"A museologia social tem um trabalho de articulação com o passado, mas especialmente a partir do mundo e do tempo em que vivemos e com uma projeção do futuro, no sentido de que tanto o futuro quanto o presente estão em debate. Por isso, também falamos não apenas de uma memória que está no passado, mas uma memória que pode construir o futuro. Eu poderia dizer que um museu que não serve para a vida, não serve para nada".
As ideias sintetizadas por Mário Chagas - museólogo, poeta e diretor do Museu da República, no Rio de Janeiro - demonstram a importância de se discutir o conceito de museologia social atualmente. Elas apontam também para as possibilidades de integração das instituições museais não apenas de forma temporal - entre o passado, o presente e o futuro, por exemplo -, mas de tipologias, indo além dos museus tradicionais.
O profissional defendeu esse posicionamento em entrevista ao Vida&Arte em março, durante o "Seminário de Museus e Museologia no Tempo Presente", evento realizado no Museu da Imagem e do Som Chico Albuquerque. O evento reuniu representantes de instituições museais para refletir criticamente sobre "as dimensões poéticas, políticas e sociais dos museus e da museologia na contemporaneidade".
Na próxima quinta-feira, 18, será celebrado o Dia Internacional dos Museus. Diante da retomada expressiva de investimentos em políticas culturais - com orçamento histórico para a Cultura no Brasil -, a data ganha ainda mais relevância, bem como as discussões sobre as práticas envolvendo museus. Assim, o Vida&Arte ouve especialistas para debater a questão: como pensar as instituições museais na contemporaneidade?
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Coordenador do Núcleo Educativo do Museu da Cultura Cearense (MCC), Ícaro Souza entende que o pensamento museal contemporâneo tem "papel de grande responsabilidade social". Para ele, se os museus têm "imenso e valioso poder discursivo em torno da memória, do pertencimento, da identidade e do patrimônio cultural de um povo".
Com as discussões sobre as práticas museais, é possível refletir sobre os interesses e os discursos dessas instituições, "que já foram muito mais voltadas para as elites econômicas" e, por isso, valorizavam acervos de interesse das classes mais abastadas, "reproduzindo pagamentos e até mesmo preconceitos".
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"Debater museus também é buscar compreender a quais interesses estas instituições atendem, com quem elas dialogam, em quem elas chegam, como tratam as memórias de uma sociedade ou um grupo e a quem viabilizam o acesso a estes registros", defende Ícaro, que tem experiência também no desenvolvimento de ações de educação patrimonial.
Nesse sentido, é necessário, então, uma atuação colaborativa e de escuta. Consultora nas áreas da Museologia, da Educação e da Gestão e Organização de Museus e professora visitante da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, em Portugal, Maria Célia Teixeira compreende que "mais do que nunca é preciso uma rede colaborativa".
Com isso, há a aproximação dos museus com a sociedade - mas não com "a autoridade de técnico que domina o conhecimento sozinho", e sim com diálogo e troca de conhecimento de forma conjunto. "Essa troca entre sujeitos, realidades e patrimônios diferentes traz para o museu visões de mundo e de patrimônio diferenciadas que vão se juntar ao acervo, de modo a compreenderem melhor a história e se olharem como sujeitos dessa história", alega.
Entram em cena museus indígenas, quilombolas e de comunidades "periféricas ou dissidentes", como afirma Ícaro Souza. O coordenador aponta como tendências de práticas na museologia atualmente o destaque para o deslocamento de foco dos grandes espaços institucionais "para as experiências museais do povo".
"Uma museologia que milita no mundo ao lado destes povos e que investiga as suas experiências com a memória e o patrimônio cultural, conferindo caráter inovador às formas como o povo se apropria e valoriza suas memórias coletivas espontaneamente", argumenta o profissional.
Essas ações, invariavelmente, podem aproximar o público das instituições museais, se desgarrando da possível ideia de que tais equipamentos sirvam "apenas" para conservação de um passado distante. Para Mário Chagas, os museus devem sistematicamente se questionar como atender "de modo cada vez mais atento e participativo" à população que o visita - e também à que não costuma entrar em seus espaços.
"Precisamos perguntar o que os jovens estão fazendo e o que os mais velhos estão precisando. Essa atenção contemporânea, na minha perspectiva, tem a potência de produzir conexão entre museu e sociedade. Acho que esse é o nosso desafio: fortalecer essa conexão entre museu e sociedade", pontua.
Na análise do diretor do Museu da República, a museologia social envolve participação efetiva das comunidades e dos povos - e, em sua avaliação, o Ceará tem uma força expressiva nesse aspecto. A característica é defendida por Ícaro: "Os museus cearenses propõem experiências ricas e plurais de museus e acervos. Investigam e exibem a memória patrimonial e a produção artística cearense em diálogo com a produção nacional e internacional a partir de diferentes linguagens, ferramentas e perspectivas".
Ele prossegue: "O Ceará tem uma experiência museal de uma pluralidade singular, dos museus indígenas aos eco museus, museus comunitários, acervos particulares que refletem a história de um lugar, a cultura cearense vem à tona em sua diversidade viva e pulsante quando olhamos para as experiências museais existentes no Ceará como um todo".
Sobre a relação entre passado e presente almejando um futuro, Mário Chagas contribui: "Quando lidamos com objetos e acervos do passado, não estamos no passado, estamos no presente lidando com esse passado. Entretanto, esse passado não 'passou' de todo, porque há muita coisa ainda para ser descoberta e repensada. Quando fazemos isso, é como se pudéssemos fazer uma revolução naquele passado e isso vai se projetando no futuro".
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