovisual, dos custos, mas também uma dimensão de organização do setor, da capacidade de formulação, de pleito. Tem uma dimensão nessas conquistas do audiovisual que fala sobre a luta e a organização do setor. Não que os outros não lutem e não sejam organizados, mas o audiovisual conseguiu ter uma capacidade de conquista. Estou vendo o pessoal da música muito mobilizado, inclusive já vendo umas cartas circulando na defesa de uma agência nacional para a música. É algo interessante de se pensar.

Com a Ancine, o audiovisual é a única linguagem que tem uma fonte permanente de financiamento. Você tem ali, bem ou mal, muito ou pouco, um financiamento. Todo mês cai no Fundo Setorial do Audiovisual um recurso para investir naquela linguagem, então é claro que ela vai ter uma capacidade de estruturação das políticas mais forte. Esse é um embate permanente no Conselho Estadual de Cultura, no momento de definir a divisão dos recursos para as linguagens e é justo as outras linguagens reivindicarem investimento. É claro que o cinema tem a questão da dimensão de pré-produção, produção, pós-produção, que tem demandas. Foi sancionado pelo governador Camilo o programa Ceará Filmes e houve um momento em que a gente falou que era uma empresa. É uma empresa, um instituto, uma agência? Qual o formato? Qual o modelo adequado para a gestão desses recursos? Qual é a fonte de financiamento? Não adianta criar estruturas se a gente não vai ter fonte de financiamento. Se cria estrutura, há recursos para um investimento mais finalístico para mantê-la, mas não vai se conseguir ter uma ação efetiva de financiamento, que é a razão de criação da estrutura.

Tem uma discussão ampla do próprio Sistema Nacional de Cultura que é: qual o sistema de financiamento da cultura? O recurso vem de onde? Na Ceará Filmes, isso tem que ser construído. O programa foi criado, define linhas, cria uma coordenadoria na estrutura da Secretaria da Cultura, cria um Fundo Setorial do Audiovisual vinculado ao Fundo Estadual de Cultura, mas o FEC tem uma questão que é o financiamento. Qual é ele, de onde vem o recurso? Ele vem de uma dedução das empresas, mas elas geralmente preferem apoiar via mecenato porque têm uma projeção de marca muito mais forte e o investimento de uma empresa tem uma dimensão de retorno. Agora, com a alteração da lei, isso também mudou, porque o FEC vai poder atrelar as empresas que fomentam. Mas qual é a fonte? Tem algum imposto? Parte de algum imposto cai no fundo para financiar a política cultural? A gente fica sempre dependendo de uma articulação com as empresas, o próprio tesouro estadual muitas vezes acaba tendo que bancar, tem a discussão nacional sobre ter parte dos recursos das loterias direcionado para o fundo nacional. No caso do programa Ceará Filmes, essa dimensão do financiamento precisa ainda ser discutida com o setor e com o novo Governo.

OP - A gestão passada da Secult foi atravessada por contextos federais delicados, do impeachment de Dilma Rousseff ao governo Bolsonaro. Quais as expectativas para atuar com o governo Lula e a retomada do ministério?

Luisa - Ao mesmo tempo que é uma potência, traz uma responsabilidade muito grande. Não existia relação. É por isso que tanto o Fórum Nacional de Secretários Estaduais de Cultura, como as entidades municipalistas se fortaleceram. Agora, o cenário que se apresenta é "não estamos mais sozinhos", seja para as dificuldades ou para as vitórias. A gente vai ver renascer no Brasil o pacto federativo, a colaboração entre União, estados e municípios, porque a forma como a política pública se organiza no nosso País exige que haja esse tipo de colaboração. Há a reconstrução do ministério com a Margareth Menezes, a perspectiva da ida do Fabiano Piúba. Óbvio que o financiamento muito nos interessa, mas não é só isso, é pensamento, formulação, encontrar saídas, adequar questões de legislação, de execução de política. Isso passa pelo processo de valorização da cultura. Tem também uma tarefa de casa para nós que fazemos a política cultural que é conseguir mostrar melhor nossa força, nossa potência social, cultural e econômica, para que as pessoas entendam que não é gasto, é investimento.

OP - Você ocupou anteriormente cargo de execução, enquanto a titularidade demanda diálogo e fazer político. Na campanha eleitoral, você se posicionou, defendendo a indicação da Izolda para concorrer e apoiando Elmano. De que forma a política deve aparecer na sua gestão?

Luisa - Faz parte da gestão pública, composição, coligação. Tenho trajetória política, sou filiada ao PT desde 2007, 2008, participei do movimento estudantil, fui do centro acadêmico de Psicologia e do Diretório Central dos Estudantes da UFC, então tenho atuação política, partidária inclusive. Tenho relações com partidos e movimentos anteriores a esse meu momento, digamos assim, que acabou ganhando uma proporção grande por conta do meu posicionamento. É claro que o fato da governadora Izolda ser minha mãe traz uma emoção diferente de qualquer outra pessoa, mas meu posicionamento foi político no sentido da defesa em torno de uma governadora. Não estava falando exclusivamente da minha mãe, era a compreensão política que eu tinha daquele processo. Vivo a gestão pública já há alguns anos e é um espaço ainda muito machista, masculino. O compromisso que o governador Elmano fez, e tem cumprido, de garantir a paridade (entre homens e mulheres) no secretariado é um posicionamento político muito importante. Tenho relações com partidos, parlamentares, movimentos, e pretendo construir a gestão da cultura a partir desse diálogo. É importante ter um processo de composição, mas não pequeno, fisiologista, de troca de cargos. Não acredito nesse tipo de política. Gosto de fazer e ter uma perspectiva de uma política de construção, entendimentos. Por exemplo, tenho relação próxima com movimentos de periferia. Como a política pública de cultura se fortalece nessa relação com a periferia, com os movimentos culturais da periferia? Tenho relação próxima também com o MST. Como a gente constrói políticas para o campo? É importante que a Assembleia Legislativa paute, debata e entenda a importância da política cultural. É importante o processo de articulação desde os movimentos mais específicos do campo cultural, os fóruns de linguagem, o Conselho Estadual de Políticas Culturais, os comitês dos povos indígenas e de expressões afro. O governador criou a secretaria de Povos Indígenas, a de Igualdade Racial, com as quais a Secult precisa dialogar de forma muito efetiva. Que as câmaras municipais e a Assembleia debatam cultura, não para que a Secult vire uma secretaria de disputa, mas para que a política cultural seja valorizada e compreendida na sua importância para o desenvolvimento do Estado.

OP - Comecei perguntando da prioridade inicial, mas, em um exercício de imaginação e intenções, pergunto: o que espera deixar como principal legado da secretaria?
Luisa - Espero construir uma trajetória de fortalecimento e valorização das políticas culturais não só dentro do governo, mas fundamentalmente na sociedade. Espero poder garantir todas as conquistas, mas ter a condição e a capacidade também de inovar e criar. A gente diz muito que a cultura é um vetor fundamental de desenvolvimento econômica, social, humano, mas eu acho que isso ainda é um desejo nosso. A gente ainda precisa de fato trazer a compreensão da sociedade. Desejo ter uma trajetória de fortalecimento e consolidação das políticas públicas. Que quando a gente olhe para o Ceará, tenha um imaginário em torno da força e da valorização das expressões culturais. É um processo desafiador, mas nossa potência cultural está toda aqui. Vou chegar na Secretaria da Cultura com ela em outro patamar, diferente do que a gente encontrou lá atrás. Não que não se valorizasse antes, mas é um processo de construção. Para as políticas culturais, e isso foi dito para nós, não por nós, o Ceará já se destaca nacionalmente como uma das melhores secretarias da cultura do País. Desejo que o Estado possa cada vez mais ser reconhecido não só pela potência das políticas, mas pela força da sua cultura, que ela seja motivo para que pessoas venham, para que os cearenses se orgulhem. Isso é muito potente do ponto de vista de constituição de um estado forte. Para mim, um estado forte é aquele capaz de valorizar o que tem de bom, e tem uma força que vem da cultura.

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