Afeita ao desenho desde a infância, a artista cearense Débora Santos se formou em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Ceará, mas nunca deixou de lado o gosto pela arte. Eventualmente, o caminho das pesquisas acadêmicas cedeu lugar ao de traços e cores da ilustração. Com oito anos de carreira, ela é uma das indicadas ao Will Eisner Comic Industry Awards, principal premiação de histórias em quadrinhos do mundo. O reconhecimento veio pela obra "The Beekeeper's Due" — publicada na antologia de quadrinhos "Tales from The cloackroom", ilustrada por ela e escrita por Jimmy Stamp —, que é finalista da categoria "Melhor História Curta". Na esteira do anúncio da indicação, feito no último dia 17, a cearense conversou com o Vida&Arte sobre trajetória, inspirações e próximos passos na carreira.
O POVO - Quando e em que contexto você começou a ilustrar?
Débora Santos - Sempre gostei de desenhar, desde criança. E aí nunca parei, na verdade. Muitos anos depois de ter feito minha primeira graduação é que passei a fazer quadrinhos de forma independente com um coletivo de Fortaleza, Netuno Press, e a partir daí uma coisa foi levando à outra. Fui aprendendo com esses artistas e antes tinha feito alguns cursos de desenho, pintura e quadrinhos
OP- Você se formou em Ciências Sociais na UFC. De que forma esse caminho deu lugar à escolha por engrenar profissionalmente na ilustração? Quais foram as primeiras experiências neste sentido?
Débora - Depois que concluí a graduação em Ciências Sociais, trabalhei por um tempo na área, em pesquisas e no laboratório de estudo da cidade da UFC, mas, enquanto isso, fazia cursos por fora e tinha muita vontade de trabalhar com quadrinhos e ilustração. A vontade nunca foi embora, na verdade. Estudar Ciências Sociais foi um momento não só de formação acadêmica pra mim, mas de formação cidadã e ética. Depois, fui estudar licenciatura em artes visuais no IFCE e de lá fui aprendendo outras coisas e conhecendo mais gente, procurando trabalhos dentro do que eu queria de fato fazer.
OP- Na ilustração, a sua atuação principal é na colaboração em HQs ou também investe em outras frentes, como produções próprias?
Débora - O que existe atualmente em maior quantidade no meu portfólio são os quadrinhos. É uma linguagem que comecei a consumir na adolescência e me despertou o desejo de contar histórias. Mas também trabalho fazendo cenários para animação 2D, ilustro livros, diagramo, às vezes dou aula de desenho. Na verdade, tudo que é sobre construção visual e contação de histórias sempre me interessa.
OP - Existe um caráter forte de rede colaborativa no campo das HQs e da ilustração. Como você avalia os movimentos da linguagem no Ceará?
Débora - É verdade, existe mesmo! A gente acaba conhecendo muita gente nos eventos de quadrinhos e construindo uma rede de apoio. É uma das coisas que acaba me puxando pros quadrinhos sempre que fico cansada. As pessoas são a melhor parte. No cenário cearense, tem muita gente voltada para a produção independente (sem editoras) e uma geração mais jovem que produz webcomics. A oficina de quadrinhos da UFC, por exemplo, é uma grande responsável pela formação de muitos autores no Estado, de várias gerações diferentes. Acho que ainda falta um apoio maior a quem não está na região metropolitana de Fortaleza. (Na Capital) já existiram vários cursos voltados para a produção de zines e de quadrinhos em equipamentos públicos, como a Escola Porto Iracema das Artes, Cucas e Bece, ministrados por vários autores locais, e eventos também, como Geek Expo, Mercado dos Quadrinhose [Des]enquadradas — que infelizmente não existem mais, mas que foram formativos pra muita gente, incluindo a mim.
OP - A indicação ao prêmio veio por uma obra internacional. Como e quando surgiu a oportunidade de compor essa equipe?
Débora - Já fiz outros quadrinhos curtos independentes para pessoas fora do país e desenhei um que foi fruto de uma pesquisa etnográfica, "Gringo Love". É uma novela gráfica escrita por Marie-Eve Carrier-Moisan, antropóloga e professora na Universidade de Carleton, e William Flynn, sociólogo. Já sobre "The Beekeeper's Due", eu estava em grupos do Reddit (site em estilo fórum que aborda diferentes temáticas) oferecendo serviços de quadrinista e Jimmy (Stamp, autor do texto) veio falar comigo, mostrou o roteiro, eu adorei e a gente trabalhou na história. Ele tinha feito um curso de roteiro com Scott Snyder (roteirista de HQs estadunidense) e queria ilustrar. Depois, todos os alunos desse curso organizaram uma antologia de quadrinhos financiada através do Kickstarter (plataforma de financiamento coletivo), que foi por onde nossa história foi publicada.
OP - Quando você colabora com publicações de outras pessoas, como se dá o processo criativo? O que te inspira principalmente para produzir?
Débora - Para cada projeto, uma dinâmica. É um processo que tem suas particularidades. Quando se fala de quadrinhos, que muitas vezes eu faço com outras pessoas, a parceria criativa é muito importante pra mim. É um processo com muito diálogo, troca de referênciase muitas refações para chegar no melhor resultado possível. Sobre inspiração: tudo me inspira. Desde uma fofoca que alguém me contou, uma série que estou assistindo ou algum insight que tive na terapia. Tudo é material, tudo pode ser assimilado ao trabalho artístico que, de alguma forma, se mistura à leitura que temos do mundo e da vida.
OP - Como tem sido a repercussão — local, nacional e até internacional — após a indicação? Que planos você projeta para próximos passos a partir desse reconhecimento?
Débora - Uma colega jornalista estava falando que se sentia em clima de Copa. O sentimento tem sido esse, mesmo, muita gente feliz, comemorando, vindo falar comigo. A presença de quadrinistas brasileiros nessa premiação causa muito um sentimento generalizado de orgulho, né? Eu já senti isso a respeito de outros autores também, muitos que nem conheço pessoalmente, mas cujo trabalho acompanho e já troquei algumas palavras on-line, fico muito feliz. Muita gente que não é da área também tem vindo me parabenizar. Seria muito legal, óbvio, ganhar o prêmio, mas como somos novatos lá e estamos ao lado de nomes veteranos de peso, não tenho expectativas sobre o resultado da votação. Estar nos finalistas é algo muito grande pra mim e pra meus colegas dos quadrinhos! Eu continuo querendo contar histórias e espero que em breve consiga viabilizar novos quadrinhos longos!
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