Logo O POVO+
Rita Lee: Um legado de arte para a cultura brasileira
Vida & Arte

Rita Lee: Um legado de arte para a cultura brasileira

Com sua irreverência, inteligência e firmeza, Rita Lee deixou legado no Brasil que ultrapassa a música: foi voz pela liberdade
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Cantora Rita Lee morre aos 75 anos e deixa legado fundamental na história da música brasileira  (Foto: Reprodução/ Instagram @ritalee_oficial)
Foto: Reprodução/ Instagram @ritalee_oficial Cantora Rita Lee morre aos 75 anos e deixa legado fundamental na história da música brasileira

"Eu, em nome da minha geração, posso dizer que também fui impactada diretamente pela Rita Lee. Ela nos trouxe uma reverência ímpar". A fala da ministra da Cultura, Margareth Menezes, soa emblemática não apenas pelo peso que carrega ao se comentar sobre a obra de Lee. A declaração alcança uma dimensão ainda maior quando se analisa que o comentário vem de uma voz potente da música pop baiana, estilo mais distanciado do rock.

Essa, então, é uma das maneiras de compreender o tamanho da Rita Lee na história da música brasileira. Seu legado, portanto, não se restringiu ao rock - e nem somente à música, aliás. Ela foi espelho para tendências de comportamento, pensamento e possibilidades de se enxergar a vida.

"Toda a dinâmica de pensamento, de poesia, os arranjos das músicas, o ambiente musical que ela trouxe… são muitas contribuições. Esse legado é do tamanho dela, do ser dela, deixando sempre bom humor como uma marca da maneira de viver", acrescentou Margareth Menezes ao falar sobre o falecimento da "rainha do rock brasileiro".

A influência da voz de clássicos como "Lança Perfume", "Ovelha Negra" e "Mania de Você" atravessou - e atravessa - gerações. No teatro, foi interpretada pela atriz Mel Lisboa no musical "Rita Lee Mora ao Lado". "Rita, a maior de todas. A estrela mais brilhante deste nosso céu. Minha inspiração. Nossa rainha. Hoje dói muito, mas me sinto privilegiada por ter existido na mesma época que você. Por ter tido a ousadia de subir no palco fingindo ser você. Por ter tido a honra de ter estado ao seu lado nesses últimos 10 anos. Obrigada por tudo que você fez por todos nós", disse Mel Lisboa em publicação no Instagram.

Importante nome do rock nacional contemporâneo, a baiana Pitty também se despediu de Rita Lee por meio de suas redes sociais. Ela é fã declarada da cantora, dividiu palco com a paulista, regravou a canção "Agora Só Falta Você" e fez parceria na música "Esse Tal de Roque Enrow".

"Estou em frangalhos. A maior nos deixa hoje. Que dia triste. Ritinha, te amarei para todo sempre! Meus sentimentos à família, aos amigos. Brilhará eternamente para mim. Nunca haverá outra Rita Lee! Obrigada por existir!", afirmou.

Em fevereiro deste ano, a cantora e compositora Manu Gavassi, 30, gravou o álbum "Acústico MTV: Manu Gavassi Canta Fruto Proibido", releitura de um dos maiores sucessos da carreira de Rita Lee. A artista pop já havia deixado claro anteriormente sua admiração pela rainha do rock brasileiro. Lee surge como referência em versos de composições de Gavassi e em homenagens nas redes sociais.

O álbum teve a "benção" de Rita Lee - e Gavassi, na época do lançamento, reconheceu a relevância do trabalho da cantora paulista. "O 'Fruto Proibido' é um disco que fala, acima de tudo, sobre liberdade feminina. Rita era a contadora de sua própria história. Isso é muito poderoso", ressaltou em coletiva de imprensa em fevereiro.

A qualidade e a importância da obra de Rita Lee são atestadas também por profissionais que pesquisam o campo da música. Biógrafa, escritora, pesquisadora musical e autora do livro "Discobiografia Mutante", Chris Fuscaldo ressalta o ecletismo da cantora em fundir referências de rock com a música brasileira.

A pesquisadora também lembra das antecessoras de Rita Lee, como a cantora Nora Ney, voz do primeiro rock gravado no Brasil. Apesar de ter gravado "Rock Around The Clock", de Bill Haley & His Comets, ela era notabilizada por cantar samba. Fuscaldo também aponta Wanderléa como "uma intérprete superimportante do rock brasileiro" e Martinha, da Jovem Guarda, como a primeira compositora do universo do rock no Brasil.

Rita Lee, porém, teve um diferencial: "Quando Rita Lee surge com Os Mutantes, ela e a banda fazem uma coisa que ninguém tinha feito ainda: trazer todas as referências de rock do momento - de The Beatles e até de Jovem Guarda - e misturar com a música brasileira. Claro que teve uma ajuda de Gilberto Gil e de Caetano Veloso, principalmente de Gil, o primeiro a gravar com Os Mutantes, mas a Rita era a integrante que tinha esse ecletismo".

"Ela ouvia muita música brasileira em casa, então abriu a porta para o rock na música brasileira e abriu a porta da música brasileira para o rock. Ela ajudou a fazer a mistura entre os estilos, e isso a tornou a maior roqueira da história do Brasil", complementa.

Autora do capítulo "Rita Lee" no livro "1979 - O Ano Que Ressignificou a MPB", a professora da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Mónica Vermes destaca o "papel vital da cantora na consolidação de um jeito brasileiro e personalíssimo de fazer rock e música pop". Em seu texto, ela pontua como Rita Lee se aproximou da música disco no álbum homônimo.

Segundo a professora, a presença é "especialmente significativa por conciliar dois universos musicais que naquele momento se colocavam em polos opostos (rock vs. disco), aproximando-se e abraçando o universo da música preta brasileira e da comunidade LGBTQIAP ".

Mónica resssalta o impacto peren de Rita Lee na cultura nacional, especialmente nas pautas femininas. "Daria para escrever páginas sobre as várias dimensões em que Rita Lee impactou nossa cultura, mas vou me ater a uma só: o fato de ser uma mulher. Que felicidade para as meninas da minha geração poder viver, pensar, fazer música tendo uma referência como a Rita nos mostrando que podíamos fazer e existir do nosso jeito. Que presente ter um hino como 'Ovelha negra' sinalizando que não estávamos sós. Que lindo vê-la navegar pela vida se transformando, tão fiel à sua liberdade".

Chris Fuscaldo apresenta pensamento semelhante ao elencado por Mónica Vermes: "As influências de Rita Lee ultrapassam as barreiras da música. Ela foi transgressora no comportamento, nas atitudes, na liberdade que teve a vida toda, e com isso inspirou muitas mulheres também a se libertarem, a serem o que queriam ser. Mais do que isso, ela mostrou para as mulheres que música também é lugar de mulher".

Assim, qual seria a importância de celebrar o legado deixado por Rita Lee? "Para além da qualidade de sua obra - que geração após geração descobre e seguirá descobrindo, se assombrando e amando - é importante lembrar que ela foi sempre uma voz dissonante e corajosa, que fez pouco de todos os clichês que tentaram colar nela", enfatiza Mónica.

"O legado de Rita Lee é eterno. Ela é daquelas cantoras que nunca serão esquecidas, assim como há muitos nomes de homens na música, mas muitas mulheres acabam esquecidas e apagadas. Não vai ser o caso da Rita Lee. Não tenho a menor dúvida. O legado dela é enorme. A quantidade de sucessos deixados é enorme, sempre esteve nos primeiros lugares nas rádios, nas vendas e nas execuções", define Chris Fuscaldo.

Leia também:

- Rita Lee deixa legado de doce e acessível transgressão na vida e na música

- As muitas faces de Rita Lee: uma história de vida e obra

Podcast Vida&Arte

O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker. Confira o podcast clicando aqui

O que você achou desse conteúdo?